O que é FAN?
O exame chamado FAN (fator antinuclear) ou ANA (anticorpo antinuclear) é um teste habitualmente solicitado para os pacientes com suspeita de uma doença de origem autoimune.
Em condições normais, o sistema imunológico responde à invasão do nosso organismo por germes produzindo um grande número de anticorpos para combatê-los. Quando uma pessoa tem uma doença autoimune, o organismo age de forma inapropriada, produzindo anticorpos contra as células, tecidos e proteínas do próprio corpo, como se esses fossem agentes agressores. O FAN é um desses autoanticorpos produzidos nas doenças autoimunes.
O FAN, na verdade, não é um anticorpo único, mas sim um grupo de autoanticorpos descoberto na década de 1940 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Como o próprio nome já sugere, o FAN são anticorpos contra os núcleos das nossas células. Existem vários tipos de FAN, cada um deles voltado contra uma estrutura específica da célula e associado a um tipo de doença autoimune diferente.
É importante salientar que 10% a 15% da população sadia pode ter FAN positivo em valores baixos sem isso indicar qualquer problema de saúde. Não sabemos o porquê deste achado, mas a simples presença de um FAN positivo não é suficiente para o diagnóstico de nenhuma doença.
O que é uma doença autoimune?
Doenças autoimunes são aquelas que ocorrem quando o nosso sistema imunológico equivocadamente deixa de reconhecer algumas das estruturas presentes no nosso corpo e passa a tratá-las como se fossem germes invasores nocivos à saúde. O resultado desta confusão é a produção dos chamados autoanticorpos, ou seja, anticorpos contra nós mesmos.
Os autoanticorpos, ao contrário dos anticorpos normais, não combatem bactérias, vírus, parasitas ou fungos. Eles atacam as nossas células, destruindo-as. As doenças autoimunes podem afetar as células do sangue, pele, articulações, rins, pulmões, sistema nervoso, etc. Fazendo uma analogia, podemos dizer que uma doença autoimune é uma espécie de motim realizado pelas nossas próprias forças de segurança.
Alguns exemplos de doenças autoimunes incluem:
- Lúpus.
- Artrite reumatoide.
- Esclerose múltipla.
- Psoríase.
- Tireoidite de Hashimoto.
- Vitiligo.
- Granulomatose de Wegener.
- Síndrome de Guillain Barré.
- Miastenia gravis.
- Esclerodermia.
Se você quiser uma lista mais completa e explicações mais detalhadas sobre as doenças autoimunes, acesse o seguinte link: Doenças autoimunes: causas, sintomas e tratamento.
Como é realizado o exame?
Para entender os resultados do FAN é preciso saber como o exame é feito. O assunto é bem complexo, mas tentarei explicar do modo mais simples possível.
O exame de FAN é feito com amostras de sangue do paciente suspeito de ter uma doença autoimune. No laboratório conseguimos identificar todos os anticorpos circulantes através da adição de um corante fluorescente ao sangue. Depois que os anticorpos são marcados, misturamos o sangue em um recipiente com uma cultura de células humanas (chamadas HEp2).
O resultado é o que se observa na foto acima:
- Se houver anticorpos contra estruturas das células humanas, estes irão se fixar às mesmas, tornando-as fluorescentes.
- Se o autoanticorpo for contra o núcleo das células, a imagem no microscópio será de vários núcleos fluorescentes.
- Se o autoanticorpo for contra o citoplasma das células, vários citoplasmas ficarão brilhando, e assim por diante.
- Caso não haja autoanticorpos, nenhuma parte das células ficará fluorescente, caracterizando um FAN não-reativo.
Os resultados são repetidos após várias diluições do sangue, até a fluorescência desaparecer. Resultados positivos são aqueles que permanecem brilhando mesmo após 40 diluições (resultado 1/40 ou 1:40). Portanto, um FAN reagente 1/40 significa que o autoanticorpo foi identificado mesmo após diluirmos o sangue 40 vezes.
Como já expliquei antes, de 10% a 20% da população possui FAN positivo, geralmente nas diluições menores que 1/80. Por esse motivo, só consideramos relevantes valores a partir de 1/160. As diluições são normalmente efetuadas na seguinte ordem: (1/40), (1/80), (1/160), (1/320), (1/640), (1/1280). Valores maiores ou iguais a 1/320 são relevantes e indicam doença autoimune em mais de 97% dos casos.
A partir de agora, você já pode ter uma ideia dos resultados do FAN. Citaremos alguns exemplos:
Exemplo 1:
- FAN (HEp2): Reagente.
- Título: 1/80.
- Padrão: nuclear pontilhado fino denso.
Exemplo 2:
- FAN (HEp2): Reagente.
- Título: 1/640.
- Padrão: citoplasmático pontilhado reticulado.
Os dois exemplos acima são de um FAN reagente. O primeiro em títulos baixos, com o núcleo sendo corado com finos e densos pontos fluorescentes. Este primeiro exemplo não necessariamente indica a presença de alguma doença autoimune. O segundo exemplo apresenta um FAN positivo em altos títulos, com anticorpos contra o citoplasma da célula formando uma imagem reticulada. Valores altos assim quase sempre indicam doença autoimune.
