O que é amebíase?
Amebíase é o nome da doença causada pela ameba Entamoeba histolytica, que pode causar graves sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, diarreia sanguinolenta e abscesso no fígado.
A ameba é um organismo unicelular. Ela pertence ao grupo dos protozoários, especificamente ao filo Amoebozoa. As amebas são compostas por uma única célula que realiza todas as funções vitais, incluindo movimento, alimentação, excreção e reprodução. Elas se movem e se alimentam por meio de pseudópodes, que são extensões temporárias de sua membrana celular.
A amebíase é uma infecção que ocorre no mundo inteiro, mas é mais comum em regiões pobres e com saneamento básico precário.
Nota: nem todas as amebas são patogênicas, ou seja, capazes de provocar doença. Não confunda a Entamoeba histolytica com outras amebas inofensivas, tais como Endolimax nana ou Entamoeba coli (ao final do artigo listamos as principais amebas que são inofensivas aos seres humanos).
Como se pega ameba?
A amebíase intestinal é uma doença que ocorre quando o indivíduo se contamina com a ameba Entamoeba histolytica. A transmissão é feita pela via fecal-oral, ou seja, uma pessoa contaminada elimina o parasita nas fezes, e outra, de algum modo, acaba engolindo-o.
Esse modo de transmissão pode se dar de diversas maneiras, principalmente através do consumo de água ou alimentos contaminados. A transmissão pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa evacua, não lava as mãos adequadamente e prepara alimentos para outros. Banhar-se ou consumir água de locais com más condições sanitárias também são um fator de risco para amebíase.
Pessoas que moram no mesmo domicilio de pacientes infectados apresentam alto risco de contaminação, uma vez que os cistos da ameba são bastante resistentes, podendo contaminar objetos de uso comum e sobreviver neles durante vários dias.
Qualquer contato com fezes contaminadas pode causar a transmissão, incluindo pessoas que têm relação sexual anal, seguida de sexo oral.
Ciclo de vida da Entamoeba histolytica
A Entamoeba histolytica eliminada nas fezes encontra-se na forma de cistos, que é muito resistente a meios hostis, podendo sobreviver no ambiente por vários meses. A ingestão de um único cisto de Entamoeba histolytica é suficiente para contaminar o paciente.
O cisto, após ser ingerido, passa incólume pela acidez do estômago, e muda para a forma trofozoíta ao chegar nos intestinos. Quando alcançam o cólon, os trofozoítas se aderem a sua parede e passam a colonizá-la. Na maioria dos casos, a Entamoeba histolytica tem um comportamento comensal, isto é, vive em harmonia com o hospedeiro, alimentando-se dos nossos alimentos e não produzindo sintomas.
Os trofozoítas se multiplicam no cólon de forma binária e voltam a formar cistos, que são eliminados nas fezes. O paciente contaminado elimina a Entamoeba histolytica em forma de cistos e trofozoítas, mas apenas os primeiros são capazes de sobreviver no ambiente. Mesmo que outro indivíduo venha a ingerir a forma trofozoíta, esta não é capaz de provocar doença, pois é destruída pela acidez estomacal. Portanto, apenas os cistos de Entamoeba histolytica conseguem provocar doença.
Doença amebíase
Em cerca de 90% dos casos, o paciente contaminado se torna um portador assintomático da ameba. Porém, por mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, em uma pequena parte dos pacientes contaminados, a Entamoeba histolytica pode ter um comportamento agressivo, invadindo a parede do cólon, destruindo as células epiteliais e provocando grande inflamação intestinal, o que leva à diarreia sanguinolenta e outros sintomas de amebíase que serão expostos mais adiante.
A ameba também pode atravessar a parede do cólon e cair na circulação sanguínea, indo se alojar em outros órgãos, como fígado, pulmões e cérebro.
Não sabemos exatamente por que em uma minoria dos casos a amebíase se torna uma doença agressiva, mas alguns fatores já estão esclarecidos, como a existências de cepas mais virulentas da ameba e alterações no estado imunológico do paciente.
Entre os fatores de risco para amebíase sintomática podemos citar:
- Gravidez.
