Esclerose múltipla: causas, sintomas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro

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Esclerose múltipla

Tempo de leitura estimado do artigo: 6 minutos

O que é a esclerose múltipla?

A esclerose múltipla (EM) é uma doença de origem autoimune, na qual a bainha de mielina, substância que recobre os nervos, é atacada pelos nossos próprios anticorpos (leia: O que é uma doença autoimune?).

A produção inapropriada de anticorpos contra a bainha de mielina provoca inflamação e posterior destruição dos nervos, motivo pelo qual a esclerose múltipla é classificada como uma doença desmielinizante inflamatória imunomediada.

Para podermos entender como surge a EM, precisamos antes saber o que é a bainha de mielina e qual é a sua importância.

O que é a bainha de mielina?

Nosso sistema nervoso se comunica por impulsos elétricos. Por exemplo, quando mexemos a mão, só conseguimos fazê-lo porque o nosso sistema nervoso é capaz de enviar um impulso elétrico, que sai do cérebro, caminha pela medula, passa para os nervos periféricos e chega até os músculos da mão, dando ordem para eles se mexerem.

Os impulsos também podem seguir o caminho inverso. Todas as sensações que temos do ambiente (temperatura, tato, pressão, dor, etc.) só são percebidas porque as terminações nervosas da pele conseguem captar esses estímulos, enviando-os aos nervos periféricos, medula e, finalmente, cérebro, onde eles serão interpretados.

Esclerose múltipla
Impulsos elétricos viajando entre os neurônios.

Esses estímulos elétricos que chegam e saem do cérebro precisam ser transportados entre um neurônio e outro. O fio condutor dos neurônios responsável por esta conexão é chamado axônio, um prolongamento do próprio neurônio capaz de ligar uma célula nervosa à outra.

Como qualquer fio elétrico, os axônios precisam de um isolamento, como se fosse um fio encapado. A substância que fornece esse isolamento e permite a transmissão dos impulsos elétricos é a bainha de mielina.

Na esclerose múltipla, as células nervosas do cérebro e da medula apresentam progressiva destruição de suas bainhas de mielina, fazendo com que os axônios percam a capacidade de transportar os impulsos elétricos. Os neurônios centrais deixam de enviar e de receber estímulos elétricos.

Causas

Como já explicado, a esclerose múltipla é uma doença autoimune causada pela destruição da bainha de mielina pelos nossos próprios anticorpos.

Não sabemos bem o porquê, mas de uma hora para outra o nosso organismo passa a tratar a bainha de mielina presente nos axônios do sistema nervoso central como uma estrutura estranha, como se fosse um vírus ou bactéria. O sistema imune passa, então, a atacar a bainha de mielina destes neurônios, destruindo-a progressivamente.

Imagina-se que a origem da esclerose múltipla possa estar relacionada a desarranjos do sistema imunológicos que surgem após algumas doenças virais, como, por exemplo, a mononucleose.

Diferenças entre esclerose múltipla e síndrome de Guillain-Barré

A esclerose múltipla e a síndrome de Guillain-Barré são doenças semelhantes, na medida em que ambas têm origem autoimune e ocorrem por ataques à bainha de mielina dos nervos.

A diferença reside no fato de no Guillain-Barré os nervos acometidos serem os do sistema nervoso periférico (nervos fora da medula), enquanto na esclerose múltipla são os nervos do sistema nervoso central (medula e cérebro) que sofrem desmielinização.

Essa pequena diferença é importantíssima no prognóstico final, visto que os nervos periféricos têm capacidade de se regenerar, enquanto os neurônios e axônios do cérebro e da medula não.

Para ler sobre a síndrome de Guillain-Barré, acesse: Síndrome de Guillain-Barré: o que é, causas e sintomas.

Fatores de risco

A esclerose múltipla normalmente se manifesta pela primeira vez entre os 20 e 40 anos. Ela é duas vezes mais comum em mulheres do que em homens, e três vezes mais comum em pessoas que tenham algum familiar acometido pela doença. A doença ocorre com mais frequência em caucasianos (brancos) do que em afrodescendentes ou asiáticos.

Aparentemente, um dos fatores de risco para o surgimento da esclerose múltipla é a infecção pelo vírus Epstein-Barr, causador da mononucleose. Imagina-se que o vírus possa ter proteínas semelhantes às da bainha de mielina, fazendo com que os anticorpos tenham dificuldade de distingui-las.

É importante frisar que a imensa maioria dos pacientes que tiveram contato com o vírus Epstein-Barr não desenvolvem EM, o que sugere que mais de um fator seja necessário para o surgimento da doença.

Pacientes portadores de outras doenças autoimunes, como tireoidite de Hashimoto, diabetes mellitus tipo 1 ou doença de Crohn também apresentam maior risco de desenvolverem esclerose múltipla.

