Síndrome metabólica: o que é, critérios e tratamento

A síndrome metabólica é um conjunto de fatores de risco que aumentam a chance de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Entenda as causas, sintomas, diagnóstico e as principais opções de tratamento baseadas em evidências.

Dr. Pedro Pinheiro
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Síndrome metabólica

Tempo de leitura estimado do artigo: 6 minutos

O que é a síndrome metabólica?

A síndrome metabólica é um conjunto de alterações clínicas e metabólicas que, quando presentes em conjunto, aumentam significativamente o risco de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC), diabetes tipo 2 e outras condições crônicas. A síndrome metabólica não é uma doença única, mas sim uma combinação de fatores de risco que costumam ocorrer juntos e têm como denominador comum a resistência à insulina.

Esses fatores incluem, principalmente, obesidade abdominal, pressão arterial elevada, níveis elevados de triglicerídeos, nível baixo de HDL (o “bom colesterol”) e glicemia de jejum elevada. A presença de pelo menos três desses componentes caracteriza o diagnóstico de síndrome metabólica.

A síndrome é considerada uma condição de base pró-inflamatória e pró-trombótica, o que significa que ela favorece tanto a inflamação crônica de baixo grau quanto a formação de coágulos sanguíneos — dois mecanismos centrais para o desenvolvimento de infartos, AVC e complicações metabólicas.

Com a crescente prevalência de obesidade, sedentarismo e hábitos alimentares inadequados, a síndrome metabólica tornou-se uma preocupação de saúde pública global. Identificá-la precocemente é essencial para prevenir complicações a longo prazo e implementar mudanças no estilo de vida que possam reverter o quadro.

O que é resistência à insulina?

A resistência à insulina é uma condição metabólica na qual as células do corpo — especialmente as do músculo, fígado e tecido adiposo — não respondem de forma adequada à insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas que tem a função de facilitar a entrada da glicose (açúcar) nas células para ser utilizada como fonte de energia.

Como consequência dessa má resposta à insulina, o organismo precisa produzir quantidades cada vez maiores do hormônio para conseguir manter os níveis de glicose no sangue dentro da faixa normal. Esse estado de hiperinsulinemia compensatória pode se manter por meses ou anos, mas eventualmente leva a um descontrole da glicemia, favorecendo o surgimento de pré-diabetes e, posteriormente, diabetes tipo 2.

A resistência à insulina não apenas aumenta os níveis de glicose e insulina no sangue, mas também interfere em vários outros processos metabólicos. Entre as consequências mais comuns estão:

  • Acúmulo de gordura visceral (na região abdominal), mesmo com peso corporal aparentemente normal.
  • Aumento dos triglicerídeos e redução do colesterol HDL (“bom colesterol”).
  • Elevação da pressão arterial.
  • Estado inflamatório crônico de baixo grau, associado a risco cardiovascular elevado.

Essas alterações formam a base fisiopatológica da síndrome metabólica. A resistência à insulina é, portanto, considerada o elemento central e desencadeador desse conjunto de distúrbios.

Fatores de risco para resistência à insulina:

  • Predisposição genética (história familiar de diabetes tipo 2).
  • Obesidade abdominal.
  • Estilo de vida sedentário.
  • Dieta rica em açúcares refinados e gorduras saturadas.
  • Síndrome dos ovários policísticos (SOP), especialmente em mulheres jovens.
  • Distúrbios do sono, como apneia obstrutiva do sono.
  • Envelhecimento.

A boa notícia é que a resistência à insulina pode ser revertida, especialmente em seus estágios iniciais, por meio de mudanças no estilo de vida, como alimentação saudável, prática regular de exercícios físicos e controle do peso corporal.

Critérios da síndrome metabólica

A síndrome metabólica é diagnosticada quando uma pessoa apresenta pelo menos três de cinco critérios clínicos e laboratoriais bem definidos, que indicam maior risco para doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.

O conjunto de critérios mais utilizado internacionalmente é o definido pelo National Cholesterol Education Program – Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III). Segundo essa definição, os cinco componentes da síndrome metabólica são:

  1. Obesidade abdominal (gordura central):
    • Circunferência abdominal maior que 102 cm em homens ou 88 cm em mulheres.
    • Em populações asiáticas e latino-americanas, alguns especialistas sugerem limites mais baixos: ≥ 90 cm para homens e ≥ 80 cm para mulheres.
  2. Triglicerídeos elevados:
    • Níveis ≥ 150 mg/dL ou uso de medicamento para controle dos triglicerídeos.
  3. Colesterol HDL reduzido (colesterol “bom”):
  4. Pressão arterial elevada:
    • ≥ 130/85 mmHg, ou uso de medicamento anti-hipertensivo.
  5. Glicemia de jejum elevada (pré-diabetes):
    • ≥ 100 mg/dL, ou uso de medicação para controle da glicose.
    • Alguns consensos também aceitam hemoglobina glicada ≥ 5,7% como critério alternativo.

