Sangramento digestivo
A presença de sangue nas fezes, seja ele vivo ou de cor escurecida, é um sinal de que há uma lesão sangrante em algum ponto do trato gastrointestinal, podendo a origem ser desde o esôfago até o ânus.
Apesar de ser um evento benigno na maioria dos casos, a presença de sangue nas fezes sempre causa grande apreensão ao paciente e a seus familiares.
O sangramento digestivo pode ter várias causas, desde lesões simples, como as hemorroidas ou fissura anal, até hemorragias digestivas mais graves, como aquelas provocadas por úlceras do estômago ou tumores do intestino.
O sangramento digestivo costuma ser divididos de duas formas, de acordo com a sua origem:
- Hemorragia digestiva alta: sangramento que ocorre no trato gastrointestinal superior, ou seja, duodeno, estômago ou esôfago. Costuma dar origem a fezes moles, bem escuras e com odor forte (sangue digerido).
- Hemorragia digestiva baixa: sangramento que ocorre no trato gastrointestinal inferior, isto é, intestino delgado, intestino grosso, reto ou ânus. Costuma causar sangramento vivo nas fezes.
Características do sangramento digestivo
Além da localização, também podemos classificar o sangramento digestivo consoante as suas características. São três os tipos mais comuns:
Hematoquezia (sangramento retal)
Também chamado de sangramento retal, hematoquezia é o nome dado à presença de sangue vivo em pequena ou moderada quantidade que fica envolto às fezes e só aparece quado o paciente defeca.
A hematoquezia é um sinal típico dos sangramentos digestivos baixos, que são aqueles que ocorrem no cólon, reto ou ânus.
Toda vez que o paciente perde pequena quantidade de sangue pelo ânus, dizemos que ele teve um sangramento retal, mesmo que a origem da hemorragia não seja necessariamente o reto, porção final do intestino grosso.
Melena
Melena é o nome dado às fezes negras, habitualmente pastosas e com odor muito forte, que surgem nos sangramentos digestivos altos, em geral, de origem no estômago ou duodeno.
Essa aparência ocorre porque, como a origem do sangramento é no início do trato digestivo, o sangue passa por todo o processo de digestão antes de ser eliminado nas fezes.
A melena só ocorre em sangramentos de moderado a grande volume. Sangramentos de pequena monta do trato digestivo alto geralmente se misturam às fezes e passam despercebidos pelos pacientes, sendo detectados apenas por exames laboratoriais, como a pesquisa de sangue oculto nas fezes.
Quando o sangramento é pequeno, porém constante, a longo prazo ele pode provocar anemia por carência de ferro. Muitas vezes, essa forma de anemia é a única pista que temos para um sangramento digestivo oculto.
Enterorragia
Enterorragia é o nome dado à presença de sangue vivo em grande volume e habitualmente associado à dor abdominal.
Nesse caso, o paciente pode evacuar somente sangue, sem a presença de fezes. A enterorragia é um sinal de hemorragia digestiva grave, que pode ter origem em qualquer ponto do trato gastrointestinal.
Sintomas
O sangramento digestivo pode ter várias apresentações distintas, as mais comuns são:
- Sangue oculto nas fezes, ou seja, ausência de sangramento visível, que é detectado apenas através de exames de fezes feito por laboratórios de análises clínicas.
- Anemia por carência de ferro sem mais nenhum outro sinal ou sintoma.
- Sangramento detectado após limpeza do ânus com papel higiênico.
- Pequeno sangramento retal após evacuar, que se caracteriza por pingos de sangue no vaso sanitário.
- Pequenas quantidades de sangue ao redor das fezes.
- Fezes com moderada quantidade de sangue ao redor.
- Fezes pastosas, negras e com odor muito forte.
- Sangramento retal com sangue vivo em grande quantidade, com ou sem fezes.
