O que é ancilostomose?
A ancilostomose, também chamada de ancilostomíase, necatoríase, amarelão ou doença do Jeca Tatu, é uma parasitose intestinal muito comum, provocada pelos nematódeos da família Ancylostomidae: Ancylostoma duodenale ou Necator americanus.
Outras espécies de ancilostomídeos, como o Ancylostoma braziliense ou Ancylostoma caninum, só costumam provocar infecção intestinal em gatos e cães, mas podem provocar larva migrans no homem.
Apesar de ser pouco conhecida pelo público, estima-se que cerca de 740 milhões de pessoas em todo mundo estejam infectadas com um dos ancilostomídeos.
O Ancylostoma duodenale é uma espécie de ancilostomídeo que habita países do Mediterrâneo, Norte da África, Irã, Índia, Paquistão, China e Japão. Já o Necator americanus é muito encontrado em todo continente americano, principalmente nas áreas tropicais, África Central, Sudeste Asiático, ilhas do Pacífico Sul e partes da Austrália.
Recentemente, um ancilóstomo de cães e gatos, o Ancylostoma ceylanicum, reconhecido como uma causa prevalente de infecções zoonóticas humanas na Índia, no sudeste da Ásia, na Austrália tropical e em algumas ilhas melanésias do Pacífico, foi identificado em pacientes no continente americano.
O Ancylostoma duodenale e o Necator americanus são pequenos vermes cilíndricos, que medem entre 0,5 e 1,5 cm de diâmetro e apresentam a cabeça em forma semelhante a um gancho, especialmente o N. americanus. Ambos apresentam uma boca bem definida, com 2 pares de dentes pontiagudos (A. duodenale) ou duas placas afiadas (N. americanus), que servem para aderir à parede do intestino e sugar o sangue do seu hospedeiro.
Ciclo de vida do Ancylostoma duodenale e do Necator americanus
Indivíduos com ancilostomíase eliminam diariamente milhares de ovos do parasito em suas fezes. Em locais com saneamento básico precário, essas fezes acabam contaminando o solo. Se os ovos do ancilostomídeo forem depositando em um local úmido, quente e sem exposição direta à luz solar, eles conseguem dar origem a larvas que, após cerca de 7 dias no ambiente, amadurecem e tornam-se capazes de infectar o ser humano.
As larvas dos ancilostomídeos conseguem sobreviver no meio ambiente, à espera de um hospedeiro, por até 6 semanas, caso encontrem condições adequadas de umidade e temperatura.
A contaminação com o Ancylostoma duodenale ou Necator americanus se dá por contato direto da pele com o solo contaminado (geralmente pelos pés) ou por ingestão acidental da larva presente no ambiente (geralmente por mãos contaminadas pelo solo que vão à boca sem terem sido lavadas). Apenas 5 minutos de contato direto da pele com o solo contaminado é suficiente para a larva conseguir penetrar o nosso organismo.
Após penetrar a pele, a larva alcança os vasos sanguíneos e viaja até os pulmões, onde permanecerá por alguns dias. Quando o paciente tosse, o parasito pode ser lançado em direção à cavidade oral, sendo, então, inadvertidamente deglutido. Se a contaminação inicial não tiver sido pela pele, mas sim por ingestão acidental da larva, essa primeira parte do ciclo não existe, indo o parasito diretamente para o trato gastrointestinal.
Ao ser deglutida, a larva passa pelo estômago e se aloja no intestino delgado, onde irá amadurecer até a forma adulta do verme. Lá, cada ancilostomídeo ingerido se adere à mucosa e passa a ingerir cerca de 0,3 a 0,5 ml de sangue por dia. Para surgir anemia, é necessária uma contaminação com, pelo menos, 40 vermes.
Cinco a oito semanas após o paciente ter sido contaminado pela primeira vez, a fêmea do Ancylostoma duodenale ou Necator americanus passa a produzir milhares de ovos, que serão lançados ao ambiente pelas fezes, reiniciando o ciclo de vida do parasito.
Tanto o Ancylostoma duodenale ou Necator americanus não se multiplicam dentro do nosso organismo. Para gerar novos vermes, os ovos precisam se depositados no ambiente. Portanto, se o individuo não se recontaminar, ele acaba se curando sozinho da ancilostomíase com o tempo.
O problema é que o Ancylostoma duodenale costuma ter um tempo de vida de 1 ano e o Necator americanus pode chegar até a 5 anos de vida. Se o paciente vive em uma área com más condições de saneamento, ele acaba se infectando novamente antes de a primeira geração de vermes ter morrido.
