O que significam leucocitose e neutrofilia?
Leucocitose e neutrofilia são duas alterações frequentemente encontradas no exame de hemograma, que significam, respectivamente, elevação dos leucócitos e dos neutrófilos no sangue.
A leucocitose e a neutrofilia estão habitualmente ligadas a quadros de infecção, mas podem também surgir em diversos outros problemas de saúde, tais como leucemias, inflamações, estresse físico ou uso de certos medicamentos.
Neste artigo, explicaremos quais são os tipos de leucocitose, quando cada uma delas surge e quais são os seus significados clínicos.
Para complementar as informações deste texto, sugerimos também a leitura do nosso artigo sobre hemograma: Hemograma – Entenda os seus resultados.
O que é um leucócito?
Os leucócitos, também conhecidos como glóbulos brancos, são um grupo de células do sangue que fazem parte do sistema imunológico e estão envolvidas com a proteção do organismo contra germes invasores.
Existem cinco tipos de leucócitos:
- Neutrófilos.
- Linfócitos.
- Monócitos.
- Eosinófilos.
- Basófilos.
Cada um desses tipos de leucócitos é produzido na medula óssea e desempenha funções diferentes no sistema imunológico. Alguns leucócitos atacam diretamente o germe invasor, outros produzem anticorpos, alguns estimulam a produção de mediadores inflamatórios e ainda há aqueles que apenas fazem a identificação do microrganismo invasor para facilitar o trabalho das outras células do sistema imunológico.
Em condições normais, a quantidade de leucócitos no sangue varia entre 4.000 a 11.000 células por microlitro (ou 4,0 a 11,0 × 109/L). Quando os leucócitos estão aumentados, ou seja, acima de 11.000 cel/microL, damos o nome de leucocitose. Por outro lado, quando os leucócitos estão em quantidade menor que 4.000 cel/microL, dizemos que o paciente tem leucopenia.
Por que surge a leucocitose?
A leucocitose ocorre sempre que a medula óssea aumenta a produção de um ou mais dos 5 tipos de leucócitos. Na maioria dos casos, isso ocorre como resposta à presença de um germe invasor, seja uma bactéria, vírus, fungo ou parasito, ou a um processo inflamatório, como uma reação alérgica, traumas ou queimaduras.
Existem também as leucocitoses provocadas por leucemias, que serão explicadas mais abaixo.
O tipo de leucócito que sofre aumento depende do estímulo. Qualquer uma das 5 linhagens de leucócitos pode ser a responsável pela leucocitose. Por exemplo, infecções bacterianas estimulam a produção de neutrófilos, fazendo com que o paciente tenha leucocitose com neutrofilia (ou leucocitose neutrofílica).
Já os pacientes com quadros graves de alergia costumam ter leucocitose provocada por eosinofilia, ou seja, por aumento no número de eosinófilos no sangue. A eosinofilia também costuma ocorrer nos casos de parasitoses.
A leucocitose provocada por linfocitose (aumento dos linfócitos) é bastante sugestiva de infecções de origem viral, como gripe, mononucleose ou hepatites virais.
As leucocitoses provocadas por monócitos (monocitose) podem ocorrer por tuberculose ou algumas infecções bacterianas.
Por fim, as leucocitoses originadas por basófilos (basofilia) são raras e são geralmente provocadas por leucemia, alergia ou inflamações.
Leucocitose por aumento dos neutrófilos
Como já referido acima, o neutrófilo é dos tipos de leucócitos. Na verdade, ele é tipo mais comum, representando, em média, de 45% a 75% de todos os leucócitos presentes no sangue. Isso significa que, se o paciente tiver 10.000 leucócitos por microlitro de sangue, a quantidade de neutrófilos esperada é de 4.500 a 7.500 cel/microL.
A leucocitose neutrofílica é a forma mais comum de leucocitose. Ela ocorre sempre que o número de leucócitos encontra-se acima de 11.000 cel/microL e o número de neutrófilos é maior que 7.700 cel/microL.
Os neutrófilos são especializados no combate a bactérias. Quando há uma infecção bacteriana, a medula óssea aumenta a sua produção, fazendo com que a concentração sanguínea se eleve.
As infecções bacterianas agudas são a principal causa de leucocitose com neutrofilia. Nestes casos, a leucocitose costuma ficar entre 12.000 e 25.000 cel/microL.
Os neutrófilos têm um tempo de vida de apenas 48 horas. Por isso, assim que o processo infeccioso é controlado, a medula reduz a produção de novas células e os níveis sanguíneos retornam rapidamente aos valores basais.