Causas de sangramento retal de pequena quantidade
Pequenas quantidades de sangue nas fezes ou sangramentos detectáveis somente após a limpeza do ânus com papel higiênico são as formas de sangramento retal mais comuns. Em 90% dos casos, a etiologia é benigna.
As principais causas de sangramento retal de pequeno volume são:
- Hemorroidas.
- Fissura anal.
- Pólipos intestinais.
- Proctites.
- Úlceras no reto.
- Câncer retal ou anal.
- Endometriose intestinal.
As duas causas mais comuns de sangramento retal de pequena quantidade são as hemorroidas e as fissuras anais. Essas duas respondem por quase 90% dos casos de sangramentos de pequeno volume nas fezes.
As hemorroidas se manifestam tipicamente como dor ao evacuar e sangramentos de pequena quantidade que envolvem o final das fezes, pingos de sangue que surgem após a evacuação ou manchas de sangue no papel higiênico após a limpeza do ânus. A hemorroida quando é grande pode ser facilmente vista pelo próprio paciente.
A fissura anal também costuma causar dor à evacuação (geralmente mais intensa que nas hemorroidas) e pequena quantidade de sangue ao redor das fezes ou após limpeza do ânus. A distinção entre fissuras anais e hemorroidas é feita através do exame visual do ânus.
Apesar do pequeno volume, esses pequenos sangramentos retais das hemorroidas ou das fissuras, quando ocorrem de forma crônica, podem provocar anemia.
Causas de sangramento digestivo de volume moderado a grande
Quando a quantidade de sangue nas fezes é moderada a grande, ou quando há melenas, a origem do sangramento costuma ser é mais interna, geralmente cólon, duodeno ou estômago.
As principais causas de sangramento retal de grande volume são:
- Úlcera gástrica ou úlcera duodenal.
- Lesões do esôfago, como varizes esofagianas.
- Doença diverticular do cólon.
- Câncer do intestino.
- Infecção intestinal (disenteria).
- Doença inflamatória intestinal.
- Angiodisplasia.
Úlcera gástrica ou úlcera duodenal
As úlceras gástricas ou duodenais são erosões da mucosa destes órgãos, que podem progredir até atingir vasos sanguíneos, provocando sangramento digestivo.
O sangramento por uma úlcera gástrica ou duodenal pode ser pequeno o suficiente para passar despercebido, mas também pode ser volumoso, provocando melenas. Se a perda de sangue for muito grande, o paciente costuma apresentar vômitos sanguinolentos como principal manifestação do sangramento.
As principais causas de úlceras do estômago e duodeno são o uso crônico de anti-inflamatórios e/ou infecção pela bactéria H. pylori.
Pacientes sob grande estresse físico, como nos casos de grandes queimados, cirurgias de grande porte, hospitalizações prolongadas, etc., também podem desenvolver úlceras.
Falamos sobre a úlcera gástrica com mais detalhes no artigo: Sintomas da úlcera do estômago e duodeno (úlcera péptica).
Lesões do esôfago
Problemas no esôfago, como nos casos de esofagite grave ou varizes de esôfago podem também provocar sangramentos.
A apresentação mais comum é a de vômitos com sangue, mas em alguns casos, a presença de sangue nas fezes pode ser a única manifestação do sangramento. Assim como no sangramento do estômago, sangue nas fezes com origem no esôfago costuma ser apresentar como melena.
Doença diverticular do cólon
Divertículo é uma protusão da parede do intestino. São pequenos sacos, semelhantes a dedos de luvas, que ocorrem principalmente na parede do cólon por enfraquecimento da musculatura do mesmo. É muito comum após os 60 anos e normalmente são lesões múltiplas ao longo do intestino grosso.
Os divertículos são alterações benignas, não têm nada a ver com câncer, mas podem sangrar ou inflamar se ficarem obstruídos por fezes.
Os divertículos costumam causar sangramentos vivos, súbitos e de grande volume. Em geral, não provocam dores, exceto por uma cólica ou desconforto abdominal provocada pela presença de sangue vivo dentro do cólon.
