Introdução
A vitamina D, também conhecida como calciferol, é uma substância essencial para a nossa saúde, sendo uma das responsáveis pelo controle dos níveis de cálcio e fósforo no sangue e nos ossos. Nos últimos anos, a vitamina D tem ganhado atenção na mídia e no meio médico por suas supostas ações contra infecções, câncer e doenças cardíacas.
Neste artigo faremos uma revisão do papel da vitamina D no organismo, esclarecendo quais são os seus reais benefícios e quais são apenas suposição ainda não comprovadas por estudos científicos. Falaremos também sobre os riscos da sua deficiência no organismo.
O que são as vitaminas?
As vitaminas são substâncias encontradas nos alimentos, sendo necessárias em pequenas quantidades para o funcionamento normal do metabolismo do corpo. Os seres humanos não conseguem produzir vitaminas (exceto pela vitamina D, como será explicado mais adiante) e, por isso, dependem da alimentação para manter os níveis sanguíneos necessários à saúde.
Existem 13 vitaminas essenciais, cada uma delas com uma ação específica no organismo. As vitaminas são importantes para a saúde, mas o seu real papel costuma ser superestimado.
As pessoas tendem a achar que as vitaminas são nutrientes que agem de forma generalizada no corpo, melhorando a força, combatendo cansaço, impedindo infecções, abrindo apetite, etc. Nada disso é real.
Cada vitamina tem ação específica e restrita. Por exemplo, a vitamina K é necessária para as reações que ativam a coagulação do sangue; a vitamina B12 é importante na formação das hemácias (glóbulos vermelhos); e a vitamina A é essencial na formação dos tecidos que revestem os olhos.
Precisamos de apenas pequenas quantidades de vitaminas no corpo. Algumas vitaminas quando consumidas em excessos, em vez de trazer benefícios, provocam intoxicações, um quadro chamado hipervitaminose.
Em um artigo à parte, descrevemos sucintamente o papel das principais vitaminas: Vitaminas: mitos, carência e superdosagem.
O que é a vitamina D?
A vitamina D é uma substância cuja maior ação se dá no controle dos níveis de cálcio no sangue e na saúde dos ossos. O calciferol possui uma particularidade em relação às outras vitaminas: além de ser adquirida através dos alimentos, ela também pode ser produzida pelo nosso próprio organismo, através da exposição solar. Portanto, enquanto todas as outras vitaminas só podem ser adquiridas na dieta, uma adequada exposição à luz do sol consegue prover quantidades suficientes de vitamina D para o nosso organismo.
Nos próximo parágrafos explicarei com mais detalhes a formação e a ativação da vitamina D no nosso corpo. Essa parte, apesar de parecer muito técnica e de ter nomenclaturas complicadas, será importante mais adiante quando falarmos da deficiência e da reposição de vitamina D. Tentarei ser o mais didático possível.
Existem duas formas básicas de vitamina D: colecalciferol (vitamina D3) e ergocalciferol (vitamina D2).
Ambas podem ser obtidas através de alimentos ou suplementos vitamínicos. A vitamina D3, porém, pode também ser produzida pelo nosso corpo. Através do colesterol consumido nos alimentos, conseguimos obter uma substância chamada 7-dehidrocolesterol. Este colesterol se deposita nas células da pele e, quando exposto à luz solar (raios UV-B), se transforma colecalciferol (vitamina D3).
Tanto o colecalciferol (vit.D3) quanto o ergocalciferol (vit.D2) são formas inativas da vitamina D. Para que a vitamina D possa exercer seus efeitos no organismo, mais duas metabolizações são necessárias.
O processo se dá da seguinte maneira: as vitaminas D3 e D2 obtidas na alimentação e/ou exposição solar são transportadas para o fígado, onde serão transformadas em calcidiol (25-hidroxivitamina D). O calcidiol é a forma que o corpo usa para armazenar a vitamina D. Por isso, quando queremos saber se o paciente tem níveis adequados de calciferol no corpo, dosamos no sangue os níveis de 25-hidroxivitamina D (25OH vit D).
Quando o organismo sente necessidade de agir sobre os níveis de cálcio do sangue e dos ossos, uma parte desta 25-hidroxivitamina D é transportada até o rins, onde sofrerá o último processo de metabolização, transformando-se em calcitriol (1,25-hidroxivitamina D), esta sim a forma ativa da vitamina D.
Portanto, resumindo, a obtenção e ativação da vitamina D podem seguir dois caminhos:
- Alimentos » fígado » rins.
- Pele » fígado » rins.
Exposição solar
O colecalciferol (vit.D3) formado após exposição solar é a melhor e mais fácil fonte de vitamina D que podemos obter. A variedade de alimentos ricos em vitamina D é pequena, por isso, uma exposição solar frequente é necessária para o corpo conseguir ter reservas adequadas de vitamina D.