Tipos de FAN reagente
Existem mais de 20 padrões diferentes de Imunofluorescência. Cada um descreve o modo como as células humanas foram coradas pelos anticorpos fluorescentes. Alguns padrões são típicos de doenças, como lúpus, esclerodermia, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren. Outros são inespecíficos e podem estar presentes em pessoas normais.
Os padrões mais comuns do FAN e suas prováveis patologias, são:
- Nuclear centromérico (AC-3): esclerodermia cutânea limitada ou cirrose biliar primária.
- Nucleolar homogêneo (AC-8): lúpus, artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil, síndrome de Felty ou cirrose biliar primária.
- Nuclear tipo membrana nuclear contínua (AC-11): lúpus ou hepatite autoimune.
- Nuclear tipo membrana nuclear pontilhada (AC-12): cirrose biliar primária e doenças reumáticas autoimunes sistêmicas.
- Nuclear pontilhado fino (AC-4): síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia e dermatomiosite.
- Nuclear pontilhado grosso (AC-5): doença mista do tecido conjuntivo, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia ou artrite reumatoide.
- Nuclear pontilhado fino denso (AC-2): inespecífico, pode estar presente em pessoas sem doença alguma, em várias doenças autoimunes e também na cistite intersticial, dermatite atópica, psoríase ou asma.
- Nucleolar pontilhado (AC-10): esclerodermia.
- Citoplasmático pontilhado reticulado (AC-21): cirrose biliar primária ou esclerodermia.
- Citoplasmático pontilhado fino (AC-20): polimiosite ou dermatomiosite.
A lista acima não está completa, existem ainda vários outros padrões de FAN. Estes são apenas os mais comuns.
A imagem abaixo mostra a árvore de classificação mais atual dos padrões de HEp-2 (clique na imagem para vê-la em tamanho grande).
É preciso saber interpretar os resultados do fator antinuclear. Um mesmo padrão pode significar várias doenças autoimunes diferentes ou não significar nada.
O FAN precisa ser avaliado junto com o quadro clínico do paciente. É importante lembrar que o paciente é um todo e não apenas um resultado de uma reação química impresso em um pedaço de papel. As associações descritas acima são possibilidades e não fatos consumados.
Tenho recebido nos comentários dezenas de pedidos de interpretação de FAN baseados apenas nos seus resultados. O fator antinuclear sozinho não faz diagnóstico de nada. Esse é um exame que não dá para ser avaliado à distância. Ele é apenas uma das peças do quebra-cabeça.
As doenças mais associadas com fator antinuclear positivo são as doenças autoimunes sistêmicas, como o lúpus e a esclerodermia. O FAN pode ser positivo também em doenças autoimunes restritas a alguns órgãos, como tireoidite de Hashimoto e hepatite autoimune.
O que é placa metafásica cromossômica?
A placa metafásica cromossômica é apenas mais um dos parâmetros avaliados no FAN. Ela costuma estar presente (reativa) em determinados padrões, como nuclear homogêneo, nuclear centromérico e nuclear pontilhado fino denso (além de outros).
Sensibilidade
Chamamos de sensibilidade a capacidade de um exame dar positivo quando o doente tem a doença. Por exemplo, quando dizemos que a sensibilidade do FAN para o lúpus é de 95%, isso significa que a cada 100 pacientes com lúpus testados, 95 vão ter resultado positivo e apenas 5 terão um falso negativo. Portanto, se o seu médico suspeita que você possa ter lúpus, mas o resultado do FAN vier negativo, isso significa que ele tem que começar a pensar em outro diagnóstico, pois a chance de você ter lúpus é menor que 5%.
A sensibilidade do FAN nas principais doenças autoimunes é a seguinte:
- Lúpus: 95 a 100%.
- Esclerodermia: 60 a 80%.
- Doença mista do tecido conjuntivo: 100%.
- Polimiosite e dermatomiosite: 61%.
- Artrite reumatoide: 52%.
- Síndrome de Sjögren: 40 a 70%.
- Lúpus induzido por drogas: 100%.
- Lúpus discoide: 15%.
- Tireoidite de Hashimoto: 46%.
- Hepatite autoimune: 100%.
- Colangite autoimune primária: 100%.
FAN falso positivo
Como qualquer exame laboratorial, o FAN também pode apresentar falsos positivos. 10 a 20% da população saudável pode ter FAN falso positivo, principalmente mulheres e idosos. Quando avaliamos apenas a população com mais de 65 anos, a taxa de FAN falso positivo chega a 30%.
Algumas doenças ou medicamentos também podem causar um FAN reagente sem que isso signifique a presença de uma doença autoimune. Entre as doenças que podem causar um FAN positivo, as mais comuns são HIV, mononucleose, linfoma e tuberculose. Entre os medicamentos, os mais comuns são a hidralazina, isoniazida e procainamida.
