Varfarina: o que é e interações com remédios e alimentos

A varfarina é um anticoagulante oral utilizado na prevenção de tromboses e embolias. Atua inibindo a vitamina K, reduzindo a coagulação sanguínea. Requer monitoramento rigoroso do INR e pode interagir com alimentos e medicamentos, aumentando o risco de sangramentos.

Dr. Pedro Pinheiro
Atualizado:
Varfarina - INR

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O que é a varfarina?

A varfarina é um anticoagulante oral, ou seja, um fármaco que reduz a capacidade de coagulação do sangue. Sua ação é essencial no tratamento e prevenção de doenças tromboembólicas, como trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar (EP), fibrilação atrial e para pacientes que passaram por cirurgia de substituição de válvulas cardíacas.

Nos últimos 60 anos, a varfarina tem sido um dos anticoagulantes mais utilizados na prática clínica, principalmente devido ao seu custo acessível e disponibilidade em forma de comprimidos.

No entanto, sua utilização exige monitorização rigorosa, pois apresenta uma margem terapêutica estreita. Quando administrada em doses excessivas, aumenta significativamente o risco de hemorragias; se insuficiente, o efeito anticoagulante torna-se ineficaz, favorecendo eventos trombóticos.

O controle da ação da varfarina é realizado por meio do exame de sangue denominado INR (International Normalized Ratio), que será abordado mais adiante.

O que é a coagulação sanguínea?

A coagulação sanguínea é um mecanismo essencial para a sobrevivência, sendo responsável pela formação de coágulos nos locais de lesão dos vasos sanguíneos. Sem esse sistema, qualquer pequeno trauma poderia resultar em hemorragias fatais.

O equilíbrio entre fatores de coagulação e de anticoagulação é crucial. Se o sangue coagular de maneira inadequada, pode ocorrer formação de trombos, aumentando o risco de eventos cardiovasculares graves, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Por outro lado, se a capacidade de coagulação for muito reduzida, o risco de sangramentos espontâneos aumenta.

Para que serve a varfarina?

O processo de coagulação envolve uma cascata complexa de reações bioquímicas, com ativação de diversas enzimas e proteínas, incluindo os fatores de coagulação II, VII, IX e X, que são dependentes da vitamina K. Esta vitamina também participa da produção de proteínas anticoagulantes, como as proteínas C e S.

A varfarina atua inibindo a reciclagem da vitamina K no fígado, impedindo a formação desses fatores de coagulação. Como resultado, o sangue se torna menos propenso a formar coágulos. Essa propriedade é fundamental para o tratamento de diversas doenças tromboembólicas, como:

Prevenção e tratamento de trombose venosa profunda (TVP)

  • A trombose venosa profunda ocorre quando um coágulo sanguíneo (trombo) se forma em uma veia profunda, geralmente nas pernas.
  • A varfarina é usada tanto para tratar episódios agudos de TVP quanto para prevenir sua recorrência.
  • Para mais informações, leia: Trombose venosa profunda (TVP) – Trombose na perna.

Prevenção e tratamento da embolia pulmonar

  • A embolia pulmonar acontece quando um coágulo se desprende de uma veia e se aloja na circulação pulmonar, podendo causar falta de ar, dor torácica e até insuficiência respiratória.
  • A varfarina reduz o risco de novos eventos tromboembólicos pulmonares.
  • Para mais informações, leia: Embolia pulmonar: o que é, causas, sintomas e tratamento.

Fibrilação atrial com risco de tromboembolismo

  • Pacientes com fibrilação atrial (arritmia cardíaca caracterizada por batimentos irregulares) têm maior risco de formação de trombos no coração, que podem se deslocar e causar acidente vascular cerebral (AVC).
  • A varfarina reduz significativamente o risco de AVC em pacientes com fibrilação atrial não valvar ou associada à doença valvar.
  • Para mais informações, leia: Fibrilação atrial: o que é, causas, tratamento, risco de AVC.

Pacientes com próteses valvulares cardíacas mecânicas

  • Pacientes que passaram por cirurgia de troca de válvula cardíaca e receberam próteses mecânicas necessitam de anticoagulação contínua com varfarina para evitar a formação de coágulos na válvula protética.
  • O alvo de INR nesses pacientes costuma ser mais elevado (geralmente entre 2,5 e 3,5), dependendo do tipo de válvula e de outros fatores de risco.

Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF)

  • A SAF é uma condição autoimune que aumenta o risco de trombose arterial e venosa, além de complicações na gestação, como abortos recorrentes.
  • A varfarina é o tratamento padrão para prevenir novos eventos trombóticos nesses pacientes.

Prevenção secundária de AVC e eventos tromboembólicos em determinadas condições cardíacas

  • Além da fibrilação atrial, a varfarina pode ser indicada para pacientes com histórico de AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT) causado por embolia cardíaca.
  • Também pode ser usada em algumas cardiopatias estruturais que favorecem a formação de coágulos.