O diagnóstico é confirmado quando o paciente preenche três ou mais desses critérios — não é necessário ter todos.

Por que esse conjunto de critérios é importante?

A relevância do diagnóstico da síndrome metabólica está no fato de que os componentes não apenas coexistem, mas também se potencializam mutuamente. Ou seja, a presença combinada de hipertensão arterial, obesidade abdominal e pré-diabetes, por exemplo, aumenta o risco cardiovascular mais do que a soma isolada de cada fator.

A síndrome representa um estado de disfunção metabólica generalizada, que favorece:

  • Inflamação crônica de baixo grau.
  • Disfunção endotelial.
  • Formação de placas ateroscleróticas.
  • Resistência insulínica persistente.

Esses mecanismos explicam por que a síndrome metabólica multiplica o risco de infarto, AVC, insuficiência renal, diabetes tipo 2 e outras doenças crônicas graves.

Fatores de risco para síndrome metabólica

A síndrome metabólica é resultado da interação entre predisposição genética e fatores ambientais, especialmente aqueles relacionados ao estilo de vida. Ela costuma se desenvolver ao longo dos anos, principalmente em pessoas com hábitos pouco saudáveis ou condições clínicas subjacentes.

A seguir, os principais fatores de risco associados:

Excesso de peso corporal

  • O fator isolado mais fortemente associado à síndrome metabólica.
  • Obesidade abdominal (gordura acumulada na região da cintura) é o maior preditor.
  • Mesmo pessoas com IMC dentro da faixa normal, mas com circunferência abdominal aumentada, podem ter risco elevado.

Sedentarismo

  • A falta de atividade física reduz a sensibilidade à insulina e favorece o acúmulo de gordura visceral.
  • Movimentar-se regularmente melhora o metabolismo da glicose, da gordura e da pressão arterial.

Dieta pobre em qualidade nutricional

  • Alimentação rica em carboidratos refinados, açúcar, bebidas ultraprocessadas, frituras e gorduras saturadas aumenta o risco.
  • Dietas com alto índice glicêmico contribuem para resistência à insulina e dislipidemia.

Envelhecimento

  • A prevalência da síndrome metabólica aumenta com a idade, principalmente após os 40 anos.
  • Alterações hormonais e metabólicas com o passar do tempo favorecem o quadro.

Menopausa

  • Em mulheres, a queda dos níveis de estrogênio após a menopausa está associada a maior resistência à insulina e redistribuição de gordura para o abdômen.

Histórico familiar

  • Ter familiares com diabetes tipo 2, hipertensão ou dislipidemia aumenta significativamente o risco.

Tabagismo

Baixo nível socioeconômico

  • Pessoas em situação de vulnerabilidade social têm maior acesso a alimentos ultraprocessados, menor acesso a cuidados médicos e menos oportunidades de praticar atividade física.

Prevalência da síndrome metabólica

Estudos populacionais mostram que a síndrome metabólica está se tornando cada vez mais comum no mundo todo. No Brasil, uma pesquisa conduzida pela UFMG em 2020 estimou uma prevalência de 38,4% na população adulta — praticamente 4 em cada 10 brasileiros.

Nos Estados Unidos, os dados do estudo NHANES III mostraram que a prevalência era:

  • 5% em pessoas com peso normal.
  • 22% em pessoas com sobrepeso.
  • E até 60% em pessoas com obesidade.

Essa alta prevalência é preocupante, pois indica que uma grande parcela da população já está em risco aumentado de doenças cardiovasculares, diabetes e complicações metabólicas graves.

Implicações clínicas da síndrome metabólica

A presença da síndrome metabólica representa um importante marcador de risco para o desenvolvimento de múltiplas doenças crônicas, muitas delas com potencial de comprometer seriamente a qualidade de vida e a longevidade do paciente.

Risco aumentado de diabetes tipo 2

O risco de desenvolver diabetes mellitus tipo 2 é de 3 a 5 vezes maior em pessoas com síndrome metabólica. Isso ocorre porque a resistência à insulina, característica central da síndrome, já representa um estágio inicial do espectro do diabetes.

Mesmo antes do diagnóstico formal de diabetes, esses indivíduos frequentemente apresentam hiperglicemia e danos metabólicos progressivos.

Risco cardiovascular elevado

A síndrome metabólica duplica o risco de doença arterial coronariana e infarto do miocárdio, e aumenta significativamente a chance de acidente vascular cerebral (AVC).

Isso se deve à combinação de múltiplos fatores de risco cardiovasculares coexistentes, como hipertensão, dislipidemia, obesidade visceral e inflamação crônica. O estado pró-inflamatório e pró-trombótico observado nesses pacientes também favorece a aterosclerose acelerada.

