O que são esclerodermia e esclerose sistêmica?
A esclerodermia, cujo nome é derivado das palavras gregas skleros (endurecido) e derma (pele), é uma doença de pele de origem autoimune, caracterizada, como o próprio nome sugere, por um progressivo enrijecimento da pele.
Quando além do endurecimento da pele, o paciente também apresenta envolvimento de vasos sanguíneos e órgãos internos, chamamos a doença de esclerose sistêmica.
A esclerodermia é um conjunto de doenças que apresentam manifestações clínicas distintas, mas que têm como característica comum o enrijecimento da pele. A doença é tradicionalmente classificada com base na extensão do envolvimento da pele e no padrão de envolvimento de órgãos internos. Conforme veremos a seguir, os diferentes subtipos de esclerose sistêmica estão associados a diferentes padrões de envolvimento de órgãos e de gravidade da doença.
A esclerodermia é uma doença relativamente rara, que acomete cerca de 200 a 300 pessoas a cada 1 milhão de habitantes. A doença é 4 vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens e geralmente surge entre os 25 e os 50 anos.
Classificação da esclerodermia
Há dois tipos principais de esclerodermia:
- Esclerodermia localizada (forma mais comum nas crianças).
- Esclerodermia sistêmica, também chamada esclerose sistêmica (forma mais comum nos adultos).
Esclerodermia localizada
A esclerodermia localizada é uma doença que se restringe à pele, podendo em alguns casos se estender até músculos, articulações e ossos. A esclerodermia localizada não apresenta envolvimento de órgão internos nem lesões vasculares graves.
A esclerodermia localizada é subdividida em dois tipos:
Esclerodermia linear
A esclerodermia linear, forma mais comum em crianças e adolescentes, caracteriza-se por lesões de fibrose, com espessamento e endurecimentos da pele em bandas ou linhas, localizadas no tronco ou membros, que costumam ficar restritas a apenas uma metade do corpo.
Uma forma típica de esclerodermia linear é a chamada lesão em “golpe de sabre” ou “coup de sabre”, que é um espessamento da pele que costuma surgir na região do crânio e parece ter sido feito por um golpe de espada.
A lesão pode ser hipopigmentada (mais clara que a pele) ou hiperpigmentada (mais escura que a pele).
Morfeia
Morfeia é habitualmente a forma clínica mais branda de esclerodermia e se apresenta como zonas de pele espessada, geralmente de forma oval, com centro mais esbranquiçado e bordas violáceas. Com o tempo, as lesões podem se tornar mais acastanhadas. Estas lesões surgem com mais frequência no tronco e nos membros.
A morfeia generalizada é um subtipo mais grave, com múltiplas placas espessadas que acometem extensas áreas da pele, que podem ter uma coloração mais esbranquiçada ou amarelada, sendo habitualmente mais claras que as áreas de pele saudável.
Esclerose sistêmica
A esclerose sistêmica é a forma mais grave de esclerodermia, havendo não só acometimento da pele, mas também de vasos sanguíneos e órgãos internos. A esclerose sistêmica pode ser subdividida em três formas:
Esclerose sistêmica cutânea difusa
Na esclerose sistêmica cutânea difusa, além do acometimento da pele, que costuma ser difuso, porém restrito às regiões centrais do corpo, como tronco e início dos membros, essa forma de esclerodermia também pode afetar vários órgãos internos, tais como pulmões, coração, sistema gastrointestinal e rins. Essa forma de esclerodermia é bem grave e, se não for tratada, costuma ser fatal.
Esclerose sistêmica cutânea limitada
Na esclerose sistêmica cutânea limitada, o acometimento da pele costuma ser mais periférico, ficando restrito a mãos, antebraços, pernas, face e pescoço. Partes centrais, como tronco, braços e coxas costumam ser poupados.
O atingimento dos órgãos internos costuma ser mais tardio e tende a ficar confinado, quase sempre, ao tubo digestivo e aos pulmões.
A esclerose sistêmica cutânea limitada costuma causar a chamada síndrome CREST, que é um acrônimo em inglês para as seguintes complicações:
- Calcinose: depósitos de cálcio na pele;
- fenômeno de Raynaud: alterações vasculares que provocam isquemia e mudanças temporárias na cor dos dedos.
- Esôfago: alterações na motilidade do esôfago.