Dizemos que o paciente apresenta neutrofilia quando há um aumento do número de neutrófilos no sangue. Já a neutropenia é o termo usado quando há uma redução do número de neutrófilos circulantes.
Causas comuns para neutrófilos altos (neutrofilia):
- Processos inflamatórios, como uma pancreatite, apendicite, diverticulite ou colecistite.
- Infecções, especialmente de origem bacteriana, como pneumonia, otite, amigdalite, meningite, sinusite ou erisipela.
- Cetoacidose diabética.
- Infarto do miocárdio.
- Exercício extenuante.
- Tabagismo (o cigarro provoca inflamação crônica e o aumento dos leucócitos é geralmente proporcional à quantidade de tabaco consumida e à duração em anos do hábito de fumar).
- Obesidade (também provoca um quadro de inflamação crônica).
- Doenças autoimunes.
- Crise convulsiva.
- Pós-operatório de grandes cirurgias.
- Medicamentos: corticoides, epinefrina, lítio, ácido retinoico ou fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF).
- Cocaína.
- Alguns tipos de câncer, como do cólon, rins, pulmão e fígado.
- Leucemia.
- Choque térmico.
- Situações em que há estimulação da medula óssea, como nos casos de hemólise (destruição das células sanguíneas).
- Esplenectomia (remoção cirúrgica do baço).
Exceto pela leucemia, infecções, uso de fator de crescimento hematopoiético ou de ácido retinoico, a maioria das causas citadas acima provoca apenas uma leucocitose discreta.
Leucocitose por aumento dos linfócitos (linfocitose)
Os linfócitos são o segundo tipo mais comum de leucócitos, representando cerca de 20% a 40% de todos os leucócitos no sangue. Isso significa que, se o paciente tiver 10.000 leucócitos por microlitro de sangue, a quantidade de linfócitos esperada é de 2.000 a 4.000 cel/microL.
A leucocitose linfocítica ocorre sempre que o número de leucócitos encontra-se acima de 11.000 cel/microL e o número de linfócitos é maior que 4.000 cel/microL.
Os linfócitos são fundamentais para a resposta imunológica, sendo especializados no combate a infecções virais e na regulação do sistema imunológico. Existem três tipos principais de linfócitos: linfócitos T, linfócitos B e células NK (natural killer).
Quando ocorre uma infecção viral, os linfócitos aumentam em resposta para combater o agente infeccioso. A medula óssea e os tecidos linfoides produzem mais linfócitos, elevando sua concentração sanguínea.
Dizemos que o paciente apresenta linfocitose quando há um aumento do número de linfócitos no sangue. Já a linfopenia é o termo usado para descrever a redução do número de linfócitos circulantes.
Causas comuns para linfócitos altos (linfocitose):
- Infecções virais, como mononucleose infecciosa, citomegalovírus (CMV), hepatites virais, HIV, Sarampo ou rubéola.
- Algumas infecções bacterianas, como coqueluche, tuberculose, brucelose, linfogranuloma venéreo ou sífilis tardia.
- Infecções fúngicas, como histoplasmose ou coccidioidomicose.
- Infecções por parasitos, como toxoplasmose ou malária.
- Doenças autoimunes, como lúpus, artrite reumatoide ou síndrome de Sjögren.
- Doença inflamatória intestinal (DII): doença de Crohn ou retocolite ulcerativa.
- Leucemia.
- Linfoma.
- Hipertireoidismo.
- Esplenectomia (remoção cirúrgica do baço).
- Medicamentos: fenitoína, minociclina, ciclosporina, tacrolimus, zidovudina (AZT), Interferon-alfa, prednisona, clozapina e ribavirina.
Leucocitose por aumento dos monócitos (monocitose)
Os monócitos são responsáveis por cerca de 2% a 8% dos leucócitos totais no sangue, o que corresponde a uma contagem normal de 200 a 800 cel/microL em um total de 10.000 leucócitos por microlitro de sangue.
A leucocitose basofílica ocorre sempre que o número de leucócitos encontra-se acima de 11.000 cel/microL e o número de basófilos é maior que 800 cel/microL.
Os monócitos são células fagocitárias que desempenham um papel crucial na defesa do organismo contra infecções, principalmente as infecções crônicas e bacterianas. Eles também são importantes na regulação do sistema imunológico e na remoção de células mortas ou danificadas.
Em casos de infecções crônicas, inflamações ou doenças autoimunes, a produção de monócitos pela medula óssea é aumentada, resultando em monocitose.
Monocitose é o termo usado para descrever o aumento do número de monócitos no sangue. Monocitopenia, por outro lado, indica uma diminuição no número de monócitos circulantes.
