Tirzepatida (Mounjaro): o que é, para que serve e como tomar

Dr. Pedro Pinheiro

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Tempo de leitura estimado do artigo: 6 minutos

O que é a tirzepatida?

A tirzepatida, comercializada sob o nome Mounjaro®, representa a inovação mais recente na linha de medicamentos destinados ao tratamento do diabetes mellitus tipo 2, destacando-se por seus resultados significativos também no manejo da obesidade e do sobrepeso. Este fármaco junta-se a outros como a liraglutida (Saxenda®), dulaglutida (Trulicity®) e semaglutida (Ozempic®, Wegovy® e Rybelsus®), que já têm demonstrado excelentes resultados nestas áreas.

Diferentemente dos medicamentos mencionados, classificados como agonistas dos receptores do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1), a tirzepatida possui um mecanismo de ação dual, atuando não só como um agonista dos receptores do GLP-1, mas também dos polipeptídios insulinotrópicos dependentes de glicose (também chamado de polipeptídio inibitório gástrico [GIP]). Essa dupla ação é responsável por um desempenho superior da tirzepatida nos estudos clínicos.

Até o momento, a tirzepatida recebeu aprovação da Anvisa, da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos e da European Medicines Agency, exclusivamente para o tratamento de adultos com diabetes tipo 2. A autorização para sua utilização específica no tratamento da obesidade ainda está pendente de aprovação pelas principais agências reguladoras de medicamentos globais. No entanto, antecipa-se que esta aprovação possa ocorrer entre o final de 2023 e o início de 2024.

Nota1: este artigo não aspira ser uma bula integral da tirzepatida. Ao invés disso, nosso objetivo é fornecer uma visão menos técnica e mais acessível, visando auxiliar pacientes que buscam informações práticas e compreensíveis sobre este medicamento. O que se segue é um resumo, destinado ao público leigo, que condensa as informações cruciais encontradas em estudos clínicos e bulas disponibilizadas por laboratórios farmacêuticos.

Nota2: o autor deste artigo declara que não tem afiliação, associação, parceria ou envolvimento financeiro com a empresa farmacêutica que produz a tirzepatida ou qualquer outra empresa relacionada à indústria farmacêutica. Este artigo é um trabalho independente, não financiado, e as opiniões, interpretações e conclusões expressas aqui são unicamente do autor e não representam as visões ou políticas de qualquer organização ou entidade. O autor não recebeu compensação financeira ou qualquer outra forma de incentivo ou apoio para escrever este artigo.

Para que serve a tirzepatida?

Ao contrário do que ocorre com os fármacos da classe dos GLP-1 (liraglutida, dulaglutida ou semaglutida), que podem ser indicados para o tratamento da obesidade, mesmo nos pacientes sem diabetes, até a última atualização deste artigo, a tirzepatida apresenta apenas uma indicação oficial: tratamento do diabetes mellitus tipo 2.

Diabetes tipo 2

Assim como no caso dos GLP-1, a tirzepatida pode ser utilizada como segundo medicamento para pacientes com diabetes tipo 2 que não conseguem controlar a glicemia apenas com metformina, ou como primeira opção de tratamento nos pacientes que não podem tomar metformina.

Um estudo de 2021 publicado em New England Journal of Medicine, com 40 semanas de tratamento, comparou a tirzepatida com a semaglutida em 1.878 participantes com diabetes tipo 2. A tirzepatida mostrou-se superior à semaglutida tanto no controle da hemoglobina glicada quanto na redução do peso corporal.

Diabéticos com doença cardiovascular ou renal

Os agonistas dos receptores do GLP-1 também são indicados nos pacientes diabéticos com doença cardiovascular e/ou doença renal estabelecida, pois esses medicamentos já apresentam estudos clínicos que comprovam benefício nesse grupo de pacientes.

