Anemia por carência de ferro (anemia ferropriva)

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Anemia ferropriva

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O que é anemia ferropriva?

Existem três grupos de células circulando em nosso sangue: glóbulos vermelhos (hemácias), glóbulos brancos (leucócitos) e plaquetas.

Anemia é nome dado quando há diminuição do número de glóbulos vermelhos circulantes no sangue.

A anemia ferropriva, chamada em Portugal de anemia ferropénica, é a anemia provocada pela carência de ferro. Essa forma de anemia é a mais comum em todo mundo.

O ferro é um mineral essencial para a produção da hemoglobina, proteína dos glóbulos vermelhos responsável pelo transporte de oxigênio pelo nosso organismo. Quando há carência de ferro, a medula não consegue produzir hemácias em quantidades adequadas.

Explicaremos essa relação com mais detalhes.

Relação entre ferro e anemia

Os glóbulos vermelhos, também chamados de hemácias ou eritrócitos, são as células do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio. São as hemácias que captam o oxigênio inspirado pelos pulmões e o leva até todas as células do nosso corpo.

Chamamos de anemia quando a concentração de hemácias do sangue está reduzida. Para um melhor entendimento do que é uma anemia, sugiro a leitura do nosso texto: Anemia – Sintomas e Causas.

O principal componente da hemácia é a hemoglobina, uma proteína que necessita de ferro para ser formada. Quando ocorre uma deficiência de ferro no organismo, há falta de matéria-prima para a formação da hemoglobina e, consequentemente, para a formação das hemácias. A incapacidade de produzir hemácias provoca a anemia.

Portanto, toda vez que os estoques de ferro do organismo estão baixos, nós desenvolvemos uma anemia ferropriva ou anemia por carência de ferro.

Metabolismo do ferro

O corpo controla seus estoques de ferro de modo bastante preciso, mantendo-o sempre estável. Quando estamos com o estoque completo, o intestino para de absorver o ferro dos alimentos, deixando-o ser excretado nas fezes. Se os níveis de ferro baixam, o intestino delgado volta a absorver o ferro dos alimentos, repondo nossos estoques.

O ferro absorvido no intestino é estocado no fígado, “empacotado” em uma proteína chamada ferritina. Quando temos níveis baixos de ferritina, significa que os nossos estoques de ferro estão baixos (leia: Exames de sangue | VHS, PCR, LDH, Ferritina e CK).

Geralmente, da quantidade total de ferro existente no nosso corpo, metade fica dentro das hemácias e metade estocada em forma de ferritina. Ainda há uma pequena fração ligada à transferrina, uma proteína que transporta o ferro dos estoques em direção à medula óssea, onde são produzidas as novas hemácias.

Habitualmente, adultos saudáveis não precisam de muito ferro na dieta, pois o ferro já presente no organismo é constantemente reciclado. Quando uma hemácia torna-se velha e é destruída (mais ou menos com 120 dias de vida), o seu ferro é captado pela transferrina e levado de volta à medula óssea, sendo reaproveitado na formação de uma nova hemácia. Portanto, são precisos muitos anos com uma baixa absorção de ferro para haver uma deficiência nos estoques corporais.

O grande risco de uma alimentação pobre em ferro se dá naqueles indivíduos que estão precisando de mais ferro do que o existente nos estoques.

Dois exemplos fáceis de se entender são as crianças e as grávidas. O primeiro grupo está constantemente em crescimento, portanto, necessitando de quantidades crescentes de ferro. As crianças de 6 meses a 3 anos são as mais propensas a desenvolverem carência de ferro, pois apresentam grande demanda e ainda não tiveram tempo para criarem seus estoques.

As grávidas geralmente apresentam bons estoques de ferro, todavia, passam a gastá-los de forma rápida na formação de um novo ser. Nestes dois grupos, uma dieta rica em ferro é essencial para se manter os estoques em níveis adequados.

Causas de anemia ferropriva

Dieta

Como já explicado, uma deficiência simples de ferro na dieta é atualmente uma causa rara de anemia ferropriva em adultos saudáveis. A dieta da maioria das pessoas contém quantidades suficientes de ferro para compensar as pequenas perdas que ocorrem ao longo do tempo.

A não ser em pessoas com desnutrição por falta de alimentação, não é preciso haver muita preocupação com a dieta, pois a maioria das carnes tem quantidades suficientes de ferro. Mesmo os vegetarianos são capazes de ingerir boas quantidade de ferro, já que alimentos como espinafre, ovos, creme de trigo, feijão e cereais contêm bastante ferro.

Má absorção

A deficiência de ferro e a anemia ferropriva podem surgir em pacientes com doenças do trato gastrointestinal que impeçam a absorção de ferro cronicamente, como nos casos de gastrite atrófica ou doença celíaca. Esses pacientes podem ingerir até bastante ferro, mas não conseguem absorvê-lo, impedindo-os de repor seus estoques quando necessário.

Perdas de sangue

A principal causa de anemia ferropriva é perda de sangue. Quando perdemos sangue, perdemos junto o ferro que estava dentro das hemoglobinas, obrigando o organismo a lançar mão dos seus estoques na produção de novas hemácias.

Quando o sangramento é visível, como nos casos de vômitos com sangue, sangue nas fezes ou traumatismos com sangramentos, por exemplo, a causa da anemia torna-se óbvia, pois há perdas agudas de grande volume de hemácias.