Nos últimos anos tem-se dado muita atenção à relação entre níveis de vitamina D e a esclerose múltipla. Sabemos que a doença é menos comum em áreas tropicais, onde a incidência solar anual é maior e a produção de vitamina D pela pele é mais intensa. Estudos sugerem que níveis adequados de vitamina D podem ser um fator de proteção contra a esclerose múltipla (leia: Vitamina D | Deficiência e suplementos).

Sintomas

Os sinais e sintomas da esclerose múltipla dependem de quais pontos do sistema nervoso são afetados. Não existe um sintoma típico que feche o diagnóstico de esclerose múltipla, porém, alguns deles são muito sugestivos:

Neurite ótica

A neurite ótica costuma se apresentar como uma dor aguda em um dos olhos, que piora com o movimento ocular.

Essa dor costuma vir associada a graus variáveis de perda visual, geralmente no centro do campo visual. O paciente pode também apresentar visão dupla ou borrada. Nistagmo (discreto movimento involuntário dos olhos) é um achado comum.

O acometimento dos dois olhos simultaneamente é incomum na esclerose múltipla e costuma indicar outra doença neurológica.

Sintomas sensoriais

Formigamento e dormências, principalmente nos membros, ocorrendo em um lado do corpo de cada vez, são sintomas muito comuns da esclerose múltipla e aparecem em quase 100% dos casos ao longo do curso da doença.

Fenômeno de Lhermitte

Sensação de choque elétrico que se irradia pela coluna vertebral, desencadeado por movimentos da cabeça e do pescoço é chamado Fenômeno de Lhermitte. É um sintoma típico da esclerose múltipla, mas pode também ocorrer em outras doenças neurológicas.

Tonturas e vertigens

Até 50% dos pacientes com esclero múltipla podem apresentar tonturas. Esse sintoma geralmente surge em pacientes com acometimento da face pela doença, como dormências e alterações oculares e auditivas.

Sintomas motores

Tremores, alterações na marcha, diminuição de força muscular e paralisias dos membros ocorrem por lesão dos neurônios da medula. A perda de força é inicialmente unilateral, mas torna-se bilateral em fases avançadas. O acometimento dos membros inferiores é tipicamente mais intenso do que nos membros superiores.

Lista de sintomas da esclerose múltipla
Sintomas da esclerose múltipla

Incapacidade de controlar a bexiga e os intestinos

A lesão dos nervos da medula além de causar fraqueza muscular nos membros inferiores, também pode provocar uma perda do controle do esfincter anal e da bexiga, provocando incontinência fecal e urinária.

A esclerose múltipla se manifesta alternando períodos de ataques com remissões. O doente apresenta sintomas agudos que duram dias a semanas, e depois somem, podendo deixar ou não sequelas. O paciente permanece assintomático até um segundo ataque, que também desaparece. Conforme os ataques vão se acumulando, eles ficam cada vez mais agressivos e as sequelas vão se somando, de modo que o paciente vai ficando progressivamente pior ao final de cada exacerbação.

A sobrevida dos pacientes com esclerose múltipla atualmente é de 30 a 40 anos. Pacientes que após 10 ou 15 anos de doença possuem pouca ou nenhuma sequela são aqueles com melhor prognóstico, apresentando maior tempo e qualidade de vida.

Evolução da doença

A esclerose múltipla pode ter apresentações distintas entre os pacientes. Há alguns padrões de comportamento são bem conhecidos.

Esclerose Múltipla Remitente Recorrente (EMRR) ou surto remissão.

Esta forma de esclerose múltipla é caracterizada por surtos de início súbito, mas de curta duração, seguidos por recuperação completa (ou parcial com sequelas mínimas). Não há progressão da doença fora dos períodos de surtos, e o paciente pode ficar meses ou anos sem sinais da esclerose múltipla. Este padrão de EM é responsável por 85 a 90% dos casos iniciais. No entanto, a maioria dos pacientes com EMRR irá eventualmente entrar numa fase progressiva da doença, chamada Esclerose Múltipla Secundaria Progressiva (EMSP).

Esclerose Múltipla Secundaria Progressiva (EMSP)

A esclerose múltipla secundária progressiva ocorre quando há agravamento da forma Esclerose Múltipla Remitente Recorrente (EMRR), geralmente 15 a 20 anos após o início da doença. Nesta forma as crises se tornam mais frequentes e as sequelas começam a se acumular. O paciente agora pode evoluir com piora dos sintomas mesmo sem haver crises agudas.

Esclerose Múltipla Primária Progressiva (EMPP)

A esclerose múltipla progressiva primária é caracterizada pela progressão rápida da doença desde fases iniciais. O paciente pode não ter surtos, mas vai acumulando sintomas e sequelas progressivamente. Este tipo tem prognóstico pior e representa cerca de 10 por cento dos casos. Surge habitualmente em pacientes que desenvolvem EM após os 40 anos.

Diagnóstico

Não existe um exame único que estabeleça o diagnóstico da esclerose múltipla. O diagnóstico é feito através da interpretação dos sintomas e de alguns exames completares.