Como a tirzepatida ainda é uma droga muito nova, não há estudos conclusivos sobre o seu benefício nesses pacientes. Por ser um medicamento como mecanismo de ação dual (GLP-1 e GIP) é bem provável que a tirzepatida tenha resultados semelhantes ou até melhores que os agonistas simples da GLP-1, porém, até esse benefício ser comprovado por ensaios clínicos, a preferência nesses pacientes deve ser por liraglutida, dulaglutida ou semaglutida.

Perda de peso

Diversos estudos clínicos demonstram que a tirzepatida é superior aos tradicionais agonistas dos receptores do GLP-1 em relação à perda de peso, nos pacientes com e sem diabetes. Em um dos estudos, a perda de peso com o uso da tirzepatida chegou a ser, em média, de 23 quilos após 18 meses de uso contínuo do fármaco. Outros estudos apontam para perdas entre 15 e 16 kg. Esses resultados são superiores aos obtidos com a semaglutida, o GLP-1 com melhor desempenhos nos estudos em relação à perda de peso.

No entanto, como já referido, a utilização da tirzepatida para o tratamento da obesidade e sobrepeso aguarda autorização pelas agências de saúde, que ainda estão avaliando os resultados dos ensaios clínicos.

Portanto, a utilização do Mounjaro para emagrecer ainda é classificada como uso off-label.

Mecanismo de ação

A tirzepatida possui um mecanismo de ação dual, atuando como um agonista* de dois importantes receptores: o receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) e o receptor do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose ou peptídeo inibidor gástrico (GIP).

* Um agonista é uma substância que se liga a um receptor celular e ativa esse receptor para produzir uma resposta biológica. Em outras palavras, um agonista mimetiza a ação de um neurotransmissor, hormônio ou outra substância endógena, induzindo uma resposta fisiológica quando se liga ao seu receptor específico. No caso dos medicamentos agonistas de GLP-1 e GIP, eles agem como se fossem os hormônios naturalmente produzidos pelo corpo.

Como agem os fármacos agonistas da GLP-1?

O peptídeo semelhante a glucagon 1 (GLP-1) é uma incretina, ou seja, uma substância produzida pelo pâncreas ou pelos intestinos que regula o metabolismo da glicose. Exemplos de incretinas são: insulina, glucagon, GLP-1 e GIP.

A GLP-1 é produzida no intestino delgado toda vez que nos alimentamos. Sua principal função é estimular a liberação de insulina pelo pâncreas.

Além do aumento da insulina circulante, o GLP-1 também age:

  • Bloqueando a liberação de glicose do fígado.
  • Diminuindo a secreção de glucagon quando a glicemia está alta.
  • Reduzindo o esvaziamento gástrico e a absorção de glicose pelo trato gastrointestinal.
  • Promovendo a saciedade, reduzindo a ingestão de alimentos.

Como a tirzepatida tem ação agonista dos receptores do GLP-1, ela age como se fosse um GLP-1 sintético, tendo as mesmas ações do GLP-1 produzido naturalmente no intestino.

Como agem os fármacos agonistas da GPI?

O GIP natural é produzido por células do intestino delgado. Ele se liga a um receptor específico de GIP expresso em vários tecidos, incluindo células beta pancreáticas, células alfa-pancreáticas, tecido adiposo, ossos e coração.

Após a alimentação, o GIP é co-secretado com o GLP-1, e eles parecem interagir de forma aditiva para potencializar a secreção de insulina induzida pela glicose.

Portanto, o GIP é outro hormônio incretina, e o agonismo do seu receptor pela tirzepatida contribui para:

  • Melhora da sensibilidade à insulina: potencializa a ação da insulina em tecidos periféricos como músculo e tecido adiposo.
  • Modulação do metabolismo lipídico: influencia o metabolismo de lipídios (gorduras), podendo contribuir para a redução do tecido adiposo.
  • O GIP também tem um efeito inibitório sobre a secreção de ácido gástrico no estômago, moderando a digestão e a absorção de nutrientes.

Apresentações

O Mounjaro, atualmente a única marca comercial da tirzepatida, deve ser administrado por via subcutânea. Para facilitar sua administração, o fabricante fornece canetas pré-cheias, já com a dose correta para aplicação.