Populações que vivem em países de clima temperado são as que mais sofrem com a falta de vitamina D. Além da menor incidência de sol nos meses de inverno e outono, o frio faz com que as pessoas saiam menos de casa, e quando o fazem, precisam usar roupas grossas e compridas, impedindo o contato da pele com o sol, mesmo em dias ensolarados. Na Europa, cerca de metade da população chega ao final do inverno com níveis baixos de calcidiol (25-hidroxivitamina D), caracterizando deficiência de vitamina D.
Para quem vive em países com elevada exposição solar, como o Brasil, o risco de deficiência desta vitamina deveria ser bem baixo, mas não é. Na verdade, a quantidade de sol que uma região recebe por ano é importante, mas há outros fatores que influenciam na capacidade da pele de produzir colecalciferol a partir dos raios UV-B. Exemplos:
- No Oriente Médio, a exposição solar anual é bem elevada, entretanto, essa região apresenta altas taxas de carência de vitamina D. O principal motivo é cultural, devido ao costume de se usar roupas compridas, que cobrem toda a superfície corporal, limitando o contato da pele com os raios solares.
- A idade é outro fator importante também. Com o passar dos anos, a pele vai ficando cada vez menos eficiente em produzir vitamina D, tornado os idosos um grupo com elevado risco para deficiência desta vitamina. Além da baixa eficiência da pele, os idosos costumam ter um consumo mais baixo de vitamina D na dieta, se expõem menos ao sol e muitas vezes passam o dia fechados em casa ou em lares para terceira idade. Em alguns países da Europa, mais de 80% da população idosa apresenta carência de vitamina D. Mesmo no Brasil, estima-se que metade da população idosa sofra desta carência.
- Com a maior conscientização da população em relação aos riscos de câncer de pele devido à exagerada exposição solar, é crescente o número de pessoas que evitam tomar banho de sol, pleos risco de melanoma. Além disso, o uso frequente de protetor solar com elevado fator de proteção bloqueia os raios UV-B, impedindo que os mesmos estimulem a produção de vitamina D na pele.
- A cor da pele é outro importante fator. A melanina, presente em grande quantidade nas pessoas de pele mais escura, é um pigmento que nos protege contra os raios UV-A e UV-B. A melanina é a responsável pela menor incidência de câncer de pele em pessoas negras e pardas. Porém, a melanina não bloqueia só os efeitos maléficos dos raios ultravioleta. Pessoas de pele mais escura precisam ficar mais tempo ao sol para que sua pele produza mesma quantidade de colecalciferol que pessoas mais brancas. A falta de vitamina D em negros é muito comum, principalmente naqueles que vivem em países com baixa incidência solar.
Em geral, pessoas de pele clara precisam de 5 a 10 minutos de exposição solar 2 a 3 vezes por semana. Já pessoas de pele mais escura precisam de 30 minutos, três vezes por semana para obter o mesmo resultado. O melhor horário é entre 10h e 15h. O sol do início da manhã ou no final da tarde é muito fraco, não tendo capacidade de estimular a produção de vitamina D.
Alimentos ricos em vitamina D
Poucos alimentos são realmente ricos em vitamina D, exceto aqueles que cuja vitamina é adicionada artificialmente. Na verdade, essa relativa falta de vitamina D na maioria dos alimentos não é um problema grave, pois nosso organismo “foi feito” para obter vitamina D primariamente do sol e não da alimentação.
Porém, pessoas que não são expostas adequadamente ao sol, seja porque moram em países com baixa exposição solar ao longo do ano ou porque passam o dia fechados em instituições, escritórios ou mesmo dentro de casa, acabam precisando de uma dieta que contenha alimentos ricos em vitamina D.
Naturalmente, os peixes oleosos são as principais fontes, principalmente o óleo de fígado de bacalhau, atum enlatado, salmão e sardinha. Outras fontes de vitamina D são a gema do ovo, cogumelos e o bife de fígado. Atualmente, os derivados de leite também são fontes ricas desta vitamina, mas somente porque eles são artificialmente enriquecidos. Portanto, leite industrializado, queijos e iogurtes também são alimentos que contêm vitamina D.
Ao contrário da crença popular, frutas e vegetais não são fontes ricas em vitamina D.
Conforme veremos mais adiante, uma dose de 600 a 800 UI são necessárias para manter os níveis de vitamina D na maioria dos adultos. Como comparação, observe a quantidade de vitamina D presente em alguns exemplos de alimentos:
FONTES DE VITAMINA D:
- Óleo de fígado de bacalhau – 1 colher de chá contém 450 UI; 1 colher de sobremesa contém 1350 UI.
- Arenque cru – 100 g contêm 1628 UI.
- Salmão-vermelho cru, enlatado ou cozido – 75 g contêm 600 UI.
- Salmão-rosa cru, enlatado ou cozido – 75 g contêm cerca 500 UI.
- Atum – 75 g contêm cerca de 200 UI.
- Ovos – 2 unidades grandes contêm cerca de 80 UI.
- Bife de vaca – 75 g contêm cerca de 36 UI.
Benefícios
O principal papel da vitamina D é controlar o metabolismo do cálcio e do fósforo, mantendo os ossos saudáveis. Crianças com deficiência desta vitamina desenvolvem raquitismo e adultos sofrem de osteomalácia e osteoporose. Idosos com falta de vitamina D apresentam também menor força muscular e maior risco de quedas e fratura do colo do fêmur.
