Dengue: sintomas, transmissão e tratamento

A dengue é uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Sua propagação ocorre em áreas tropicais e subtropicais, principalmente em locais com água parada. A prevenção é essencial para controlar surtos, incluindo evitar o acúmulo de água onde o mosquito pode se reproduzir.
Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Dengue

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O que é a dengue?

A dengue é uma doença febril, causada por um vírus e transmitida através da picada de mosquitos.

Existem 4 sorotipos do vírus: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. A infecção por um sorotipo só confere imunização contra o próprio, podendo o indivíduo ter dengue novamente se for exposto a outro subtipo.

Estima-se em 100 milhões o número de pessoas infectadas anualmente em todo mundo. A maioria dos casos ocorre na América Latina, Ásia e África, locais onde há grande concentração do mosquito Aedes aegypti. Em Portugal, o mosquito pode ser encontrado na ilha da Madeira.

Nas últimas décadas, o Brasil tem apresentado centenas de milhares de casos de dengue todos os anos. Porém, apesar do número elevado de pacientes no território brasileiro e nos seus vizinhos americanos, o continente asiático ainda é de longe o local com mais casos de dengue, respondendo por mais de 70% dos registros.

Neste texto abordaremos as características do mosquito da dengue, como é a transmissão da doença, quais são os seus sintomas, quais são os sinais de gravidade, que tipo de complicações podem ocorrer e como é feito o tratamento.

Nota: dengue é um substantivo de dois gêneros, ou seja, pode-se dizer “o dengue” ou “a dengue”. Como a forma mais popular é “a dengue”, vamos dar preferência a ela neste texto.

Mosquito transmissor da dengue

O vírus da dengue pode ser transmitido por duas espécies de mosquito: Aedes aegypti e Aedes albopictus. Falemos um pouquinho sobre cada um deles:

Aedes aegypti

O Aedes aegypti é um mosquito de aproximadamente 1 cm, preto com listras brancas distribuídas pelo corpo e patas (veja foto abaixo). Ao contrário dos mosquitos comuns, o mosquito da dengue tem hábitos diurnos e costuma voar baixo, picando preferencialmente os pés, tornozelos e as pernas. O Aedes aegypti não gosta de calor; por isso, é mais ativo nas primeiras horas da manhã e no final da tarde.

Aedes aegypti
Aedes aegypti

O Aedes aegypti vive e reproduz-se em áreas próximas a domicílios, onde haja água relativamente limpa e parada (pneus, vasos, latas, caixas d’água e até em bromélias). O mosquito geralmente deposita seus ovos em áreas úmidas, como paredes de pneus ao ar livre ou caixas d’águas abertas. Quando chove, o ovo depositado volta a se molhar, podendo completar seu ciclo de desenvolvimento.

O Aedes aegypti é um mosquito muito difícil de ser controlado, seus ovos são muito resistentes e podem sobreviver no meio ambiente durante meses à espera de água da chuva para completar seu ciclo de desenvolvimento.

Após o contato com água, o ovo depositado dá origem a uma larva, e posteriormente a um mosquito, em menos de 10 dias, o que torna o Aedes aegypti uma espécie de reprodução muito rápida. Isso significa que mesmo que as equipes de saúde de uma região consigam eliminar todos os mosquitos e larvas, se houver ovos no ambiente, basta uma chuva para a população de mosquitos voltar a crescer.

Portanto, a colaboração da população é imprescindível, evitando deixar recipientes que possam acumular água ao ar livre.

Para ver mais fotos do mosquito Aedes, acesse: Fotos do mosquito da dengue.

O Aedes aegypti também é responsável pela transmissão da febre amarela urbana, da febre Chikungunya e da febre Zika.

Aedes albopictus

O principal agente transmissor da dengue é mosquito Aedes aegypti, mas a dengue também pode ser transmitido pelo mosquito Aedes albopictus. Este mosquito, entretanto, parece não ter a mesma capacidade de transmissão do Aedes aegypti.

Não está bem esclarecido o motivo, mas a taxa de Aedes albopictus contaminados pelo vírus da dengue é muito mais baixa do que do Aedes aegypti. Imagina-se que uma das causas seja o fato deste mosquito picar preferencialmente outros animais mamíferos que não costumam estar infectados com o vírus da dengue, ao contrário do Aedes aegypti, que prefere se alimentar de sangue humano.

O fato é que são raras as epidemias de dengue em áreas onde só exista o Aedes albopictus. Portanto, sabemos hoje que esta espécie pode transmitir o vírus, mas não parece ter, no momento, as características necessárias para provocar epidemias como faz o Aedes aegypti.

A aparência do Aedes albopictus é muito semelhante ao do Aedes aegypti, sendo muito difícil distingui-los, se a pessoa não tiver algum grau de conhecimento das espécies.