Outras indicações específicas

  • Alguns casos de trombofilia hereditária (distúrbios genéticos que aumentam o risco de trombose) podem exigir anticoagulação prolongada.
  • Pacientes com trombose venosa recorrente sem causa aparente podem precisar de anticoagulação de longa duração.

Nomes comerciais

A varfarina pode ser encontrada sob a forma genérica (varfarina sódica) ou através dos seguintes nomes comerciais:

  • Coumadin.
  • Marevan.
  • Marfarin.
  • Varfine (comercializado apenas em Portugal).
  • Warfarin.

A varfarina pode ser encontrada em comprimidos de 2,5 mg, 5,0 mg e 7,5 mg.

O que é o INR?

O INR (International Normalized Ratio) é um exame laboratorial utilizado para medir o grau de anticoagulação do sangue. Esse teste avalia o tempo que o sangue leva para coagular, padronizando os resultados independentemente do reagente utilizado pelo laboratório.

  • Pessoas saudáveis: INR de aproximadamente 1,0.
  • Pacientes anticoagulados com varfine: geralmente precisam manter o INR entre 2,0 e 3,5, dependendo da condição clínica.
  • INR acima de 4,0: indica anticoagulação excessiva e risco aumentado de sangramento.
  • INR acima de 10: situação crítica que requer intervenção médica urgente para reversão do efeito anticoagulante.

Devido à margem terapêutica estreita da varfarina, a monitorização regular do INR é essencial para evitar complicações.

Monitorização do INR

A frequência da reavaliação do INR em pacientes em uso de varfarina depende da fase do tratamento, da estabilidade dos valores obtidos e da presença de fatores que possam interferir na anticoagulação.

A recomendação geral segue as seguintes diretrizes:

Início do tratamento:

  • A dose inicial da varfarina costuma ser de 2,5 a 5,0 mg por dia.
  • O INR deve ser monitorado diariamente ou a cada 2 ou 3 dias até que o paciente alcance um valor terapêutico estável.
  • Normalmente, essa fase de ajuste dura de 5 a 7 dias.

Ajuste da dose:

  • Se ainda estiver ajustando a dose, o INR deve ser avaliado duas vezes por semana até que o paciente alcance um valor estável.

Estabilidade do INR:

  • Quando o paciente apresenta INR estável, a monitorização pode ser feita a cada 2 a 4 semanas.
  • Em alguns casos bem controlados, pode-se estender a avaliação para a cada 6 a 8 semanas, desde que o INR permaneça estável.

Situações especiais:

A frequência do exame deve ser aumentada em situações que possam impactar a anticoagulação, como:

  • Alteração na dieta, especialmente consumo de alimentos ricos em vitamina K.
  • Interação medicamentosa com novos fármacos, como antibióticos, anti-inflamatórios ou antifúngicos.
  • Doenças agudas (infecções, insuficiência hepática, insuficiência renal).
  • Mudanças na aderência ao tratamento.
  • Cirurgias ou procedimentos invasivos programados.

Caso ocorra uma alteração significativa do INR fora da faixa terapêutica, a dose deve ser ajustada e o controle deve ser mais frequente até que a estabilidade seja restabelecida.

Interação com medicamentos e alimentos

A varfarina apresenta uma margem terapêutica estreita e sofre interação com diversos medicamentos e alimentos, tornando seu controle um desafio constante. Essas interações podem ter dois efeitos principais:

  • Reduzir a ação da varfarina, favorecendo a formação de trombos e aumentando o risco de eventos tromboembólicos;
  • Potencializar o efeito anticoagulante, elevando o risco de hemorragias espontâneas e sangramentos graves.

Os alimentos mais relevantes nesse contexto são aqueles ricos em vitamina K, pois desempenham um papel essencial na coagulação sanguínea e podem diminuir a eficácia da varfarina. Já algumas substâncias naturais, como ervas medicinais e suplementos, podem amplificar ou reduzir sua ação, exigindo atenção redobrada.

A seguir, apresentamos as principais interações da varfarina com alimentos, fármacos e substâncias naturais. Vale ressaltar que o risco não está apenas no uso simultâneo dessas substâncias, mas também nas mudanças bruscas de dieta ou medicação. A introdução ou suspensão de qualquer substância pode causar oscilações no INR, levando a situações de risco.

Portanto, sempre que houver alterações na alimentação ou prescrição médica, o INR deve ser monitorado com mais frequência para evitar complicações. Caso necessário, a dose da varfarina deve ser ajustada para manter o INR dentro da faixa terapêutica ideal.

Fármacos que aumentam o efeito da varfarina

Fármacos que inibem o efeito da varfarina

  • Anticoncepcionais orais.
  • Azatioprina.
  • Carbamazepina.
  • Drogas que bloqueiam a produção de hormônios tireoidianos (ex.: propiltiouracila, metimazol e carbimazol).
  • Fenitoína.
  • Fenobarbital.
  • Griseofulvina.
  • Haloperidol.
  • Hidróxido de alumínio.
  • Rifampicina.
  • Sucralfato.
  • Vitamina K.

