Citomegalovírus na Gravidez: Riscos e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Citomegalovírus

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O que é citomegalovírus?

O citomegalovírus, conhecido também pela sigla CMV, é um vírus da família do Herpes, extremamente comum, capaz de provocar uma infecção chamada citomegalovirose. Em algumas populações, princialmente nos países em desenvolvimento, o número de adultos que já tiveram contato com esse vírus aproxima-se de 100%. Mesmo em países muito desenvolvidos, como Finlândia e EUA, o percentual de adultos infectados pelo CMV é maior que 80%.

Apesar de ser um vírus altamente contagioso e com altíssimas taxas de infecção na população, o fato é que a maioria das pessoas nem sequer desconfia que já foi contaminada com o citomegalovírus. Isto ocorre porque a citomegalovirose é uma infecção muito branda, praticamente assintomática na maioria das pessoas que possuem um sistema imunológico saudável.

Todavia, se nos indivíduos saudáveis o CMV é praticamente inofensivo, o mesmo não pode ser dito para pacientes imunossuprimidos ou mulheres grávidas. A infecção pelo CMV durante a gravidez não costuma causar sintomas na mãe, mas é muito perigosa para o feto, pois está associada a um maior risco de má-formações congênitas ou grave infecção nos primeiros meses de vida.

Neste artigo vamos explicar quais são as consequências da infecção pelo citomegalovírus durante a gravidez. Vamos abordar também as formas de transmissão do vírus, o que significam as sorologias IgG e IgM para citomegalovírus e o que pode ser feito quando uma mãe se contamina na gestação.

Citomegalovirose na gravidez

Como já referido na introdução do artigo, o grande problema da infecção pelo citomegalovírus durante a gravidez não é em relação à saúde da mãe, mas sim o risco de complicações para o feto.

Existem duas formas de ter citomegalovirose. A mais comum é a chamada infecção primária, que ocorre quando um indivíduo que nunca teve contato com o CMV contamina-se pela primeira vez. A segunda forma é através da reativação de uma infecção antiga.

Uma vez infectado pelo vírus, o nosso sistema imunológico cria anticorpos que conseguem neutralizá-lo, impedindo a sua replicação. Porém, assim como ocorre com outros vírus da família Herpes, o citomegalovírus é neutralizado, mas não é totalmente eliminado do organismo. Se em algum momento da vida o paciente apresentar algum enfraquecimento da sua imunidade, o CMV pode conseguir se reativar, voltando a se multiplicar.

O risco de infecção do feto é muito maior nos casos de infecção primária durante a gravidez do que nos de reativação do vírus. Na verdade, enquanto 40% dos bebês de mães que tiveram a infecção primária durante a gravidez nascem contaminados, apenas 1% adquire o citomegalovírus quando a mãe previamente contaminada apresenta uma reativação do vírus na gestação.

Transmissão

A grande maioria dos bebês infectados pelo CMV são contaminados durante a gravidez, pois o vírus é capaz de se multiplicar na placenta e infectar o feto. Há, porém, outras formas de contaminação do recém-nascido, como, por exemplo, durante o parto vaginal, devido ao contato com sangue e secreções maternas, ou durante os primeiros dias de vida, por transmissão do vírus pelo leite materno.

Em relação à mãe, a contaminação se dá como em qualquer outro indivíduo. O citomegalovírus pode ser encontrado em diversas partes do organismo, incluindo urina, sangue, secreções das vias aéreas, secreções vaginais, sêmen, fezes, lágrimas e leite materno. Desta forma, a transmissão pode ocorrer através de relações sexuais, contato próximo, devido à transmissão através das vias respiratórias, doação de sangue, alimentos preparados com mãos mal higienizadas, etc.

Há evidências de que o citomegalovírus das secreções respiratórias possa sobreviver no ambiente por períodos variáveis, dependendo da superfície. Por exemplo, o CMV pode permanecer viável em metal e madeira por uma hora, em vidro e plástico por três horas, e em borracha, pano ou biscoitos por até seis horas.

Sintomas da citomegalovirose congênita

O sintomas da infecção congênita pelo CMV dependem da via de transmissão e do trimestre de gestação que ocorreu a contaminação. Quanto menor for a idade gestacional, maiores são as chances de lesões graves do feto.

90% dos bebês contaminados durante a gravidez nascem sem nenhum sinal ou sintoma. No entanto, até 15% destas crianças que aparentemente não apresentam problemas podem ter perda auditiva progressiva, que na maioria das vezes é unilateral, mas pode também acometer os dois ouvidos.

Os programas de triagem auditiva nos primeiros dias de vida podem conseguir identificar precocemente alguns desses recém-nascidos infectados. No entanto, a perda auditiva associada à infecção congênita pelo citomegalovírus pode só surgir após vários meses ou anos.

Aproximadamente 10% dos recém-nascidos infectados congenitamente já apresentam sintomas da infecção desde o nascimento. Além da perda auditiva progressiva, as outras manifestações precoces do citomegalovírus nos recém-nascidos são:

  • Recém-nascidos de tamanho pequeno.
  • hepatoesplenomegalia (aumento do tamanho do fígado e do baço).
  • Anemia.
  • Petéquias e púrpura (pequenas manchas violáceas na pele).
  • Icterícia (pele amarelada).

Pelo menos dois terços dos recém-nascidos com infecção congênita sintomática terão envolvimento neurológico, incluindo microcefalia, convulsões, anormalidades cerebrais e dificuldades de alimentação. Alterações oculares graves também são muito comuns.

Os bebês contaminados bem no final da gravidez ou durante o parto costumam nascer saudáveis, porém, podem desenvolver os primeiros sintomas a partir da 3ª semana de vida. Alguns bebês, contudo, demoram até 6 meses para apresentar os primeiros sinais e sintomas da citomegalovirose.