Formas de transmissão

Quem pica os seres humanos são as fêmeas do mosquito Aedes. Para haver transmissão da doença, o mosquito precisa estar contaminado com vírus. Isto significa que nem todo Aedes aegypti transmite a dengue. Portanto, se você foi picado por um Aedes, só haverá risco de desenvolver dengue se este mosquito estiver transportando o vírus consigo.

Além de estar contaminado pelo vírus, o mosquito da dengue só transmite a doença se tiver contraído o vírus há mais de duas semanas. Isto porque o vírus da dengue precisa de 10 a 14 dias dentro do mosquito para se tornar viável para transmissão.

Portanto, se um Aedes aegypti picar alguém infectado e minutos ou horas depois picar você, não há nenhum risco de transmissão da dengue, a não ser, obviamente, que o mosquito já estivesse previamente infectado com o vírus há vários dias.

A dengue não é transmitido diretamente de humano para humano. Familiares de um paciente com dengue não precisam de nenhum tipo de cuidado. A doença não se transmite pelo beijo, abraço, aperto de mãos, talheres, toalhas, etc.

Como existem 4 sorotipos do vírus da dengue, é possível se contaminar 4 vezes. O paciente que já teve o DEN-1 pode voltar a ter a doença se o Aedes aegypti que o picar estiver contaminado com os tipos 2,3 ou 4.

Leia também: Picada de mosquito – Tratamento e Prevenção.

Sintomas

Uma vez picado pelo mosquito carreador do vírus, o tempo de incubação é, em média, de 4 a 7 dias. Os 4 sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4, causam os mesmos sintomas, não sendo possível distingui-los somente pelo quadro clínico.

O espectro de manifestações da dengue varia desde um quadro assintomático, ou com mínimos sintomas, até a temida dengue hemorrágica. Sim, você leu corretamente, é perfeitamente possível se contaminar com um dos tipos de vírus da dengue e nada apresentar; isso é particularmente verdadeiro em adolescentes e crianças.

Nos pacientes que desenvolvem sintomas, temos duas apresentações típicas: o dengue clássico e hemorrágico.

Sintomas da dengue clássica

A dengue clássica se manifesta como um quadro de febre alta, acompanhado de cefaleias (dores de cabeça), dores nos olhos, fadiga e intensa dor muscular e óssea, o que justifica a alcunha de “febre quebra-ossos”. Outro sintoma comum é o rash, manchas avermelhadas predominantes no tórax e membros superiores, que desaparecem momentaneamente a digito pressão. O rash normalmente surge a partir do 3º dia de febre.

Rash da dengue
Rash de pele da dengue

Atenção agora: alguns pacientes com dengue clássica podem apresentar pequenos sangramentos no nariz e na gengiva. A presença de sangramentos não indica obrigatoriamente o diagnóstico da forma hemorrágica. Explicarei melhor essa questão mais adiante.

Outras manifestações como diarreia, vômitos, tosse e congestão nasal são comuns e podem levar à confusão com outras viroses.

O quadro de dengue clássico dura de 5 a 7 dias e desaparece espontaneamente. O paciente costuma curar-se sem sequelas.

Sintomas da dengue hemorrágica

A dengue hemorrágica é a manifestação mais grave da doença. Caracteriza-se por alterações na coagulação do sangue e por inflamação difusa dos vasos sanguíneos, nomeadamente dos capilares (menores vasos do corpo). Como resultado, temos as seguintes manifestações:

1) Aumento da permeabilidade dos vasos. A inflamação dos capilares (capilarite) faz com que haja extravasamento de líquido para os tecidos, podendo causar derrame pleural e ascite (água dentro da cavidade abdominal). O extravasamento pode ser tão intenso que o doente pode evoluir para choque circulatório.

2) Trombocitopenia (queda do número de plaquetas). As plaquetas são células que fazem parte do sistema de coagulação. São a primeira linha de defesa contra sangramentos. Indivíduos normais apresentam uma contagem entre 150.000 e 400.000 plaquetas. Na dengue hemorrágica esse número cai para menos de 100.000, às vezes menos que 10.000 (trombocitopenia grave).

Devido à queda das plaquetas e à inflamação dos vasos, os pacientes apresentam tendência a sangramentos. Mais uma vez, a presença de sangramentos sem evidências de capilarite e plaquetas abaixo de 100.000 não caracteriza o dengue hemorrágico. Entretanto, como a forma hemorrágico evoluiu em horas, na dúvida, é melhor sempre levar o paciente para ser avaliado por um médico.

Um sintoma muito comum na dengue hemorrágica é a dor abdominal. Também pode ocorrer hepatite pela dengue (leia: Diferenças entre as hepatites).

A ocorrência da forma hemorrágica parece ser mais comum em pacientes que apresentam um segundo episódio de dengue, causado por um sorotipo diferente do primeiro caso.

Sinais de gravidade

  • Dor abdominal intensa e contínua.
  • Pele fria, úmida e pegajosa.
  • Hipotensão (choque).
  • Sangramentos que não cessam espontaneamente.
  • Letargia.
  • Dificuldade respiratória.