Causas comuns para monócitos altos (monocitose):
- Infecções crônicas, como tuberculose ou endocardite.
- Doenças autoimunes.
- Doenças inflamatórias crônicas, como doença inflamatória intestinal.
- Recuperação de infecções agudas.
- Leucemia.
- Malária.
- Histoplasmose.
- Sarcoidose.
- Esplenectomia.
- Estresse fisiológico, como após cirurgias ou traumas.
Leucocitose por aumento dos eosinófilos (eosinofilia)
Os eosinófilos compõem cerca de 1% a 4% dos leucócitos no sangue, o que corresponde a uma contagem normal de 100 a 500 cel/microL em um total de 10.000 leucócitos por microlitro de sangue.
A leucocitose esosinofílica ocorre sempre que o número de leucócitos encontra-se acima de 11.000 cel/microL e o número de basófilos é maior que 500 cel/microL.
Os eosinófilos são especialmente importantes na defesa contra infecções parasitárias e nas respostas alérgicas. Eles liberam enzimas que podem destruir parasitas e também estão envolvidos na regulação de reações inflamatórias.
Eosinofilia é o termo usado para descrever o aumento do número de eosinófilos no sangue. Eosinopenia, por outro lado, indica uma diminuição no número de eosinófilos circulantes.
Causas comuns para eosinófilos altos (eosinofilia):
- Infecções por vermes como ascaridíase, estrongiloidíase e filariose.
- Reações alérgicas, incluindo rinite alérgica, urticária e asma.
- Alergia a medicamentos.
- Vasculite eosinofílica (Síndrome de Churg-Strauss).
- Dermatite atópica.
- Psoríase.
- Leucemia.
- Síndrome hipereosinofílica.
- Doenças inflamatórias crônicas, como doença inflamatória intestinal.
- Infecções fúngicas, como coccidioidomicose ou aspergilose broncopulmonar alérgica.
Leucocitose por aumento dos basófilos (basofilia)
Os basófilos são os leucócitos menos comuns, representando menos de 1% do total de leucócitos no sangue. Em um paciente com 10.000 leucócitos por microlitro de sangue, a contagem esperada de basófilos é inferior a 100 cel/microL.
A leucocitose basofílica ocorre sempre que o número de leucócitos encontra-se acima de 11.000 cel/microL e o número de basófilos é maior que 100 cel/microL.
Os basófilos estão envolvidos em respostas alérgicas e inflamatórias, liberando histamina e outras substâncias durante as reações alérgicas.
O aumento do número de basófilos, ou basofilia, pode ser observado em condições alérgicas, inflamações crônicas e algumas doenças hematológicas.
Basofilia refere-se ao aumento do número de basófilos no sangue, enquanto a basopenia é o termo usado para descrever a redução desses leucócitos.
Causas comuns para basófilos altos (basofilia):
- Reações alérgicas.
- Infecções virais ou parasitárias.
- Doenças inflamatórias crônicas, como artrite reumatoide ou doença inflamatória intestinal.
- Leucemia.
- Hipotireoidismo.
- Deficiência de ferro.
- Sarcoidose.
- Reações a medicamentos.
Leucocitose provocada por leucemias
A leucemia é um tipo de câncer do sangue que surge na medula óssea, provocada pela produção exagerada de leucócitos defeituosos e pouco desenvolvidos, o que pode levar a uma grande elevação no número de leucócitos circulantes no sangue.
A leucemia é uma causa de leucocitose que pode afetar qualquer um dos 5 tipos de leucócitos.
A grande diferença das leucocitoses provocadas pelas leucemias é a sua intensidade. Casos de infecção bacteriana costumam provocar leucocitoses que ficam ao redor de 15.000 a 25.000 cel/microL. Raramente, uma infecção provoca uma leucocitose que ultrapassa o valor de 30.000 cel/microL.
Já nas leucemias, é bastante comum que a leucocitose ultrapasse as 50.000 cel/microL, chegando frequentemente a mais de 100.000 cel/microL.
Para saber mais sobre as leucemias, leia:
Desvio à esquerda
Quando os neutrófilos são jovens, isto é, quando ainda estão em fase de desenvolvimento, eles são chamados bastões. Quando estão maduros, eles são chamados segmentados.
Quando estamos infectados por uma bactéria, o objetivo do sistema imunológico é controlar a infecção de modo rápido. A forma como a medula responde a essa invasão é através do aumento da produção e da liberação do maior número de neutrófilos possíveis para a corrente sanguínea. Não há tempo para esperar que os bastões fiquem maduros antes de lançá-los ao combate.