Alimentos que inibem a varfarina

  • Abacate.
  • Acelga.
  • Agrião.
  • Aipo.
  • Alface.
  • Ameixa seca.
  • Aspargos.
  • Atum em lata.
  • Azeite de oliva.
  • Beterraba.
  • Brócolis.
  • Cebolinha.
  • Chucrute.
  • Coleslaw.
  • Costeleta de porco.
  • Couve.
  • Couve-de-Bruxelas.
  • Couve-flor.
  • Couve-galega.
  • Endívia.
  • Ervilha.
  • Espinafre.
  • Feijão-verde.
  • Fígado.
  • Folhas de amaranto.
  • Grão-de-bico.
  • Quivi.
  • Lentilha.
  • Mamão.
  • Mostarda-castanha.
  • Nabo.
  • Quiabo.
  • Repolho.
  • Salsa.
  • Soja.

Alimentos com baixa concentração de vitamina K (interferem pouco ou nada com a varfarina)

  • Abacate.
  • Amendoim.
  • Arroz.
  • Batatas.
  • Cenoura.
  • Cereal.
  • Café.
  • Carnes, peixes e aves.
  • Ervilhas.
  • Feijão.
  • Frutas em geral.
  • Lacticínios.
  • Maçã vermelha.
  • Massas.
  • Milho.
  • Ovos.
  • Pão.
  • Pepinos (sem a casca).
  • Tomates.

Substâncias naturais que aumentam o efeito da varfarina

Substâncias naturais que inibem a varfarina

  • Chá-verde (camellia sinensis).
  • Danshen (Salvia miltiorrhiza).
  • Erva de São João (Hypericum perforatum).
  • Flor-de-cone (Echinacea purpurea).
  • Ginseng (panax ginseng).

Bebidas alcoólicas e varfarina

O consumo de bebidas alcoólicas pode interferir no efeito da varfarina de diferentes maneiras, podendo tanto potencializar quanto reduzir sua ação.

O consumo agudo de álcool em indivíduos que não bebem frequentemente pode levar a um aumento súbito do INR, elevando o risco de sangramentos. Isso ocorre porque o álcool inibe temporariamente o metabolismo hepático da varfarina, prolongando seu efeito anticoagulante.

Por outro lado, o consumo regular e crônico de álcool, especialmente em quantidades moderadas a elevadas, pode induzir a atividade das enzimas hepáticas responsáveis pela metabolização da varfarina. Como consequência, o efeito anticoagulante pode ser reduzido, tornando necessárias doses mais altas da varfarina para manter o INR dentro da faixa terapêutica.

Portanto, pacientes em uso de varfarina devem ser orientados a evitar o consumo excessivo de álcool e a monitorar regularmente o INR, ajustando a dose do anticoagulante conforme necessário para evitar riscos de trombose ou sangramento.

Sinais de sangramento pela varfarina

A principal complicação do uso da varfarina são as hemorragias devido à anticoagulação excessiva. As duas formas de hemorragia mais graves são os sangramentos gastrointestinais ou intracerebrais. Hemorragia excessiva pode ocorrer em qualquer área do corpo, principalmente após traumas.

O aparecimento de qualquer um dos sinais abaixo deve ser imediatamente avaliado por um médico, pois sugerem um estado de excessiva anticoagulação:

  • Sangramento espontâneo das gengivas.
  • Sangue na urina.
  • Fezes escuras ou sanguinolentas.
  • Hemorragia nasal.
  • Vômito sanguinolento.
  • Tosse com expectoração sanguinolenta.
  • Grandes manchas roxas na pele.
  • Alterações súbitas da visão.
  • Forte dor de cabeça ou uma dor de cabeça que é mais grave do que o habitual (pode sinalizar sangramento intracerebral).

Pacientes em uso de varfarina que sofrem quedas ou acidentes com traumas na cabeça também devem ser avaliados por um médico.

Contraindicações

A varfarina não deve ser prescrita a nenhum paciente com risco elevado de sangramento. Alguns exemplos:

  • Pacientes com pressão arterial descontrolada.
  • História de acidente vascular cerebral.
  • Úlceras estomacais, gastrite ou doença péptica.
  • Câncer.
  • Alcoolismo.
  • Doença hepática.
  • Pacientes idosos com elevado risco de quedas.

A varfarina é contraindicada durante a gravidez.

Precauções

Como o paciente anticoagulado tem maior risco de sangramento, qualquer procedimento médico invasivo deve ser realizado somente após a redução do INR, incluindo biópsias de órgãos, punção lombar e procedimentos cirúrgicos em geral.

Novos anticoagulantes

Recentemente surgiram no mercado novos anticoagulantes orais, que têm paulatinamente vindo a substituir a varfarina na maioria dos tratamentos. Entre os novos fármacos podemos destacar:

  • Dabigatrano (nome comercial: Pradaxa).
  • Rivaroxabano (nome comercial: Xarelto).
  • Apixabano (nome comercial: Eliquis).

Esses novos anticoagulantes apresentam menor risco de hemorragia, não precisam de monitorização pelo INR e não apresentam tantas interferências de outros fármacos e alimentos.


Referências


Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.