Se você quiser mais detalhes sobre os sintomas da dengue e as diferenças entre a dengue clássica e a hemorrágica, acesse o seguinte artigo: Sintomas da dengue – Sinais de gravidade.

Diagnóstico

O diagnóstico do dengue clássico sempre foi clínico, pois, até há pouco tempo, as sorologias só ficavam positivas vários dias depois do início dos sintomas. O paciente procurava atendimento médico com sintomas típicos, mas não havia um exame que pudesse confirmar a doença. Para confirmação sorológica, o paciente tinha que retornar ao posto médico 5 dias depois para colher sangue. Como nesta fase a maioria já havia se curado, poucos voltavam para confirmar o diagnóstico.

Essa história mudou desde a chegada ao mercado do teste rápidos para dengue, conhecido como Assure IgA Teste Rápido. Esta nova técnica de sorologia pesquisa os anticorpos IgA, que já estão presentes no sangue no primeiro dia de sintomas da dengue. Os anticorpos IgG e IgM, usados nos exames antigos, precisam de 4 a 5 dias para serem detectados.

Portanto, o teste rápido pode ser feito em qualquer pessoa com sintomas sugestivos de dengue, mesmo no primeiro dia de doença. O teste rápido é capaz de identificar todos os 4 sorotipos do vírus e tem uma sensibilidade de 85 a 90%. Outra vantagem do teste rápido é o fato do resultado ficar pronto em apenas 20 minutos. É mais rápido que um hemograma. O paciente sai do posto médico já com o diagnóstico estabelecido.

Diagnóstico do dengue hemorrágico

Para o diagnóstico do dengue hemorrágico, além do teste rápido positivo, são também necessários a queda do número de plaquetas e uma elevação do hematócrito, alterações que podem ser identificadas através do hemograma.

Tratamento

Não existe tratamento específico para dengue. O indicado é repouso e ingestão generosa de líquidos.

O mais importante é descartar doenças com apresentações semelhantes e que possuem tratamento específico, como malária, leptospirose e meningite.

Pacientes com sinais de gravidade devem ser internados e tratados agressivamente para evitar progressão do choque circulatório.

Ainda não existe vacina comercialmente disponível para a dengue, apesar de já existirem algumas em fase de testes.

O que não tomar quando se tem dengue?

O ácido acetilsalicílico (AAS), também conhecido pelo nome comercial Aspirina, é um medicamento contraindicado na dengue por ser uma droga que diminui a função das plaquetas.

Como o doente com dengue já apresenta tendências hemorrágicas e um número reduzido de plaquetas, inibir a função das remanescentes aumenta o risco de eventos hemorrágicos. Para aliviar as dores e a febre os fármacos mais indicados são a Dipirona (Metimazol) e o Paracetamol.

Prevenção

A medida mais importante na prevenção da dengue é combater o mosquito, suas larvas e ovos. Para isso, é importante não deixar recipientes que possam acumular água ao ar livre. Isto inclui, latas, pneus, baldes, vasos de plantas, garrafas, etc.

Tanques de água que fiquem ao ar livre devem ser lavados semanalmente para se retirar os ovos que possam estar grudados nas suas laterais. Os pratos dos vasos de plantas devem receber terra para evitar acumular água parada. Não deixe água sobre a laje e retire folhas das calhas para a água poder fluir.

O uso de carros “fumacê” só está indicado nos períodos de epidemia, pois ele só mata o mosquito, não interferindo nas larvas e ovos. O fumacê, portanto, não impede o surgimento das epidemias, mas ajuda a controlar temporariamente a população de mosquitos durante uma.

Vacina contra dengue

Recentemente duas vacinas contra dengue foram aprovadas para uso: Qdenga e Dengvaxia.

  • Qdenga (TAK-003), desenvolvida pela farmacêutica Takeda, é a primeira vacina contra a dengue aprovada no Brasil para um público mais amplo. Ela é indicada para pessoas de 4 a 60 anos, mas o Ministério da Saúde, devido à quantidade limitada de doses, inicialmente está focando na vacinação de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, um grupo com alto número de hospitalizações por dengue. A Qdenga é administrada em duas doses com um intervalo de 3 meses entre elas. Esta vacina mostrou eficácia contra diferentes tipos de dengue e é eficaz contra hospitalizações por dengue. A Qdenga foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil em 2023, e a distribuição das doses começou em 2024.
  • Dengvaxia, desenvolvida pela Sanofi Pasteur, é indicada para pessoas que já tiveram dengue, abrangendo a faixa etária de 6 a 45 anos. A Dengvaxia não foi incorporada ao SUS e é contraindicada para indivíduos que nunca tiveram contato com o vírus da dengue, devido ao risco de desenvolver formas graves da doença.

Falamos das vacinas contra dengue com mais detalhes em um artigo à parte: Vacina da dengue: tipos, quem pode tomar e efeitos adversos.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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