O que é a dermatite de estase?
A dermatite de estase, também chamada de dermatite gravitacional, eczema de estase, eczema varicoso ou eczema venoso, é uma lesão inflamatória da pele dos membros inferiores que ocorre em pacientes com insuficiência venosa crônica, ou seja, naqueles com má circulação do sangue nas veias das pernas.
Eczema ou dermatite são os termos usados para descrever um grupo de doenças da pele que provocam inflamação ou irritação. As dermatites se manifestam habitualmente como vermelhidão, coceira, descamação, rachaduras, pele mais áspera. Em alguns casos, podem também surgir bolhas e úlceras.
Falamos sobre os vários tipos de dermatite no artigo: 6 tipos de eczema: causas, sinais e tratamento.
No caso específico da dermatite de estase, o quadro costuma ser de manchas ou placas avermelhadas, principalmente ao redor dos tornozelos, em um paciente com histórico de má circulação, com pernas inchadas e com múltiplas varizes.
A dermatite de estase habitualmente afeta pacientes de meia-idade e idosos, raramente ocorrendo antes dos 40 a 50 anos de idade. É uma condição que ocorre por “envelhecimento” das veias dos membros inferiores. Cerca de 5% dos indivíduos acima de 65 anos apresentam algum grau de dermatite de estase.
Dermatite de estase em pessoas jovens só costuma ocorrer em pacientes com insuficiência venosa adquirida devido à cirurgia, trauma nas pernas ou trombose venosa.
Os fatores de risco estabelecidos para o desenvolvimento do eczema venoso são a presença de varizes, insuficiência venosa crônica, idade avançada, história familiar de doença venosa, sexo feminino, ocupação profissional que obrigue a ficar em pé por muitas horas, obesidade e história de trombose venosa profunda. Insuficiência cardíaca e a hipertensão arterial são fatores agravantes.
Insuficiência venosa crônica
A dermatite de estase é uma das complicações da insuficiência venosa crônica dos membros inferiores. Sendo assim, para entender como surge o eczema de estase, precisamos antes aprender como funcionam as veias das pernas e o que é a insuficiência venosa.
A insuficiência venosa crônica, conhecida popularmente como má circulação nas veias, é uma condição que ocorre quando a parede das veias e/ou suas válvulas não estão funcionando bem, dificultando o retorno do sangue das pernas para o coração.
As veias das pernas são especialmente propensas a sofrer de má circulação porque são elas que mais têm de lutar contra a gravidade para drenar o sangue de volta para o restante do corpo.
As veias não têm pulso, o movimento do sangue no seu interior não é ditado pelo bombeamento do coração, como ocorre nas artérias. Portanto, elas dependem de um mecanismo diferente para o sangue seguir fluindo.
Quando estamos deitados, com as pernas na mesma altura do coração, a pressão natural do sangue dentro das veias, chamada de pressão venosa, é suficiente para que o sangue possa fluir contínua e suavemente de volta ao coração. No entanto, quando estamos de pé, a situação é diferente. A pressão venosa sozinha não é suficiente para vencer a gravidade e o sangue tende a ficar represado nos tornozelos.
Esse represamento não ocorre em pessoas saudáveis porque as veias têm dois mecanismos auxiliares para manter o sangue circulando. O primeiro são as válvulas no interior das veias, que agem como comportas facilitando a passagem do sangue para cima, mas impedindo o seu retorno para baixo.
O segundo mecanismo é a chamada “bomba muscular da perna”. Quando andamos, os músculos das pernas se contraem, principalmente os das panturrilhas, pressionando e comprimindo a parede das veias, empurrando o sangue para cima. O impacto das plantas dos pés no chão também exerce um efeito compressivo no leito venoso, servindo do mesmo modo como bomba para empurrar o sangue de volta ao tronco.
Quando a parede das veias ou as válvulas no seu interior ficam doentes, os membros inferiores passam a ter dificuldade de drenar o sangue, provocando dilatação das veias mais superficiais da pele por aumento da pressão venosa (hipertensão venosa).
Sempre que a circulação venosa não funciona adequadamente surgem complicações pelo represamento de sangue nas pernas, incluindo inchaços, teleangiectasias, varizes, trombose, escurecimento da pele, inflamação e úlceras. A essa condição damos o nome de insuficiência venosa crônica.
Explicamos as varizes dos membros inferiores com mais detalhes no artigo: Varizes – causas, graus, sintomas e tratamento.