Nestes casos, até há uma grande perda de ferro, mas a causa da anemia é uma perda imediata de sangue, sem que haja tempo hábil para o organismo produzir mais hemácias. Mulheres com períodos menstruais muito fortes também podem desenvolver anemia ferropriva.

A anemia ferropriva é mais difícil de ser identificada quando há pequenos sangramentos, mas de forma constante. Esses quadros são comuns em úlceras de estômago, tumores do intestino e hemorroidas.

Muitas vezes o paciente nem sequer nota a presença de sangue nas fezes. A quantidade de sangue perdida é pequena para causar uma anemia imediata, mas a longo prazo faz com que o organismo tenha que estar sempre usando seus estoques de ferro para compensar as hemácias perdidas nos sangramentos.

Nestes casos, a quantidade de ferro na dieta pode ser menor que a necessária para repor os estoques, fazendo com que o paciente esgote suas reservas e desenvolva anemia ferropriva ao longo do tempo.

Portanto, atualmente, qualquer anemia ferropriva, a não ser que haja uma causa óbvia, deve indicar a investigação de uma fonte de sangramento oculta.

Sintomas

Os sintomas da anemia ferropriva são os mesmos dos de qualquer anemia: cansaço, palidez da pele, falta de ar, intolerância ao exercício, taquicardia (coração acelerado).

Todavia, a anemia ferropriva pode causar alguns sintomas que não são comuns em outras anemias, como perversão do apetite (também chamado de pica), que é o desejo de comer não-alimentos, como gelo, terra, papel, concreto, etc.

A síndrome das pernas inquietas é também um achado comum. Outro sinal típico da anemia ferropriva é a presença de uma urina muito avermelhada após a ingestão de beterraba.

Diagnóstico

O diagnóstico de anemia é feito através do hemograma, o exame de sangue que nos mostra os valores da hemoglobina e do hematócrito (percentual de hemácias no sangue).

Em geral, dizemos haver anemia quando o hemograma mostra:

  • Hematócrito menor que 41% nos homens ou 35% nas mulheres.
  • Hemoglobina menor que 13 g/dL nos homens ou 12 g/dL nas mulheres.

O hemograma estabelece o diagnóstico da anemia, mas não é capaz de nos dizer a sua causa. Os valores do VCM (volume corpuscular médio) e HCM (hemoglobina corpuscular média), que também são avaliados no hemograma, costumam estar reduzidos na anemia ferropriva, mas a confirmação da carência de ferro precisa ser feita com outras análises.

Explicamos os resultados do hemograma com mais detalhes no artigo: Hemograma | Entenda os seus resultados.

Avaliação dos estoques de ferro corporal

No seguimento da investigação da anemia devemos dosar a quantidade de ferro no sangue, a ferritina e a saturação de transferrina, que são exames que basicamente nos dizem como estão os estoques de ferro no organismo.

Estando estes valores baixos na presença de anemia, pode-se dizer que há uma anemia por carência de ferro.

Se não houver causas óbvias para a anemia ferropriva, tipo gravidez ou hemorragias visíveis, o indicado é investigar perdas sanguíneas ocultas do trato digestivo. Os dois exames mais utilizados para esse fim são a endoscopia digestiva e a colonoscopia.

Tratamento

O tratamento da anemia ferropriva é feito com reposição de ferro. Os comprimidos de sulfato ferroso geralmente têm até 6x mais ferro do que obtemos em uma dieta normal. Se a anemia ferropriva for causada por gravidez ou por um fluxo menstrual mais forte, geralmente a reposição de ferro é suficiente.

O ferro é melhor absorvido se tomado em jejum e com vitamina C ou suco de laranja. A reposição de ferro pode causar alguns efeitos colaterais, sendo os mais comuns, náuseas e azia. Fezes com uma coloração bem escura também são comuns, mas isso é só uma questão estética, sem maior relevância clínica.

Se a causa da anemia ferropriva não estiver clara, não se deve apenas repor ferro, é preciso também investigar a causa.

Prescrever ferro sem realizar uma investigação de sangramentos ocultos pode até corrigir temporariamente a anemia, mas não irá tratar a doença de base. Se a causa for um tumor do intestino, por exemplo, apenas repor ferro, sem ir à procura da origem da perda sanguínea, irá atrasar o diagnóstico, diminuindo as chances de tratamento curativo da lesão.

Alimentos ricos em ferro

Apesar de a dieta ser importante, as pessoas com deficiência de ferro costumam precisar de mais ferro do que podem consumir através da sua alimentação.

Em uma dieta normal de 2000 calorias, existe, em média, cerca de 10 mg de ferro elementar. Já um único comprimido de sulfato ferroso 325 mg contém 65 mg de ferro elementar.

Portanto, o aumento do consumo de ferro na dieta não é normalmente recomendada como único tratamento para uma anemia por deficiência de ferro. Isso não significa, porém, que uma dieta rica em ferro não possa ajudar. Quanto mais ferro o paciente conseguir consumir em sua dieta, menor será a necessidade de repor ferro com suplementos.

Em geral, os alimentos mais ricos em ferro são:

  • Carne vermelha.
  • Gema de ovo.
  • Farinha de peixe (farinha de pescado).
  • Folhas verde-escuras, como espinafre e couve.
  • Frutas secas, como ameixa e passas.
  • Cereais e grãos enriquecidos com ferro (verifique os rótulos).
  • Moluscos (ostras, mariscos e vieiras).
  • Miúdos de peru ou frango.
  • Feijão, lentilha, grão-de-bico, ervilhas e soja.
  • Fígado.
  • Alcachofras.

Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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