Em situações normais, apenas 4% a 5% dos neutrófilos circulantes são bastões. A presença de um percentual maior dessas células jovens, associado a uma leucocitose com neutrofilia, sugere fortemente a existência de uma infecção aguda.
Quando o paciente apresenta muitos bastões no sangue, dizemos que ele tem um “desvio à esquerda”. Esta denominação deriva do fato dos laboratórios fazerem no hemograma a listagem dos diferentes tipos de leucócitos colocando seus valores um ao lado do outro. Como os bastões costumam estar à esquerda na lista, quando há um aumento do seu número, dizemos haver um desvio para a esquerda no hemograma.
Portanto, desvio à esquerda no hemograma é um sinal de produção aumentada de neutrófilos, o que, geralmente, indica um processo infeccioso agudo em curso.
Tratamento
É importante destacar que a leucocitose não é o problema si, ela é apenas uma consequência. A leucocitose é um aviso de que há uma condição que está estimulando o sistema imunológico, seja ela inflamatória, infecciosa ou neoplásica.
Portanto, se você pretende “tratar a leucocitose”, o seu objetivo deve ser tratar a doença ou condição que está provocando a leucocitose. Para isso é preciso realizar uma investigação diagnóstica.
A redução progressiva do número de leucócitos é uma das formas que usamos para saber se o tratamento está sendo efetivo. Por exemplo, se um paciente com pneumonia começa o tratamento com antibióticos e a leucocitose começa a cair progressivamente ao longo dos dias, isso nos indica que o antibiótico está fazendo efeito.
Perguntas frequentes
O que é neutrofilia relativa e neutrofilia absoluta?
A neutrofilia absoluta ocorre quando o número total de neutrófilos encontra-se acima das 7700 cel/microL.
Caso o percentual de neutrófilos aumente, mas o número de leucócitos total continue dentro da faixa de normalidade, como no caso de um paciente com 7.000 leucócitos/microL, mas com 6000 neutrófilos/microL (85% de neutrófilos), dizemos que o paciente tem uma neutrofilia relativa.
Caso o paciente tenha aumento dos leucócitos, aumento dos neutrófilos e um aumento no percentual de neutrófilos, como, por exemplo: 20.000 leucócitos/microL com 16.000 neutrófilos/microL (80%), dizemos que o paciente tem uma neutrofilia relativa e absoluta.
Portanto, neutrofilia relativa é um aumento do percentual de leucócitos compostos por neutrófilos, e neutrofilia absoluta é um aumento no número absoluto de neutrófilos no sangue.
Tanto a neutrofilia relativa quanto a absoluta podem ocorrer em infecções bacterianas.
O que é leucocitose discreta?
Dizemos que o paciente tem uma leucocitose discreta quando o número de leucócitos está apenas um pouco elevado, como entre 11.000 e 12.500 cel/microL. Uma leucocitose discreta com neutrofilia pode indicar um processo infeccioso ainda em estágio inicial. Já uma leucocitose discreta sem neutrofilia pode ser algo transitório e sem relevância clínica, principalmente se o paciente estiver assintomático.
Todos os pacientes com leucemia apresentam leucocitose com valores muito elevados?
Não. Uma leucocitose acima de 50.000 cel/microL não é algo exclusivo das leucemias, mas é muito sugestivo. No entanto, o paciente com leucemia também pode ter uma leucocitose semelhante à de um processo infeccioso (ao redor de 15.000 cel/microL), pode ter valores normais de leucócitos ou pode até mesmo ter leucopenia (leucócitos baixos).
Como distinguir uma leucocitose provocada por uma infecção de uma leucocitose provocada por uma leucemia?
Quando o hemograma é realizado, a maioria dos laboratórios também efetua um exame chamado esfregaço do sangue periférico, que serve para avaliar a morfologia das células sanguíneas. Nas leucemias agudas, é comum encontramos células muito imaturas no sangue, como mieloblastos nas leucemias mieloides, ou linfoblastos nas leucemias linfoides.
O que é uma reação leucemoide?
Quando o paciente desenvolve uma leucocitose acima de 50.000 cel/microL, sem que a causa seja uma leucemia, dizemos que ele tem uma reação leucemoide.
Referências
- Approach to the patient with neutrophilia – UpToDate.
- Hyperleukocytosis and leukostasis in hematologic malignancies – UpToDate.
- Evaluation of Patients with Leukocytosis – American Family Physician.
- Leukocytosis – StatPearls.
- What is leukocytosis? – Medscape.
- Neutrophilia – Medscape.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.