As apresentações disponíveis do Mounjaro são:

  • Mounjaro 2,5 mg: A caneta pré-cheia contém 2,5 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
  • Mounjaro 5 mg: A caneta pré-cheia contém 5 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
  • Mounjaro 7,5 mg: A caneta pré-cheia contém 7,5 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
  • Mounjaro 10 mg: A caneta pré-cheia contém 10 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
  • Mounjaro 12,5 mg: A caneta pré-cheia contém 12,5 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
  • Mounjaro 15 mg: A caneta pré-cheia contém 15 mg de tirzepatida em 0,5 ml de solução.
Apresentações do Monjauro
Apresentações do Mounjaro

Preço do Mounjaro

O Mounjaro só foi aprovado pela Anvisa no Brasil em 25 de setembro de 2023. Ainda vão levar alguns meses até que o medicamento esteja disponível para venda e com preço decidido. O mesmo ocorre em Portugal, dado que a tirzepatida também só foi aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos em setembro de 2023. Prevê-se que as vendas comecem em ambos países em 2024.

Como tomar

A tirzepatida deve ser administrada uma vez por semana pela via subcutânea, de preferência no abdômen, na coxa ou na parte superior do braço, alternando os locais a cada administração. Se o paciente também usa injeções de insulina, o Mounjaro deve ser injetado em local diferente.

O medicamento pode ser administrado a qualquer hora do dia, independentemente das refeições.

  • A dose inicial de tirzepatida é de 2,5 mg uma vez por semana. Ao fim de 4 semanas, a dose deve ser aumentada para 5 mg uma vez por semana.
  • Se necessário, a dose pode ser aumentada em incrementos de 2,5 mg após, pelo menos, 4 semanas com a mesma dose.
  • As doses de manutenção recomendadas são de 5, 10 ou 15 mg.
  • A dose máxima é de 15 mg uma vez por semana.

Uso da tirzepatida com outros fármacos antidiabéticos

Quando o paciente já toma metformina ou um inibidor do co-transportador de sódio-glucose 2 (SGLT2), como a dapaglifozina ou a empaglifozina, a dose usual do medicamento pode ser mantida.

Por outro lado, quando tirzepatida é adicionada à terapêutica já existente com insulina ou com uma sulfonilureia (glibenclamida, glicazida, glipizida ou glimepirida), a redução da dose habitual desses fármacos deve ser considerada para reduzir o risco de hipoglicemia.

Explicamos quais são os antidiabéticos orais mais comuns no artigo: Antidiabéticos (remédios para diabetes tipo 2).

Dose da tirzepatida nos insuficientes renais

Não é necessário ajuste da dose da tirzepatida em pacientes com compromisso da função renal incluindo aqueles com doença renal crônica em estadios avançados.

Efeitos adversos

Os estudos pré-clínicos, de fase I, II e III indicaram que a tirzepatida apresenta efeitos adversos semelhantes aos de outros agonistas do receptor de GLP-1. Esses efeitos ocorrem principalmente no trato gastrointestinal. Falemos brevemente dos principais.

É importante salientar que, excetuando os efeitos gastrointestinais, todos os outros efeitos adversos descritos a seguir são incomuns.

Efeitos adversos gastrointestinais

Assim como ocorre com outros agonistas do receptor de GLP-1, os efeitos colaterais mais comuns estão ligados ao sistema gastrointestinal, especialmente perda do apetite (que é um efeito desejado, especialmente nos pacientes obesos), diarreia, náuseas e vômitos. Cerca de 10% dos pacientes apresentam efeitos adversos gastrointestinais.

Se os sintomas não forem muito intensos, a tendência é de melhora após algumas semanas de uso do medicamento ou com redução da dose.

O risco de efeitos adversos gastrointestinais é maior com as doses de 10 e 15 mg do que com a dose de 5 mg.

Pancreatite

Elevação das enzimas lipase e amilase, que são marcadores sanguíneos de lesão do pâncreas, é comum, mas, na maioria dos casos, o paciente permanece assintomático, sem sinais clínicos de pancreatite. No entanto, alguns casos de pancreatite aguda já foram observados com o uso de agonistas do receptor de GLP-1, inclusive com a tirzepatida.