Nos últimos anos uma grande quantidade de estudos têm surgido, sugerindo outros benefícios da vitamina D, além do controle do metabolismo do cálcio.
Entre as doenças que podem estar relacionadas com a falta de vitamina D podemos citar:
- Câncer.
- Doenças cardiovasculares.
- Hipertensão.
- Diabetes.
- Doença de Alzheimer.
- Esclerose múltipla.
- Doenças autoimunes.
É importante frisar que os benefícios cientificamente comprovados da vitamina D são apenas aqueles ligados aos ossos e o metabolismo do cálcio. Todas as outras supostas ações não estão 100% comprovadas. O que existem são estudos preliminares, que parecem ser reais, mas que precisam ainda serem comprovados por estudos em larga escala.
Deficiência
Como a vitamina D é armazenada no organismo sob a forma de calcidiol (25-hidroxivitamina D), este é o tipo de vitamina D mais abundante no nosso sangue. Por isso, a 25-hidroxivitamina D é a substância que dosamos quando queremos saber se o corpo tem quantidades adequadas de vitamina D.
Umas das grandes dificuldades atualmente na medicina é descobrir quais são os valores ideais de calcidiol (25-hidroxivitamina D). Ao longo dos anos, conforme os estudos vão elucidando o papel da vitamina D no organismo, os valores considerados normais vêm se alterando.
Atualmente, os valores mais aceitos como adequados são entre 20 e 40 ng/mL. Porém, é possível encontrar fontes bibliográficas que dizem que os valores ideais de 25-hidroxivitamina D são acima de 50 ng/mL ou até 75 ng/mL.
Níveis superiores a 90 ng/mL costumam ser considerados potencialmente tóxicos.
Suplementos
Como os especialistas ainda não chegaram ao um consenso sobre quais são os níveis adequados de 25-hidroxivitamina D, os critérios para se indicar suplementos de vitamina D mantêm-se confusos. Há médicos que indicam suplementos quando os níveis de 25-hidroxivitamina D estão abaixo de 50 ng/mL, enquanto outros somente quando abaixo de 30 ou 20 ng/mL.
As normas da Sociedade Americana de Endocrinologia sugerem suplementação de vitamina D, visando manter a concentração de 25-hidroxivitamina D acima de 30 ng/mL. Habitualmente, a dose de 600 a 800 UI por dia é suficiente para atingir este alvo. A suplementação com colecalciferol (vitamina D3) é mais indicada que com ergocalciferol (vit.D2), apesar desta última também ser uma opção aceitável.
Em pessoas com deficiência mais grave, como nos casos de 25-hidroxivitamina D em níveis abaixo de 20 ou 15 ng/dl, doses diárias mais elevadas de vitamina D, como até 2.000 UI, podem ser necessárias.
Se for possível realizar alterações na dieta e no padrão de exposição solar, muitas vezes o paciente consegue alcançar níveis de 25-hidroxivitamina D adequados sem suplementos. É bom lembrar que um bom prato de salmão chega a fornecer 1.000 UI de vitamina D e 30 minutos de exposição solar pode produzir 10.000 UI de vitamina D.
Os idosos, porém, são o grupo que tem mais dificuldade de corrigir sua deficiência de vitamina D sem a ajuda de suplementos. Quem mora em locais mais frios também costuma precisar de suplementos de vitamina D, principalmente no inverno.
Como os pacientes com doença do fígado ou dos rins são normalmente incapazes de metabolizar adequadamente as vitaminas D2 e D3, a reposição costuma ser feita diretamente com 25-hidroxivitamina D ou 1,25-hidroxivitamina D.
Vitamina D ajuda contra a COVID-19?
Alguns estudos observacionais mostram que os pacientes com deficiência de vitamina D parecem ter evolução menos favorável na COVID-19, mas ainda não existem ensaios clínicos controlados (tipo de estudo científico considerado de maior qualidade) comprovando essa relação.
É sempre bom lembrar que correlação não implica necessariamente em causalidade. Pacientes idosos costumam ter deficiência de vitamina D e estes também são o principal grupo de risco na COVID-19. Os pacientes podem estar morrendo apenas por serem mais idosos, e não porque têm menos vitamina D.
No entanto, como a reposição de vitamina D em pacientes com deficiência não faz mal, apesar de ainda não haver evidências claras do benefício para COVID-19, parece ser uma boa conduta tentar manter os níveis sanguíneos dentro da faixa da normalidade. Em princípio, mal não faz.
Referências
- Evaluation, Treatment, and Prevention of Vitamin D Deficiency: an Endocrine Society Clinical Practice Guideline – The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.
- Vitamin D – NIH.
- Vitamin and mineral requirements in human nutrition – World Health Organization.
- Vitamin D deficiency in adults: Definition, clinical manifestations, and treatment – UpToDate.
- Overview of vitamin D – UpToDate.
- Vitamin D insufficiency and deficiency in children and adolescents – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.