O que é uma úlcera péptica?
Chamamos de úlcera péptica as lesões que surgem na mucosa que reveste o estômago ou o duodeno (primeira porção do intestino delgado).
Quando a úlcera péptica surge no estômago, ela é denominada úlcera gástrica; quando surge no duodeno, ela é chamada úlcera duodenal.
O estômago produz ácido clorídrico (HCl), uma substância que ajuda no processo de digestão dos alimentos. Habitualmente, o interior do nosso estômago possui um pH naturalmente ácido, ao redor de 4 a 5. Quando comemos, a produção de ácido clorídrico eleva-se, e o pH do estômago pode cair para 1 ou 2, tornando-se um meio extremamente ácido e hostil a qualquer elemento orgânico.
Para que o todo esse ácido produzido não corroa a parede do próprio estômago, o órgão é revestido com uma espessa camada de muco que serve como proteção para a sua mucosa (tecido que recobre a parede interior).
As úlceras ocorrem quando há alguma falha nessa proteção, seja porque a quantidade de muco foi reduzida ou porque a quantidade de ácido tornou-se excessiva. Independentemente da causa, as úlceras pépticas surgem quando o ácido no trato digestivo corrói a superfície da parede interior do estômago ou do duodeno. O contato do ácido com a mucosa pode abrir uma ferida, cujos sintomas mais comuns são a dor e o sangramento (hemorragia digestiva).
Diferenças entre os sintomas da úlcera duodenal e gástrica
As duas formas de úlcera péptica têm apresentações muito semelhantes. Na verdade, na maioria dos casos, as úlceras pépticas costumam ser assintomáticas ou causam sintomas pouco relevantes, estejam elas no duodeno ou no estômago. Quando realmente há sintomas, tanto o sangramento quanto a dor abdominal são formas mais comuns de apresentação.
A intensidade da dor não tem relação direta com a gravidade ou com o tamanho da úlcera. De fato, conforme explicaremos à diante, as úlceras que provocam hemorragia digestiva são habitualmente aquelas que se desenvolveram de forma assintomática.
A dor da úlcera péptica costuma ser chamada de dispepsia, que é o nome usado para descrever uma variedade de sintomas originados no estômago, que incluem queimação no estômago, dor de estômago, indigestão, indisposição gástrica, plenitude, enfartamento, estômago distendido, etc. A dispepsia ocorre tanto nas úlceras quanto na gastrite (leia: Causas de dor de estômago).
Em conformidade com o que explicaremos a seguir, há alguns detalhes que diferenciam a dor da úlcera duodenal da dor da úlcera gástrica, como, por exemplo, a sua relação com a alimentação e o horário do dia que a dor é mais intensa.
Porém, essas diferenças são muitas vezes sutis, o que na maioria dos casos não nos permite afirmar com precisão a localização da úlcera sem a ajuda da endoscopia digestiva alta. Não é incomum que um paciente com uma queixa mais parecida com úlcera duodenal tenha, na verdade, uma úlcera de estômago ou apenas uma gastrite.
A úlcera gástrica é mais comum em pacientes com mais de 50 anos, enquanto a úlcera duodenal costuma acometer adultos mais jovens, a partir dos 25 anos. Contudo, mais uma vez, isso não é uma regra. Idosos podem ter úlcera duodenal e jovens podem ter úlcera gástrica.
Sintomas da úlcera gástrica
As úlceras no estômago costumam ter a dor abdominal como principal sintoma. A dor da úlcera gástrica costuma ser uma dor ou desconforto tipo uma sensação de queimação ou uma sensação de algo corroendo o estômago, que habitualmente localiza-se na região superior do abdômen, uns 4 dedos acima do umbigo, localização popularmente conhecida como boca do estômago.
Ocasionalmente, o desconforto da úlcera gástrica localiza-se logo abaixo das costelas, à direita ou à esquerda, na região chamada hipocôndrio. Em alguns pacientes, a dor pode irradiar para as costas. Todavia, dor isoladamente nas costas não costuma ser uma apresentação típica das úlceras no estômago.
Ao contrário do que ocorre na úlcera de duodeno, a dor da úlcera de estômago costuma agravar-se logo após as refeições, principalmente nos casos em que a úlcera gástrica encontra-se no piloro, região terminal do estômago que faz ligação com o duodeno.
Em alguns casos, a úlcera na região do piloro pode provocar inchaço da mucosa e obstrução à passagem dos alimentos, provocando sensação de plenitude epigástrica (estômago cheio), saciedade precoce (ficar satisfeito com pouca quantidade de comida) e vômitos alimentares após as refeições.
Outros sintomas possíveis da úlcera de estômago são o aumento das eructações (arrotos), intolerância a alimentos gordurosos e náuseas e vômitos ocasionais.