Caso o paciente desenvolva sinais de pancreatite durante o uso da tirzepatida, o medicamento deve ser imediatamente suspenso e não mais prescrito. Sinais e sintomas comuns de pancreatite aguda incluem dor abdominal intensa na parte superior do abdome, que pode irradiar para as costas e costuma piorar com a alimentação, náuseas, vômitos e febre baixa.

A elevação assintomática das enzimas pancreáticas não é motivo suficiente para interromper o tratamento.

A tirzepatida não deve ser utilizada em pacientes com histórico de pancreatite aguda ou crônica.

Doença das vias biliares

Apesar de pouco comum (menos de 1% dos pacientes), doença da vesícula biliar e doença do trato biliar, incluindo colelitíase, colecistite, colestase e colangite, já foram relatadas com agonistas do receptor do GLP-1, especialmente em tratamentos com doses altas e por mais de 26 semanas.

Insuficiência renal aguda

A insuficiência renal aguda associada à tirzepatida costuma estar relacionada com a desidratação provocadas pela diarreia ou pelos vômitos.

Pacientes que já apresentam algum grau de doença renal crônica ou que também estejam medicados com diuréticos ou inibidores da ECA ou ARA2 apresentam maior risco de lesão renal aguda por desidratação.

Hipoglicemia

Como já referido, a associação da tirzepatida com uma sulfonilureia ou insulina eleva o risco de hipoglicemia. A redução da dose habitual desses medicamentos geralmente é suficiente para impedir esse efeito indesejado.

Carcinoma medular de tireoide

Nos estágios iniciais do desenvolvimento do medicamento, observou-se o desenvolvimento de tumores de células C da tireoide durante estudos com tirzepatida em ratos. Não se sabe se a tirzepatida causa tumores de células C da tireoide em humanos.

Cabe salientar que os seres humanos têm muito menos células C do que os roedores, e a expressão do receptor de GLP-1 nas células C humanas é muito baixa. É possível que esse risco maior de tumores da tireiode seja específico para roedores, dado que não foi observado em estudos com primatas.

De qualquer forma, até que tenhamos mais dados de segurança, pacientes com histórico pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide ou pacientes com síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (MEN 2) devem evitar os medicamentos agonistas do receptor de GLP-1.

Contraindicações e precauções

A tirzepatida deve ser evitada nos pacientes com as seguintes condições:

  • Alergia a qualquer um dos componentes do fármaco.
  • Diabetes mellitus tipo 1.
  • Histórico pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide.
  • Síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (MEN 2).
  • Grávidas.
  • Pancreatite crônica.

A tirzepatida deve ser usada com precaução nos pacientes com as seguintes condições:

  • Retinopatia diabética.
  • Pacientes com mais de 85 anos.
  • Gastroparesia.
  • Durante aleitamento materno.

Interações medicamentosas

A tirzepatida atrasa o esvaziamento gástrico e, por isso, pode afetar a taxa de absorção de outros
medicamentos orais administrados concomitantemente.

As principais interações correm com:

  • Contraceptivos orais: a tirzepatida pode diminuir a eficácia dos contraceptivos hormonais orais devido a alterações no esvaziamento gástrico; os contraceptivos administrados por via não oral não são afetados. As pacientes que usam anticoncepcionais hormonais orais devem mudar para um método anticoncepcional não oral ou adicionar um método anticoncepcional de barreira, por 4 semanas após o início da tirzepatida e por 4 semanas após cada aumento de dose da tirzepatida.
  • Paracetamol: após uma dose única de 5 mg de tirzepatida, a concentração plasmática máxima do paracetamol diminui cerca de 50%.
  • Agonistas do receptor de GLP-1 (liraglutida, dulaglutida e semaglutida): aumentam o risco de intoxicação pela tirzepatida.
  • Varfarina: a tirzepatida pode interferir com os níveis sanguíneos de varfarina.

Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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