Os exames mais usados para a elucidação do quadro são a ressonância magnética nuclear do sistema nervoso central, a análise do líquido cefalorraquidiano, obtido através da punção lombar, e o teste de potencial evocado, que consiste na avaliação da resposta do organismo a pequenos choques elétricos, que estimulam nervos periféricos da visão ou dos músculos.

Tratamento

Infelizmente, ainda não existe um tratamento amplamente disponível que cure a esclerose múltipla. Há tratamentos experimentais promissores, conforme veremos no tópico a seguir, mas estes ainda estão em fases de testes e não fazem parte, ainda, do tratamento habitual da esclerose múltipla.

Como se trata de uma doença de origem imunológica, o tratamento da EM baseia-se em drogas que ajam no sistema imunológico. A terapia é divida em tratamento nas crises e tratamento durante a remissão.

Tratamento das crises de esclerose múltipla

Os corticoides são os fármacos mais usados durante os surtos. O tratamento é chamado pulsoterapia e consiste na administração de doses elevadas de corticoides (habitualmente metilprednisolona) por via venosa durante 5 dias.

Nos casos de surto grave, com pouca resposta aos corticoides, indica-se a realização da plasmaferese, um procedimento parecido com a hemodiálise, que serve para limpar o sangue dos anticorpos danosos.

Tratamento da esclerose múltipla durante a remissão

Já existem medicamentos para tratar os pacientes fora da crise, visando reduzir as consequências e o aparecimento de novos surtos. Este tratamento, chamado terapia modificadora da doença (TMD), é especialmente eficaz em casos de esclerose múltipla recorrente remitente (EMRR). Não cura a EM, mas melhora consideravelmente o seu prognóstico.

As evidências disponíveis sugerem que vários anticorpos monoclonais (natalizumab, ocrelizumab, alemtuzumab e ofatumumab) e um TMD oral (cladribina) têm a maior eficácia, enquanto o fingolimode oral e o fumarato de dimetilo oral têm eficácia intermediária, e a teriflunomida oral e os TMD injetáveis ​​mais antigos (interferons e glatirâmero) têm a menor eficácia.

TMD mais eficaz para o tratamento inicial:

  • Natalizumabe intravenoso.
  • Ocrelizumabe intravenoso.
  • Ofatumumabe subcutâneo.

TMD de eficácia intermediária para tratamento inicial:

  • Fumarato de dimetilo, fumarato de diroximel ou fumarato de monometilo por via oral.
  • Fingolimode oral.

TMD menos eficaz para o tratamento inicial:

  • Teriflunomida oral.
  • Interferon beta-1a humano recombinante intramuscular.
  • Interferon beta-1a humano recombinante subcutâneo.
  • Interferon beta-1a humano recombinante peguilado subcutâneo.
  • Interferon beta-1b humano recombinante subcutâneo.
  • Acetato de glatirâmero subcutâneo.


Ao escolher entre os TMD disponíveis, o médico deve incorporar fatores prognósticos, valores, preferências individuais do paciente e fatores relacionados ao medicamento (perfil de efeitos adversos, custo, disponibilidade e carga de administração).

As seguintes opções são guias razoáveis ​​para selecionar a terapia:

  • Para pacientes com doença altamente ativa e para pacientes que valorizam muito a eficácia e são relativamente tolerantes ao risco, pode ser iniciada uma terapia altamente eficaz com natalizumabe ou ocrelizumabe intravenoso.
  • Para pacientes com doença menos ativa e que valorizam a conveniência de usar um medicamento autoadministrado em comparação com medicamentos que requerem injeções ou infusões, pode-se iniciar o fumarato de dimetila oral ou o fingolimode oral.
  • Para pacientes que valorizam mais a segurança e têm doença menos ativa, um dos interferons beta ou glatirâmero pode ser iniciado.

Tratamentos promissores

O transplante autólogo de medula óssea tem se mostrado em estudos preliminares uma opção muito promissora para que finalmente tenhamos uma cura da esclerose múltipla.

O tratamento é feito da seguinte forma: os médicos coletam e congelam as células-tronco da medula óssea, que estão em um estágio tão inicial de desenvolvimento, que ainda não adquiriram os defeitos que provocam a EM. A seguir, o sistema imunológico defeituoso do paciente é destruído com quimioterapia. O paciente fica completamente depletado das suas células de defesa. As células-tronco previamente coletadas são então re-infundidas no sangue para repopular o sistema imunológico.

Apesar da agressividade do tratamento e dos riscos de morte durante a fase em que o paciente encontra-se com o sistema imunológico destruído, os resultados têm sido animadores. A grande maioria dos pacientes submetidos a esse tratamento estão livres da doença e muitos que tinham sequelas graves voltaram a ser indivíduos plenamente ativos. É importante destacar que os estudos foram feitos com poucos pacientes e houve casos de mortes por infecção após a fase da quimioterapia.

Que o tratamento funciona, parece não haver dúvidas, a questão agora é torná-lo mais seguro para ele poder ser indicado para um número grande de pacientes.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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