A doença diverticular é uma das principais causas de sangramento vultuoso em pacientes idosos.
Para saber mais sobre divertículos, leia: Diverticulite e Diverticulose – Sintomas, Causas e Tratamento.
Câncer do intestino
Aproximadamente 10% das hemorragias digestivas em pessoas acima dos 50 anos são secundárias a tumores do intestino. Os sangramentos tumorais costumam ser de pequena quantidade e podem passar despercebidos.
Além da perda de sangue pelas fezes, perceptível a olho nu ou não, os pacientes com tumores malignos do cólon também costumam apresentar outros sinais, como fezes em fita (fezes finas), constipação intestinal de início recente ou agravamento de um quadro de constipação crônica, dor abdominal, emagrecimento e/ou anemia.
Para saber mais sobre o câncer de cólon: Câncer de Cólon e Reto – Sintomas, Causas e Tratamento.
Infecção intestinal
Infecções pelas bactérias Salmonella, Campylobacter, Shigella ou E.coli podem provocar quadros de infecção intestinal grave, com febre, prostração e diarreia sanguinolenta.
Infecções por amebas e vermes também podem causar quadro semelhante (Leia: Parasitoses – O que é, sintomas e exame parasitológico de fezes).
Doença inflamatória intestinal
A doença de Crohn e a retocolite ulcerativa são doenças inflamatórias intestinais de origem imunológica que também se manifestam com sangramentos nas fezes. O quadro costuma ser de cólicas e diarreia sanguinolenta que surge periodicamente.
Angiodisplasia
Angiodisplasias são coleções de vasos sanguíneos dilatados que surgem sob o revestimento interno do cólon. Embora as angiodisplasias possam ocorrer em qualquer parte do cólon, elas são mais comuns no cólon ascendente (cólon direito). As angiodisplasias são vasos mais expostos e mais frágeis, que se rompem com mais facilidade.
O sangramento das angiodisplasias é mais comum após os 60 anos, sendo habitualmente indolor e com sangue vivo ao redor das fezes. Todavia, a angiodisplasia pode causar desde sangramentos volumosos até um quadro assintomático, onde o paciente apresenta apenas perda oculta de sangue.
Diagnóstico
A investigação das hemorragias digestivas é normalmente feita com um método endoscópico.
Se a suspeita for de sangramento nas regiões mais baixas do trato gastrointestinal, a retossigmoidoscopia ou a colonoscopia são os exames mais indicados.
Se a suspeita for de sangramento no trato digestivo superior, a endoscopia digestiva alta deve ser o exame de escolha.
Em casos de hemorroidas ou fissura anal, o exame físico, com visualização direta do ânus, pode ser suficiente para o diagnóstico. Em alguns casos, o toque retal é necessário para encontrar sangramentos dentro do reto, que não são visíveis através da visualização simples do ânus.
Em alguns pacientes, o sangramento gastrointestinal pode ser de pequeno volume, não sendo suficiente para deixar as fezes sanguinolentas. Porém, se a perda de sangue for contínua, mesmo que pequena, ela leva ao surgimento de anemia.
Para investigar essa possibilidade, um exame simples é o chamado exame de sangue oculto nas fezes. Explicamos esse exame com detalhes neste texto: Pesquisa de sangue oculto nas fezes.
Referências
- Approach to acute lower gastrointestinal bleeding in adults – UpToDate.
- Evaluation of occult gastrointestinal bleeding – UpToDate.
- Etiology of lower gastrointestinal bleeding in adults – UpToDate.
- ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Small Bowel Bleeding – American Journal of Gastroenterology.
- Small Bowel Bleeding – American College of Gastroenterology.
- Gastrointestinal Bleeding – National Library of Medicine.
- Jameson JL, et al., eds. Gastrointestinal bleeding. In: Harrison’s Principles of Internal Medicine. 20th ed. New York, N.Y.: The McGraw-Hill Companies; 2018.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.