Como o bebê nos primeiros anos de vida possui um sistema imunológico muito imaturo, ele encontra-se muito susceptível a ter uma forma grave de citomegalovirose. Entre os problemas possíveis, encontram-se lesões do fígado, anemia, pneumonia e colite necrosante.

Diagnóstico na mãe: o que são IgG e IgM?

Sorologia é o nome do exame usado para identificar a presença de determinados anticorpos no nosso sangue. A sorologia é um método indireto de identificar uma infecção.

Uma vez que só podemos desenvolver anticorpos contra germes que já nos contaminaram, ter sorologia positiva contra o citomegalovírus, por exemplo, significa que o paciente já teve citomegalovirose em algum momento da vida (mesmo que a doença tenha sido completamente assintomática).

A sorologia pesquisa dois tipos de anticorpos: imunoglobulina G (IgG) e imunoglobulina M (IgM).

Quando entramos em contato pela primeira com algum micróbio, o sistema imunológico produz de forma relativamente rápida, dentro de alguns dias, anticorpos do tipo IgM. O IgM é um anticorpo de fase aguda, presente durante a fase ativa da infecção. Após a cura, o sistema imunológico passa a produzir outro tipo de anticorpo, o IgG, que é um anticorpo de memória, utilizado pelo organismo para impedir que o paciente volte a se infectar pelo mesmo micróbio.

Portanto, ter IgM circulando no sangue é um sinal de doença em fase aguda, enquanto ter IgG reagente indica que o paciente teve a doença no passado e agora encontra-se imune à mesma.

Na maioria das infecções, a lógica dos anticorpos IgM e IgG é simples, conforme acabamos de explicar. Na citomegalovirose, porém, a situação é um pouco mais complexa.

No caso da infecção pelo CMV, os primeiros anticorpos do tipo IgM surgem dentro de 2 semanas e podem demorar até 12 meses para desaparecer. Isso significa que uma grávida de 2 meses pode fazer a sorologia, encontrar anticorpos IgM positivos, mas não ter sido infectada pelo CMV durante a gravidez, mas sim meses antes. Se a gestante não tiver tido sintomas, fica difícil saber se a infecção pelo CMV é recente ou ocorreu já há alguns meses.

A dosagem dos anticorpos tipo IgG ajuda um pouco a esclarecer essa situação. Os primeiros anticorpos IgG surgem cerca de 3 semanas após a infecção, aumentam de concentração durante algumas semanas e depois se estabilizam, permanecendo detectáveis para sempre no sangue.

Portanto, se a gestante faz duas dosagens de IgG com 4 semanas de intervalo e o valor aumentou cerca de 4 vezes de uma para outra, isso é um sinal de infecção recente.

Por outro lado, se os valores de IgG reagente forem semelhantes com 4 semanas de intervalo, isso significa um IgG já na fase estável, o que indica infecção antiga.

Mas a confusão não acabou ainda. Nos pacientes com reativação do CMV, os títulos de IgM e IgG podem se elevar da mesma forma que ocorre na infecção primária. Portanto, se a situação sorológico prévia da gestante não for conhecida, o fato dela ter um IgM reagente não ajuda muito, pois isso pode significar:

  1. Infecção antiga, que ocorreu há vários meses, mas que ainda tenha IgM positivo circulante.
  2. Infecção primária recente e, portanto, com risco de problemas para o feto.
  3. Reativação de uma citomegalovirose antiga, situação que acarreta um risco mais baixo de complicações para o bebê do que a infecção primária.

Pelos motivos explicados acima, muitos obstetras não pedem de rotina a sorologia contra CMV caso as gestantes sejam completamente assintomáticas.

Na verdade, apesar da sorologia poder criar alguma confusão, principalmente ser vier com IgM positivo, ela pode ser útil na situação oposta, ou seja, quando a gestante tem um IgM negativo e um IgG positivo. Nesse caso, isso significa que a grávida já teve contato com o citomegalovírus no passado, havendo um risco muito baixo dela desenvolver citomegalovirose durante a gravidez.

Diagnóstico no bebê

Nas grávidas com infecção comprovada pela sorologia, o segundo passo é tentar identificar a infecção do feto por meio de exames pré-natais não-invasivos, como a ultrassonografia, ou invasivos,  como a amniocentese.

O ultra-som tem a vantagem de ser de fácil realização e amplamente disponível. Essa técnica, porém, só consegue detectar os casos mais graves, com anomalias óbvias, o que acontece em apenas um percentual pequenos dos casos.

Os achados ultrassonográficos mais freqüentemente na infecção fetal pelo citomegalovírus incluem:

  • Restrição do crescimento fetal.
  • Dilatação dos ventrículos cerebrais.
  • Ascite (água na barriga).
  • Calcificações intracranianas.
  • Anormalidade do volume de líquido amniótico.
  • Microcefalia.
  • Hidropisia fetal (edemas no feto)
  • Derrame pleural (água na pleura).
  • Calcificações no fígado.

Um exame de ultra-som normal pode tranquilizar a mãe, pois descarta os casos mais graves de malformações, mas não descarta totalmente o risco de problemas após o nascimento.

Tratamento

Não há tratamento comprovadamente efetivo que impeça a ocorrência de doença no feto caso a mãe se contamine com CMV durante a gravidez. Também não há forma de prever se a infecção pelo CMV irá provocar algum problema no feto.

Felizmente, na imensa maioria dos casos, mesmo quando a mãe se contamina no primeiro trimestre, os bebês nascem saudáveis. Apenas 10 a 20% desenvolvem complicações.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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