Padrão nuclear pontilhado fino denso (AC-2)
O padrão nuclear pontilhado fino denso (AC-2) é dentre todos os padrões de FAN aquele que se destaca por frequentemente estar positivo em pessoas saudáveis, principalmente se estiver associado à presença de anticorpos anti-LEDGF/p75.
Muitos laboratórios já fazem automaticamente a pesquisa dos anticorpos anti-LEDGF/p75 quando o resultado do FAN é padrão nuclear pontilhado fino denso. Isso porque mesmo em títulos bem altos, iguais ou superiores a 1/1280, um FAN com padrão nuclear pontilhado fino denso e com anticorpos anti-LEDGF/p75 não indica a presença de nenhuma doença autoimune.
O que fazer em caso de FAN positivo?
Uma vez que se tenha um FAN positivo associado a um quadro clínico que sugira doença autoimune, deve-se solicitar a pesquisa de autoanticorpos específicos para tentar definir exatamente com qual doença autoimune estamos lidando.
O FAN sugere a presença de um autoanticorpo, mas não define exatamente qual. Por exemplo, um FAN sugestivo de lúpus precisa ser complementado com a pesquisa do anticorpo anti-DNA nativo, que é o autoanticorpo típico do lúpus; na suspeita de Sjögren solicita-se o anticorpo anti SS-A/Ro e anticorpo anti SS-B/La; na esclerodermia dosa-se o anticorpo anti-centrômero, e assim por diante.
O próprio padrão do FAN costuma estar associado a autoanticorpos específicos, por exemplo:
- Nuclear pontilhado fino: geralmente causado pelos autoanticorpos: SS-A/Ro, SS-B/La, Mi-2, TIF1γ, TIF1β, Ku.
- Nuclear pontilhado grosso: hnRNP, U1RNP, Sm, RNA polimerase III.
- Nuclear homogêneo: Anti-dsDNA.
- Nuclear centromérico: CENP-A e CENP-B.
Muitas vezes, o paciente tem FAN positivo, mas possui os autoanticorpos específicos negativos. Nesses casos há geralmente duas possibilidades: ou o FAN é falso positivo, ou o paciente pode ter uma doença autoimune que ainda não está ativa. O paciente tem os autoanticorpos, mas eles ainda não estão atacando o organismo. Há pacientes com lúpus que apresentam o FAN reagente por anos antes da doença se manifestar clinicamente. Há outros, porém, que têm FAN positivo para o resto da vida e nunca desenvolvem nenhum problema de saúde.
Portanto, o FAN positivo é apenas o primeiro passo na identificação de uma possível doença autoimune. O médico precisa correlacionar os sintomas do paciente, a história clínica, o padrão do FAN e o tipo de autoanticorpo presente para estabelecer um diagnóstico.
O FAN sozinho não fecha nenhum diagnóstico. Quando o paciente tem sintomas típicos de doença autoimune, ele apenas ajuda a direcionar a investigação.
Por outro lado, quando o paciente é assintomático, um resultado positivo mais atrapalha do que ajuda. Por isso, não faz sentido solicitar a pesquisa do FAN se não houver forte suspeita de doença autoimune.
Posso ter doença autoimune ou reumatológica com FAN negativo?
Um teste de FAN negativo praticamente exclui o diagnóstico de doenças reumáticas associadas a FAN, como quase todas as formas de lúpus (exceto discoide), esclerose sistêmica e doença mista do tecido conjuntivo, particularmente quando o paciente não tem sintomas típicos dessas doenças.
No entanto, embora muitas outras doenças autoimunes estejam associadas a um FAN positivo, ele é um marcador relativamente insensível para a maioria dessas doenças.
Exemplos de doenças autoimunes que podem ter FAN negativo são:
- Síndrome de Sjögren.
- Artrite reumatoide.
- Lúpus discoide.
- Artrite idiopática juvenil (sem uveíte).
- Arterite de células gigantes.
- Poliarterite nodosa.
- Granulomatose com poliangiite (antigamente chamada granulomatose de Wegener).
- Granulomatose eosinofílica com poliangiite (síndrome de Churg Strauss).
Referências
- When to order an antinuclear antibody test – British Medical Journal.
- Know Your Labs – The Rheumatologist.
- Lupus Blood Tests – Johns Hopkins Rheumatology.
- Antinuclear Antibodies (ANA) – American College of Rheumatology.
- Report of the First International Consensus on Standardized Nomenclature of Antinuclear Antibody HEp-2 Cell Patterns 2014-2015 – Frontiers in immunology.
- Antinuclear antibody testing – Clinics in Laboratory Medicine.
- Antinuclear Antibody – Medscape.
- Clinical significance of antinuclear antibody staining patterns and associated autoantibodies – UpToDate.
- Measurement and clinical significance of antinuclear antibodies – UpToDate.
- ANApatterns.org, the official website for the International Consensus on Antinuclear Antibody (ANA) Patterns (ICAP).
- Antinuclear antibody test – The Royal Australian College of General Practitioners (RACGP).
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.