Outras doenças associadas à síndrome metabólica

Além do diabetes e das doenças cardiovasculares, pessoas com síndrome metabólica apresentam maior risco para diversas outras condições, entre elas:

Impacto sistêmico e inflamatório

O tecido adiposo visceral age como um órgão endócrino ativo, liberando citocinas inflamatórias e substâncias que interferem na regulação da pressão arterial, metabolismo da glicose e lipídios. Isso perpetua um estado inflamatório crônico de baixo grau que está fortemente implicado nas doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e autoimunes.

Tratamento da Síndrome Metabólica

O manejo da síndrome metabólica deve começar por mudanças no estilo de vida, especialmente com foco em alimentação saudável e prática regular de exercícios físicos. A adoção dessas medidas é essencial e deve preceder qualquer intervenção farmacológica, embora o uso de medicamentos possa ser necessário quando as estratégias não farmacológicas não forem suficientes para controlar os fatores de risco.

Objetivos do tratamento

As metas terapêuticas no tratamento da síndrome metabólica são:

  • Tratar as causas subjacentes, com ênfase na redução do peso corporal e no aumento da atividade física;
  • Controlar os fatores de risco cardiovascular, caso persistam mesmo após a modificação do estilo de vida.

Alimentação

A base do tratamento é uma dieta balanceada, que promova a perda de peso e o controle metabólico. Os pacientes devem:

  • Evitar alimentos ricos em carboidratos simples, como refrigerantes, doces, chocolates e produtos ultraprocessados, bem como alimentos com alto teor de gorduras saturadas, como frituras, fast food e carnes gordurosas;
  • Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, que contribuem para o acúmulo de gordura visceral e o descontrole glicêmico;
  • Priorizar alimentos naturais e ricos em fibras, como frutas, verduras, legumes, grãos integrais e proteínas magras.

Essas escolhas favorecem o controle da glicemia, dos lipídios séricos e da pressão arterial, além de auxiliarem na perda de peso.

Exercícios físicos

A prática regular de atividade física é um dos pilares do tratamento da síndrome metabólica. Recomenda-se:

  • No mínimo 150 minutos por semana de exercício físico de intensidade moderada, como caminhada rápida, distribuídos ao longo de vários dias;
  • Com o tempo, o nível de atividade pode e deve ser gradualmente aumentado, conforme o condicionamento físico do paciente evolui;
  • Combinação de exercícios aeróbicos e resistidos (musculação) é ideal, pois favorece simultaneamente a queima de gordura, o ganho de massa muscular e a melhora da sensibilidade à insulina.

Os benefícios esperados incluem a redução do percentual de gordura corporal, aumento da massa magra, melhora da função cardiovascular e controle mais eficaz da pressão arterial e da glicemia.

Perda de peso

  • A redução de 5 a 10% do peso corporal já proporciona melhora significativa na resistência à insulina, triglicerídeos, HDL e pressão arterial.
  • O emagrecimento é, comprovadamente, o fator com maior impacto na reversão da síndrome metabólica.

Tratamento farmacológico

Nos casos em que as mudanças no estilo de vida não forem suficientes para atingir as metas terapêuticas, a introdução de medicamentos pode ser necessária. As opções incluem:

Nos últimos anos, novas classes de medicamentos com múltiplos benefícios têm sido incorporadas ao arsenal terapêutico, especialmente para pacientes com obesidade:

  • Agonistas do receptor do GLP-1, como a semaglutida, que promovem perda de peso, melhoram o controle glicêmico e reduzem o risco cardiovascular;
  • Agentes com ação dual, como a tirzepatida, que atuam tanto no receptor de GLP-1 quanto no GIP, oferecendo efeitos sinérgicos sobre a redução de peso, controle da resistência à insulina e proteção cardiovascular.

Tratamento da síndrome metabólica em crianças e adolescentes

A prevalência da síndrome metabólica em crianças e adolescentes tem aumentado nas últimas décadas, impulsionada sobretudo pelo sedentarismo e pela obesidade infantil. Ainda não há consenso definitivo sobre os critérios diagnósticos mais apropriados para essa faixa etária, embora frequentemente sejam utilizados os critérios do Adult Treatment Panel III (ATPIII), adaptados com pontos de corte específicos para idade, sexo e percentis populacionais de circunferência abdominal.

As abordagens terapêuticas nessa população devem priorizar medidas não farmacológicas:

  • Dieta equilibrada, com foco em alimentos in natura, como frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras, e na restrição de açúcares adicionados, gorduras saturadas e alimentos ultraprocessados;
  • Atividade física diária, com recomendação de pelo menos 60 minutos de exercício moderado a vigoroso;
  • Redução do tempo de tela, limitando o uso de dispositivos eletrônicos e incentivando comportamentos mais ativos.

Em casos mais graves, ou quando as intervenções iniciais não forem suficientes para controlar os fatores de risco, pode-se considerar o encaminhamento para acompanhamento com nutricionista e, em situações selecionadas, o uso de medicamentos sob supervisão rigorosa de um especialista.


Referências


Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.


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