Sintomas
A ancilostomose é uma parasitose com quadro clínico predominantemente gastrointestinal. Antes do verme chagar ao intestino, os sintomas são discretos. No local de penetração do verme na pele forma-se uma pequena reação inflamatória, que provoca coceira. Durante a passagem pelos pulmões, o paciente costuma apresentar tosse seca.
Os sintomas típicos da ancilostomose surgem mesmo quando o parasita migra para o intestino delgado. Nesse momento, o paciente pode apresentar náuseas, vômitos, diarreia, cansaço, aumento dos gases e dor abdominal. A primeira infecção é, habitualmente, a mais sintomática. Conforme o indivíduo se reinfecta repetidamente, a tendência é ele apresentar cada vez menos sintomas.
O principal problema da ancilostomose é a anemia e a desnutrição, pois o parasito consome sangue e proteínas. Em crianças, pode haver desaceleração do crescimento e alterações no desenvolvimento neurológico. Nas grávidas, a desnutrição e a anemia são ainda mais comuns, e o bebê costuma nascer com baixo peso.
Diagnóstico
O diagnóstico da ancilostomose é feito através da detecção de ovos do parasita nas fezes. Após a invasão da pele pelo parasito, os primeiros ovos podem só aparecer 2 meses depois. Quando a infecção é provocada pelo A. duodenale, os primeiros ovos podem demorar até 1 ano para surgirem nas fezes.
Portanto, quando há suspeita clínica de ancilostomose, vários exames de fezes podem ser necessários até que um ovo possa ser identificado.
No hemograma, a presença de anemia e eosinofilia (aumento do número de eosinófilos), associado a um quadro gastrointestinal suspeito, é uma dica importante para o diagnóstico.
Tratamento
O tratamento para ancilostomose é igual, seja ela provocada por Ancylostoma duodenale ou Necator americanus.
Dois esquemas com anti-helmínticos são os mais utilizados:
- Albendazol 400 mg dose única.
- Mebendazol 100 mg 2 vezes por dia por 3 dias.
Se o paciente tiver anemia, indica-se também reposição de ferro por via oral.
Um exame parasitológico de fezes pode ser solicitado após 3 semanas para confirmação da cura.
Prevenção
A prevenção da ancilostomose envolve medidas de higiene pessoal, saneamento e controle ambiental. Algumas estratégias eficazes para prevenir essa infecção são:
Melhorar o saneamento básico
- Instalação de esgotos adequados: implementar sistemas de esgoto eficientes para evitar a contaminação do solo com fezes humanas.
- Tratamento de águas residuais: garantir que as águas residuais sejam tratadas adequadamente antes de serem liberadas no meio ambiente.
Práticas de higiene pessoal
- Lavar as mãos: lavar as mãos com água e sabão regularmente, especialmente após usar o banheiro, antes de comer e antes de preparar alimentos (leitura sugerida: Por que lavar as mãos é importante para saúde?).
- Proteção dos pés: evitar andar descalço em áreas onde o solo possa estar contaminado com fezes. Usar calçados apropriados em ambientes externos.
Controle ambiental
- Manutenção de áreas recreativas: garantir que parques, praias e áreas de recreação estejam livres de contaminação fecal.
- Tratamento de animais de estimação: desparasitar regularmente cães e gatos, pois eles também podem ser hospedeiros de ancilostomídeos.
Tratamento de áreas contaminadas
- Descontaminação de solos: em áreas endêmicas, é importante tratar o solo contaminado com fezes humanas através de medidas como a construção de sanitários e o uso de técnicas de compostagem para eliminar os ovos dos parasitas.
Desparasitação e tratamento de casos
- Diagnóstico precoce e tratamento: identificar e tratar rapidamente os casos de ancilostomose para prevenir a disseminação. Medicamentos anti-helmínticos, como albendazol e mebendazol, são eficazes no tratamento da infecção.
- Exames de Fezes: realizar exames de fezes periódicos em populações de risco para detectar e tratar precocemente a infecção (leitura sugerida: Parasitoses e exame parasitológico de fezes).
- Desparasitação regular: nas áreas endêmicas, a desparasitação regular de grupos de risco com albendazol, incluindo crianças, gestantes e mulheres em idade fértil, pode prevenir e reverter a desnutrição, a anemia por deficiência de ferro, o crescimento prejudicado e o baixo desempenho escolar.
Referências
- Hookworm infection – UpToDate.
- Doenças infecciosas e parasitárias – Guia de bolso 8a – Ministério da Saúde.
- Hookworm Infection – New England Journal of Medicine.
- Hookworm Disease – Medscape.
- Parasites – Hookworm – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.