Ascite (barriga d’água): causas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro

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Ascite

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Introdução

A ascite, chamada popularmente de barriga d’água, é o nome dado ao acúmulo de líquidos dentro da cavidade abdominal. 

A ascite não é uma doença, mas sim um sinal de doença, habitualmente do fígado, mas também pode ter origem em problemas dos rins, coração ou tumores malignos.

O líquido ascítico fica no interior da barriga, na cavidade peritonial, ao redor dos órgãos intra-abdominais. Quando o volume de líquido é muito grande, os intestinos ficam literalmente boiando dentro do abdômen e o paciente apresenta perceptível aumento do volume abdominal.

Em algumas doenças, a ascite pode ser tão volumosa, que o paciente acumula vários litros de líquido na cavidade abdominal e apresenta uma distensão da barriga semelhante às grávidas em fase final de gestação (como na imagem abaixo).

Imagem de paciente com volumosa ascite
Volumosa ascite

Neste artigo explicaremos o que é a ascite, por que ela surge, quais são os seus sintomas e quais as formas de tratamento disponíveis.

O que é ascite?

Chamamos de edema os inchaços provocados pelo acúmulo de líquido na pele. Se as suas pernas incham, é porque há retenção de líquido no tecido subcutâneo dos membros inferiores. Quando esse acúmulo de líquido ocorre não na pele, mas sim dentro da cavidade abdominal, o nome que damos é ascite.  Porém, apesar de terem nomes diferentes, o mecanismo de formação da ascite é basicamente o mesmo dos edemas da pele (leia: Inchaços e edemas).

Resumidamente, podemos dizer que a ascite forma-se pelo extravasamento de líquido dos vasos sanguíneos que irrigam o peritônio para dentro da cavidade peritonial. Na maioria dos casos, essa incapacidade dos vasos sanguíneos de reter os líquidos dentro de si ocorre por uma das 3 situações abaixo:

  1. Aumento na pressão hidrostática dentro dos vasos, como a que ocorre quando há uma obstrução ao fluxo sanguíneo normal, como nos casos de varizes ou por um trombo, por exemplo.
  2. Quando o paciente apresenta alguma doença que leve à retenção de sal e água pelos rins, fazendo com que o volume de água na circulação sanguínea se eleve consideravelmente.
  3. Quando o paciente apresenta uma redução na concentração de proteínas do sangue, já que as proteínas, como a albumina, exercem efeito osmótico (chamada pressão oncótica), que ajuda a segurar água dentro dos vasos.
Ascite
Ascite

Em situações normais, a quantidade de líquido dentro da cavidade abdominal é nula. Algumas mulheres, contudo, podem ter pequenos volumes de líquido livre, ao redor de 10 a 20 ml, em algumas fases do ciclo menstrual, sem que isso signifique qualquer problema. Nada que se compare aos vários litros de ascite que os pacientes com cirrose, por exemplo, podem desenvolver.

Causas

A principal causa de ascite é a cirrose hepática. A cirrose causa as três alterações descritas acima (obstrução do fluxo sanguíneo, retenção de água e sal, e perda de proteínas do sangue) e pode cursar com ascites volumosas, frequentemente com mais de 10 litros de líquido na cavidade abdominal.

A cirrose hepática, normalmente secundária à hepatite viral ou por abuso de bebidas alcoólicas, é responsável por até 85% dos casos de ascite. Os outros 15% são divididos entre as seguintes doenças:

Sintomas

A ascite volumosa, principalmente em pessoas magras, é facilmente reconhecida, e até leigos conseguem notar a sua presença. Como já referido, o paciente com ascite apresenta um nítido aumento do volume abdominal.

Ascite
Ascite

Nos doentes obesos ou nos casos em que o acumulo de líquido não seja muito grande, pode haver dúvidas no diagnóstico. Nestes casos, um exame de ultrassonografia ajuda a esclarecer se há ou não líquido livre dentro da cavidade abdominal.

O que habitualmente ajuda na identificação da ascite é o fato desta vir com frequência acompanhada de outros sintomas de doença hepática, tais como a icterícia, aumento do volume do fígado, presença de circulação colateral na barriga, etc.

Uma das complicações da ascite é a infecção da mesma. O líquido ascítico é um ótimo meio de cultura e, frequentemente, as bactérias dos intestinos conseguem deslocar-se para a cavidade peritonial, infectar a ascite e provocar um quadro chamado peritonite.

A ascite, quando muito volumosa, causa intenso desconforto ao paciente. Muitas vezes, a quantidade de líquido é tão grande que distende a parede do abdômen, provocando hérnias umbilicais, dor abdominal e dificuldade respiratória por restrição à movimentação do diafragma.

Tratamento

O melhor meio de retirar o excesso de líquido do abdômen é através de um procedimento chamado paracentese, que consiste na introdução de uma agulha ligada a uma bolsa coletora para drenagem do líquido ascítico. A paracentese é um procedimento simples, realizado com anestesia local e praticamente indolor.

Paracentese: drenagem do líquido ascítico
Paracentese: drenagem do líquido ascítico

Além da possibilidade da drenagem de vários litros de ascite para alívio sintomático do paciente, a paracentese também serve como procedimento diagnóstico, uma vez que podemos aproveitar amostras da ascite para avaliação bioquímica e para pesquisa de infecções e de células cancerígenas.

Assim como nos edemas dos membros inferiores, o uso de diuréticos, tais como Furosemida (lasix®) ou espironolactona, também ajuda a impedir o acúmulo de água dentro da cavidade peritonial. Porém, em casos de cirrose avançada, essas drogas são pouco efetivas e a única opção é mesmo a realização de paracenteses de forma regular, sempre que o abdômen estiver muito distendido.

O líquido ascítico normal é amarelo-claro transparente, semelhante à urina. Em casos de infecção da ascite, o líquido torna-se turvo e, por vezes, nitidamente purulento. Nas ascites secundárias a neoplasias do peritônio, a ascite pode ser sanguinolenta.

Nos casos de infecção do líquido ascítico, o paciente deve permanecer internado para tratamento com antibióticos. A não erradicação da infecção pode levar à sepse e consequentemente ao óbito.

A paracentese ajuda na drenagem da ascite e na investigação diagnóstica, porém, não age na causa central da formação da ascite. Se nada for feito para controlar o acumulo de líquido intra-abdominal, a paracentese torna-se apenas um procedimento paliativo, já que o líquido estará todo de volta em questão de dias ou semanas.

O tratamento definitivo da ascite consiste no tratamento da doença de base. A restrição do consumo de sal e o uso de diuréticos são duas medidas essenciais para tentar impedir a formação de ascite enquanto não se consegue controlar a doença primária.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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