- eSclerodactilia (Sclerodactyly em inglês): espessamento e enrijecimento da pele dos dedos.
- Telangiectasias: vasos capilares finos, vermelhos ou violáceos que se aglomeram na superfície da pele.
Esclerose sistêmica sine esclerodermia
A esclerose sistêmica sine esclerodermia é uma forma rara, na qual o paciente tem o quadro de esclerose sistêmica, mas sem o acometimento da pele.
Causas
A esclerodermia é uma doença de origem autoimune, ou seja, é uma doença na qual o nosso sistema imunológico inapropriadamente ataca as nossas próprias células. O mecanismo exato de como a doença se desenvolve é bem complexo e ainda não está totalmente esclarecido. Sabemos, porém, que a esclerose sistêmica é o resultado de três processos patológicos distintos:
- Lesões inflamatórias das pequenas artérias e arteríolas.
- Anormalidades na resposta imunológica frente a essas lesões vasculares.
- Produção excessiva de colágeno, que se deposita na pele e nos órgãos internos, levando ao seu espessamento e enrijecimento.
Não sabemos ainda o motivo pelo qual a esclerodermia surge, mas a suscetibilidade genética parece desempenhar um papel relevante. O problema é que a genética sozinha não é suficiente para a doença surgir.
A teoria atualmente mais aceita é a de que pessoas geneticamente susceptíveis, ou seja, pessoas que carregam certos genes, quando são expostos a determinados fatores ambientais, sejam eles infecções ou substâncias químicas, ativam o gatilho que desencadeia os processos patológicos que levam à esclerose sistêmica.
Algumas bactérias e vírus podem apresentar proteínas que são semelhantes àquelas presentes no nosso corpo. Em pessoas susceptíveis, o sistema imunológico pode tentar criar anticorpos contra essas proteínas virais ou bacterianas, mas, de forma equivocada, acaba por criar anticorpos contra as nossas próprias proteínas. Infecções por citomegalovírus, parvovírus B19 e herpes vírus 5 são alguns dos gatilhos sugeridos.
O mesmo processo pode ser desencadeado pela exposição ocupacional a certas substâncias químicas, como a sílica ou produtos derivados do petróleo (cloreto de vinila, tricloroetileno, tolueno, resinas, benzeno ou tetracloreto de carbono). Também há relatos de desenvolvimento de esclerodermia em pacientes submetidos à quimioterapia com bleomicina.
Sintomas
Os sintomas da esclerodermia dependem da forma de doença que o paciente tem.
Esclerodermia localizada
Na esclerodermia localizada, os sintomas praticamente se restringem à pele. A maioria dos pacientes com morfeia desenvolve apenas uma ou duas lesões, que consistem em espessamento, enrijecimento e mudanças de cor da pele.
Essas alterações podem durar anos, mas tendem a melhorar. Essa forma de esclerodermia é branda e o prognóstico a longo prazo é bom, pois a doença torna-se inativa, ficando o paciente curado.
Na morfeia generalizada, o número de lesões de pele é maior e elas tendem a se confluir, acometendo grandes áreas do corpo. Lesões que causam desfiguração podem ocorrer, e mesmo quando há melhora espontânea após alguns anos, as manchas tendem a ser persistentes.
Como já mencionado, a esclerodermia linear é mais comum em crianças e adolescentes. Cerca de 80% dos pacientes têm menos de 20 anos. A cada 5 pessoas acometidas, 4 são mulheres.
A esclerodermia linear tem um potencial de complicações maior que a morfeia. O espessamento da pele pode ser profundo, o que em crianças pode comprometer o crescimento de ossos e articulações. A esclerodermia linear costuma permanecer ativa por dois a cinco anos, mas em alguns pacientes ela pode durar mais tempo. A esclerodermia em golpe de espada é a forma com maior potencial de provocar lesões desfigurantes, pois ela afeta preferencialmente a face e o crânio.
Ao contrário da morféia, a esclerodermia linear pode recorrer mesmo após um longo período de inatividade.
Esclerose sistêmica
Também na esclerose sistêmica os sintomas cutâneos são os mais comuns. Entre eles, um que está presente em quase todos os casos é o chamado fenômeno de Raynaud.
O fenômeno de Raynaud é distúrbio vascular, definido como alterações sequenciais de cor que ocorrem geralmente nos dedos das mãos, precipitados por frio, estresse ou simplesmente mudanças de temperatura ambiente. As alterações de cor seguem a seguinte ordem:
- Palidez: a mão fica mais branca por uma súbita vasoconstrição arterial, que diminui o aporte de sangue.