- Uso de drogas imunossupressoras.
- Uso de corticoides.
- Alcoolismo.
- Extremos de idade (bebês e idosos).
- HIV.
- Câncer.
- Desnutrição.
Sintomas
Como já foi dito, mais de 90% dos pacientes contaminados com Entamoeba histolytica não apresentam sintomas. Quando há doença sintomática, ela geralmente surge entre 1 a 4 semanas após a contaminação pelos cistos do parasito.
Nos 10% dos pacientes que apresentam doença pela ameba, os sintomas mais comuns costumam ser dor abdominal, tenesmo (dor ao evacuar), diarreia aquosa e volumosa, com várias evacuações por dia, e perda de peso. O quadro costuma ser mais arrastado que os das gastroenterites virais ou intoxicação alimentar, com piora dos sintomas ao longo de 1 a 3 semanas. Não é incomum haver também febre e disenteria (diarreia sanguinolenta).
A maioria dos casos de amebíase é de leve a moderada intensidade, mas raramente, em cerca de 0,5% dos casos, a doença pode se apresentar de forma fulminante, com necrose intestinal, perfuração do cólon e peritonite grave. Nestes casos, a mortalidade ultrapassa os 40%.
A amebíase também pode ter uma forma crônica, com episódios recorrentes de cólicas e fezes sanguinolentas, um quadro muito parecido com o que ocorre nas doenças inflamatórias intestinas, como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn.
Amebíase extra-intestinal
O órgão extra-intestinal mais acometido pela Entamoeba histolytica é o fígado. A forma de apresentação mais comum é o abscesso hepático, que ocorre em até 5% dos pacientes com amebíase intestinal sintomática. Os sintomas mais comuns do abscesso hepático pela ameba são febre e dor na região do fígado (quadrante superior direito do abdômen) (leia: Dor na barriga | Principais causas).
Mais raramente, a ameba também pode formar abscessos no pulmão ou no cérebro.
Diagnóstico
O diagnóstico da infecção por Entamoeba histolytica é geralmente feito através do exame parasitológico de fezes (EPF). Como os cistos e trofozoítos não são eliminados de forma constante pelas fezes, no mínimo 3 amostras colhidas em dias diferentes são necessárias para o diagnóstico.
O laboratório que realizará a pesquisa precisa ser capaz de distinguir a Entamoeba histolytica de outras amebas que são morfologicamente semelhantes, mas não causam doenças nos humanos, como Entamoeba dispar e a Entamoeba moshkovskii.
A sorologia, que consiste na pesquisa de anticorpos contra a Entamoeba histolytica, também é uma opção, sendo positiva em mais de 90% dos pacientes com amebíase intestinal.
Tratamento
Todas as infecções pela ameba Entamoeba histolytica devem ser tratadas, mesmo na ausência de sintomas, devido ao potencial risco de complicações futuras e de disseminação da ameba para os membros da família.
Existem várias opções de tratamento para a amebíase. As formas leves ou assintomáticas podem ser tratadas com Teclozam. Para as formas sintomáticas, as opções são metronidazol, tinidazol ou secnidazol.
Amebas que não precisam de tratamento
Existem algumas espécies de amebas que são geralmente consideradas não patogênicas e, portanto, não necessitam de tratamento. Essas amebas vivem normalmente no trato gastrointestinal sem causar doenças.
Algumas das principais amebas não patogênicas, que, portanto, não precisam ser tratadas, incluem:
- Entamoeba dispar.
- Entamoeba moshkovskii.
- Entamoeba coli.
- Endolimax nana.
- Iodamoeba bütschlii.
Referências
- Doenças infecciosas e parasitárias – guia de bolso 8a edição revista – Ministério da Saúde.
- Parasites – Amebiasis – Entamoeba histolytica Infection – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Pathogenesis of Intestinal Amebiasis: From Molecules to Disease – Clinical microbiology reviews.
- Intestinal Entamoeba histolytica amebiasis – UpToDate.
- Nonpathogenic enteric protozoa – UpToDate.
- Amebiasis – Medscape.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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