Como surge a dermatite de estase
O mecanismo pelo qual a insuficiência venosa crônica e a hipertensão venosa causam a inflamação cutânea da dermatite de estase ainda não está bem esclarecido. Não sabemos, por exemplo, por que alguns pacientes com insuficiência venosa desenvolvem inflamação nos membros inferiores, mas outros não.
Os estudos sobre a patogênese da dermatite de estase apontam para um papel importante da microcirculação das extremidades inferiores no surgimento da inflamação. O aumento da pressão dentro das veias provocado pela insuficiência venosa é transmitido para a microcirculação na pele, o que aumenta a permeabilidade dos capilares dérmicos e reduz a oxigenação dos tecidos. Essa permeabilidade aumentada permite o extravasamento de leucócitos (glóbulos brancos), eritrócitos (glóbulos vermelhos), enzimas e mediadores inflamatórios para a pele.
O extravasamento de todos esses componentes provoca os achados típicos da insuficiência venosa crônica, como edema, vermelhidão, escurecimento da pele e formação de úlceras.
Sintomas
A dermatite de estase costuma se apresentar clinicamente como manchas ou placas avermelhadas, descamativas e eczematosas que surgem em pernas que apresentam edema crônico (inchaços prolongados).
A parte interna dos tornozelos é o local mais afetado, embora as alterações cutâneas possam ser extensas, subindo até os joelhos e descendo até os pés. Em alguns pacientes a inflamação pode ser extensa, parecendo uma grande meia até os joelhos (como na foto no início do texto).
Coceira na região inflamada é comum e pode resultar em feridas pela fricção das unhas ao coçar. Placas lacrimejantes, formação de vesículas e crostas também são achados frequentes.
A dermatite de estase costuma ser uma manifestação tardia da insuficiência venosa crônica. Por isso é frequente haver concomitantemente outros sinais de má circulação prolongada, tais como:
- Varizes.
- Linfedema.
- Atrofia branca (áreas com cicatrizes de coloração clara e formato estrelado ou reticulado resultantes de microtromboses).
- Espessamento da pele.
- Ulceração.
- Escurecimento da pele.
Complicações
Lipodermatosclerose
A lipodermatosclerose é uma forma crônica de paniculite (inflamação da camada de gordura sob a epiderme) resultante de inflamação crônica, degeneração de gordura e formação de fibrose.
A lipodermatosclerose se desenvolve lentamente, durante semanas a meses, geralmente acomete ambas as pernas e surge pela inflamação prolongada e pelo ato de coçar e esfregar as pernas de forma crônica.
Na fase aguda, a lesão apresenta-se espessa, avermelhada e dolorosa. Já a fase crônica é caracterizada por pele hiperpigmentada (escurecida), áreas de atrofia esbranquiçadas e contração da pele ao redor do tornozelo, dando às pernas a aparência de uma garrafa de champanhe invertida.
Infecção secundária
A dermatite de estase é um processo inflamatório inicialmente sem infecção. A inflamação que surge nas pernas não é provocada por nenhuma bactéria, mas sim por má oxigenação da pele pela hipertensão venosa e pelo extravasamento de células de defesa, enzimas e mediadores inflamatórios para o tecido subcutâneo.
No entanto, como a dermatite de estase deixa a pele fragilizada, facilitando o surgimento de feridas na região inflamada, as bactérias que vivem naturalmente na superfície da pele passam a ter uma porta de entrada para o tecido subcutâneo, podendo provocar infecção da lesão.
As bactérias Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes são as causas mais frequente de infecção superficial (impetiginização) ou profunda (celulite e erisipela) da pele.
Úlcera venosa
A úlcera venosa, também conhecida como úlcera de estase, é a causa mais comum de ulceração de membros inferiores.
As úlceras de estase surgem nos pacientes com insuficiência venosa crônica e a sua origem é semelhante a da dermatite de estase: processos inflamatórios que resultam da ativação de leucócitos, dano endotelial, baixa oxigenação da pele e edema.
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de úlcera venosa são idade avançada, obesidade, lesões prévias nas pernas, trombose venosa profunda e flebite.
Ao exame físico, as úlceras venosas são geralmente de formato irregular, superficiais e localizadas sobre proeminências ósseas. Tecido de granulação e fibrina estão tipicamente presentes na base da úlcera, dando um aspecto amarelado e úmido à lesão.