- Acrocianose: a mão fica azulada ou arroxeada, conforme a falta de sangue vai se prolongando.
- Hiperemia de reperfusão: a mão fica avermelhada e quente devido à súbita vasodilatação e restabelecimento da circulação normal de sangue.
O fenômeno de Raynaud pode surgir vários anos antes do início dos sintomas da esclerose sistêmica cutânea limitada. Já na esclerose sistêmica cutânea difusa, o seu surgimento costuma ocorrer com o restante do quadro clínico. Em alguns casos, a fase de isquemia pode ser grave e levar à necrose das pontas dos dedos.
É importante destacar que o fenômeno de Raynaud também pode ocorrer em pessoas que não tenham esclerodermia. Ele de forma alguma é um sinal exclusivo da esclerodermia.
Além do Raynaud, outras alterações de pele da esclerose sistêmica são:
- Espessamento e enrijecimento da pele, criando um aspecto de pele lisa, brilhante e dura.
- Coceira: mais comum nos estágios iniciais da doença.
- Inchaços: também mais comum nos estágios iniciais da doença.
- Hiperpigmentação ou despigmentação da pele (pele em “sal e pimenta”).
- Perda de cabelo.
- Esclerodactilia.
- Úlceras nos dedos.
- Dor na ponta dos dedos.
- Telangiectasias.
- Calcinose cutânea.
Além da lesão de pele, que é praticamente universal a todas as formas de esclerodermia, o paciente com esclerose sistêmica também costuma apresentar uma gama de outros sintomas. Entre os mais comuns, podemos citar:
- Fadiga (76%).
- Rigidez das articulações (74%).
- Perda de força (68%).
- Dor (67%).
- Dificuldade para dormir (66%).
Em relação ao acometimento dos órgãos, os mais comuns são:
- Alterações da motilidade do esôfago, com dificuldade para engolir.
- Esofagite.
- Refluxo gastroesofágico.
- Diarreia.
- Prisão de ventre.
- Incontinência fecal.
- Hemorragia digestiva.
- Doença intersticial pulmonar.
- Hipertensão pulmonar.
- Câncer de pulmão.
- Insuficiência renal aguda.
- Hipertensão maligna.
- Arritmias cardíacas.
Tratamento
Não existe tratamento que leve à cura da esclerodermia. Como já referido, as formas limitadas à pele podem ter regressão espontânea após alguns anos.
Já a esclerose sistêmica é uma doença de evolução lenta, mas permanente. O seu tratamento visa aliviar os sintomas e reduzir a atividade da doença.
Os fármacos utilizados dependem dos sintomas que o paciente têm, por exemplo:
- Vasodilatadores, como a nifedipina, costumam ser usados para tratar o fenômeno de Raynaud.
- Inibidores da bomba de prótons, como o omeprazol, ajudam nos sintomas gástricos e do refluxo.
- Anti-inflamatórios e corticoides em doses baixas ajudam na dor e na rigidez articular.
- Imunossupressores, como metotrexato ou micofenolato mofetil, ajudam a reduzir os danos da pele e órgãos causados pelo sistema imunológico.
- Anti-hipertensivos para tratar a hipertensão.
Não existe nenhum tratamento que seja universal para todas as formas de esclerodermia. Cada tratamento deve ser instituído individualmente, conforme os sintomas e o tipo de envolvimento de órgão existente em cada paciente.
Referências
- 2013 classification criteria for systemic sclerosis: an American college of rheumatology / European league against rheumatism collaborative initiative – Annals of the Rheumatic Diseases.
- Update of EULAR recommendations for the treatment of systemic sclerosis – Annals of the Rheumatic Diseases.
- BSR and BHPR guideline for the treatment of systemic sclerosis – Rheumatology.
- Clinical manifestations and diagnosis of systemic sclerosis (scleroderma) in adults – UpToDate.
- Overview of the treatment and prognosis of systemic sclerosis (scleroderma) in adults – UpToDate.
- Pathogenesis of systemic sclerosis (scleroderma) – UpToDate.
- What is scleroderma? – Scleroderma Foundation.
- The case of frontal linear scleroderma (en coup de sabre) – Journal of Clinical and Analytical Medicine.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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