Hemorragia digestiva
A úlcera gástrica pode não provocar sintoma algum, sendo descoberta apenas quando o paciente apresenta um quadro de hemorragia digestiva. Os pacientes que possuem úlceras assintomáticas são aqueles que têm maior risco de desenvolver sangramentos, pois, como essas úlceras não são diagnosticadas, elas podem continuar o seu processo de erosão da mucosa gástrica até o ponto em que encontram um vaso sanguíneo. Quando o vaso sofre corrosão, surge a hemorragia.
O paciente com úlcera sangrante pode ter três tipos de apresentação clínica:
1. Se o sangramento for pequeno, porém constante, a quantidade de sangue não será suficiente para alterar as características das fezes nem para causar vômitos sanguinolentos. No entanto, a perda contínua de pequenos volumes de sangue leva, a médio prazo, ao surgimento de uma anemia por carência de ferro. Nesses casos de anemia sem causa aparente, a endoscopia digestiva alta é capaz de fazer o diagnóstico.
2. Se o sangramento for moderado, o paciente poderá ter vômitos sanguinolentos (chamado hematêmese) ou fezes muito escuras, que são o resultado da digestão do sangue quando da sua passagem pelos intestinos. Esse tipo de fezes com sangue digerido e escuro chama-se melena, tem um odor muito forte e desagradável e costuma ter uma consistência bem pastosa (leia: 14 causas de sangue nas fezes (hemorragia digestiva)).
3. Se o sangramento da úlcera for volumoso, o paciente costuma apresentar vômitos com sangue vivo e abundante, e fezes também com sangue vivo, pois a velocidade e o volume de sangue são tão grandes, que não dá tempo para ele ser digerido e transformado em melena.
Além da hemorragia digestiva, outra complicação grave da úlcera gástrica é a perfuração do estômago. Se a úlcera for assintomática e não encontrar um vaso grande pelo caminho, ela continua o seu processo de corrosão da parede o estômago até fazer um buraco do outro lado. Os sintomas da perfuração são uma súbita dor abdominal associada a uma rigidez da barriga.
Portanto, em resumo, os sintomas comuns da úlcera gástrica são:
- Dor abdominal em queimação na “boca do estômago”.
- Dor abdominal que se agrava com as refeições.
- Plenitude epigástrica.
- Saciedade precoce.
- Náuseas e vômitos após as refeições.
- Arrotos frequentes.
- Intolerância a alimentos gordurosos.
- Hematêmese (vômito sanguinolento).
- Fezes muito escurecidas e malcheirosas.
Sintomas da úlcera duodenal
Como já referido, os sintomas da úlcera duodenal são semelhantes aos da úlcera gástrica. Boa parte do que foi descrito anteriormente se aplica a este tópico.
Todavia, cabe chamar a atenção para possíveis diferenças. Em geral, a úlcera duodenal costuma doer mais nos períodos entre as refeições ou durante o jejum da noite. A dor “clássica” das úlceras duodenais ocorre duas a cinco horas depois de uma refeição e entre às 23 h e 2 h, período do dia em que o pH do duodeno costuma estar mais baixo, devido ao ciclo circadiano de secreção de ácidos pelo estômago.
A dispepsia das úlceras duodenais costuma ser aliviada com a alimentação, enquanto a das úlceras gástricas pode se agravar. Mas isso não é uma regra.
Em relação às complicações, o sangramento da úlcera duodenal costuma provocar melenas com mais frequência do que vômitos sanguinolentos. Já as úlceras sangrantes do estômago frequentemente provocam hematêmese.
As úlceras duodenais não costumam causar obstrução à passagem dos alimentos.
Em resumo, os sintomas comuns da úlcera duodenal são:
- Dor abdominal em queimação.
- Dor abdominal que se agrava com o jejum.
- Arrotos frequentes.
- Intolerância a alimentos gordurosos.
- Perda de peso.
- Perda do apetite.
- Hematêmese (vômito sanguinolento).
- Fezes muito escurecidas e malcheirosas.
Referências
- Peptic ulcer disease: Clinical manifestations and diagnosis – UpToDate.
- Systematic review of the symptom burden, quality of life impairment and costs associated with peptic ulcer disease – The American journal of medicine.
- Silent peptic ulcer disease: frequency, factors leading to “silence,” and implications regarding the pathogenesis of visceral symptoms – Gastrointestinal endoscopy.
- Association between clinical manifestations of complicated and uncomplicated peptic ulcer and visceral sensory dysfunction – Journal of gastroenterology and hepatology.
- Feldman M, et al. Peptic ulcer disease. In: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and Liver Disease: Pathophysiology, Diagnosis, Management. 11th ed. Saunders Elsevier; 2021.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.