As úlceras venosas costumam ser recorrentes e uma úlcera aberta pode persistir por semanas a muitos anos. As complicações da úlcera venosa incluem celulite (infecção do tecido subcutâneo) e osteomielite (infecção do osso). Fatores de mau prognóstico incluem úlcera grande e de duração prolongada.
Acroangiodermatite.
Outra característica típica observada na dermatite de estase crônica é o desenvolvimento de placas violáceas e nódulos nas pernas e na parte dorsal dos pés. Essas lesões frequentemente sofrem ulceração dolorosa e podem ser clinicamente indistinguíveis do sarcoma de Kaposi. Esse quadro clínico fez com que essa entidade fosse denominada pseudo sarcoma de Kaposi ou acroangiodermatite.
Tratamento
O manejo do paciente com eczema de estase envolve tanto o tratamento da insuficiência venosa crônica, bem como o tratamento dos sintomas da dermatite de estase, incluindo a secura da pele, o inchaço, a coceira, inflamação e a prevenção de formação de úlceras.
Tratamento da insuficiência venosa crônica
O tratamento da insuficiência venosa inclui as seguintes medidas:
- Medidas gerais para reduzir o edema e a hipertensão venosa, como, por exemplo, elevação das pernas ao deitar e ao longo do dia, caminhada diária, exercícios frequentes e perda de peso.
- Terapia de compressão contínua, incluindo meias de compressão médicas, compressão com bandagens ou botas de Unna.
- Terapia sistêmica, incluindo fármacos venoativos, como beta-hidroxietilrutosídeos, escina (extrato de castanha da Índia), dobesilato de cálcio, flavonoides (diosmina e hesperidina) ou pentoxifilina.
- Tratamento das varizes com escleroterapia ou ablação a Laser.
Tratamento dos sintomas da dermatite de estase
A limpeza da pele de forma suave e o uso frequente de cremes hidratantes são indicados para o tratamento sintomático da secura da pele e do prurido associados à dermatite de estase.
Os pacientes devem lavar as pernas diariamente, usando produtos de limpeza líquidos suaves sem sabão para remover escama, bactérias e crostas. Produtos sem alérgenos ou fragrâncias comuns são menos irritantes e menos propensos a induzir eczema de contato.
Corticosteroides em pomada para uso tópico podem ser indicados para pacientes com dermatite de estase que apresentam vermelhidão, prurido, formação de bolhas e secreção. Betametasona, clobetasol, fluticasona ou triancinolona em pomada podem ser aplicados na pele afetada uma ou duas vezes ao dia durante uma a duas semanas.
O uso prolongado de corticosteroides de alta potência deve ser evitado, pois podem induzir atrofia da pele e aumentar o risco de ulceração.
Para pacientes com eczema exsudativo (com secreção purulenta), curativos úmidos podem facilitar a remoção de crostas e reduzir o prurido. Os curativos úmidos são aplicados com água da torneira, soro fisiológico ou uma solução anti-infecciosa apropriada diluída, como solução de sulfato de zinco e cobre, ácido acético, permanganato de potássio ou acetato de alumínio (solução de Bürow).
Lesões com sinais de infecção do tipo impetigo devem ser tratadas com antibióticos tópicos, sendo a mupirocina a melhor escolha. Em infecções mais extensas, tipo celulite, o tratamento deve ser feito com antibióticos por via oral ou venosa.
Prevenção de úlceras venosas
Pacientes com dermatite de estase devem ser educados sobre a importância de mudanças no estilo de vida e intervenções específicas para prevenir úlceras venosas, incluindo:
- Evitar ficar muito tempo em pé, principalmente se estiver parado. Sempre que possível, mantenha as pernas elevadas para facilitar a drenagem do sangue represado nos membros inferiores (a cada 2 horas por pelo menos 15 minutos e durante o sono).
- Use meias compressivas indicadas por profissionais de saúde.
- Faça atividade física regular.
- Evite o sobrepeso ou obesidade.
- Cuidado para não ferir as pernas, principalmente nas áreas inflamadas.
- Busque orientação médica precoce sempre que houver dano à pele.
Referências
- Stasis Dermatitis: Pathophysiology, Evaluation, and Management – American journal of clinical dermatology.
- Stasis dermatitis – UpToDate.
- Eczema types: stasis dermatitis overview – American Academy of Dermatology Association.
- Stasis Dermatitis – Medscape.
- Pathophysiology of chronic venous disease – UpToDate.
- Diagnosis and Treatment of Venous Ulcers – American Family Physician.
- Treatment of Superficial Venous Disease of the Lower Leg – American College of Phlebology.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.