Sepse: o que é, causas, sintomas e tratamento

A sepse é uma disfunção orgânica causada por resposta desregulada a uma infecção, com risco de morte. O tratamento inclui antibióticos, reposição volêmica e suporte hemodinâmico imediato.
Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Sepse

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O que é sepse?

A sepse, também chamada de septicemia ou infecção generalizada, é uma condição potencialmente fatal que surge como resultado de uma resposta descontrolada do organismo a uma infecção. Essa resposta imunológica exacerbada pode causar danos aos tecidos e órgãos, levando à falência de múltiplos sistemas do corpo. Apesar de ser conhecida pelo público leigo como “infecção no sangue” ou “infecção generalizada”, a sepse é mais complexa e não se limita à presença de germes na corrente sanguínea.

Em circunstâncias normais, o sistema imunológico combate infecções localizadas, como uma pneumonia ou infecção urinária, criando uma inflamação controlada no local afetado. No entanto, na sepse, essa inflamação extrapola os limites da infecção inicial, espalhando-se por todo o corpo. Isso ocorre quando microrganismos, como bactérias, vírus ou fungos, entram na corrente sanguínea em grande quantidade ou quando a resposta imunológica se torna desregulada.

Esta resposta exagerada do sistema imunológico pode levar à falência de múltiplos órgãos e, em casos extremos, à morte.

Como a sepse se desenvolve?

Sempre que nosso corpo é invadido por microrganismos, o sistema imunológico é ativado para combater esses agentes invasores. Uma das estratégias das células de defesa é a liberação de mediadores químicos que desencadeiam uma resposta inflamatória.

A inflamação é uma reação natural do organismo para proteger tecidos contra lesões, infecções ou outros agentes nocivos. Ela é caracterizada por sinais como vermelhidão, inchaço, calor e dor no local afetado, resultantes do aumento do fluxo sanguíneo e da liberação de substâncias químicas pelas células de defesa. Embora possa ser desconfortável, a inflamação é essencial para eliminar a ameaça e iniciar a recuperação dos tecidos.

No caso de infecções, a inflamação que surge em áreas afetadas não é causada diretamente pela bactéria, mas pela reação do sistema imunológico. Esse processo é uma forma de proteção do corpo. A vermelhidão, dor, calor e a presença de pus em feridas infectadas são sinais dessa “batalha” entre o sistema imunológico e os germes invasores.

Para entender melhor o processo inflamatório, leia: O que é inflamação?

As infecções geralmente começam em áreas específicas do organismo, como a pele, pulmões, vias urinárias ou ouvidos. Exemplos de infecções bacterianas localizadas incluem:

Inicialmente, as bactérias se alojam em um órgão específico, como o pulmão, onde são combatidas pelos mecanismos de defesa do corpo. Contudo, se a infecção não for controlada, as bactérias podem se multiplicar e migrar para outros locais, alcançando eventualmente os vasos sanguíneos e se disseminando pela circulação.

É normal que pequenas quantidades de bactérias entrem no sangue em situações cotidianas, como durante a escovação dos dentes ou após escoriações na pele, como ao ralar o joelho no chão. Nesses casos, o sistema imunológico geralmente neutraliza as bactérias rapidamente, sem causar repercussões clínicas relevantes.

O problema ocorre quando grandes quantidades de bactérias entram na corrente sanguínea simultaneamente, espalhando-se pelo corpo. Nesse cenário, as células de defesa precisam agir em diversos locais ao mesmo tempo, desencadeando um processo inflamatório generalizado. Para entender melhor, imagine uma inflamação local, como no dente ou na pele, mas ocorrendo de forma difusa em vários vasos sanguíneos e órgãos ao mesmo tempo. Essa situação é conhecida como infecção generalizada ou sepse.

Essa reação inflamatória em larga escala* não é apenas uma tentativa de combater a infecção; ela também pode ser prejudicial. Os vasos sanguíneos se dilatam, a pressão arterial cai e os tecidos deixam de receber oxigênio e nutrientes adequados. Em casos extremos, ocorre um estado de choque circulatório, chamado de choque séptico, no qual os órgãos começam a falhar.

*A sepse é caracterizada por uma resposta imunológica desregulada, impulsionada pela liberação exacerbada de mediadores inflamatórios, como TNF-α, IL-6 e IL-1β, que provocam inflamação difusa. Ao mesmo tempo, há ativação descontrolada do sistema complemento e formação de microtrombos nos vasos sanguíneos, levando à hipoperfusão tecidual e lesão de órgãos.

Alguns fatores influenciam a gravidade desse processo, como a virulência da bactéria e a capacidade do organismo de lidar com a infecção. Pacientes saudáveis, com infecções causadas por bactérias menos agressivas, geralmente conseguem controlar o problema sem evolução para casos graves de sepse. Por outro lado, pacientes idosos ou com outras condições de saúde preexistentes têm mais dificuldade em combater infecções, o que pode aumentar o risco de complicações severas.

Critérios para diagnóstico da sepse

O Sepsis-3 é a terceira revisão do consenso internacional para definição e manejo da sepse, publicado em 2016 por um grupo de especialistas das sociedades europeia e americana de medicina intensiva (European Society of Intensive Care Medicine e Society of Critical Care Medicine). Este consenso atualizou a definição de sepse e os critérios diagnósticos utilizados até então, com base em novos conhecimentos científicos e clínicos.

Atualmente, a sepse é definida como “uma disfunção orgânica com risco de vida causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção”. Essa resposta desregulada reflete não apenas a gravidade da infecção, mas também uma interação complexa entre o agente infeccioso e o sistema imunológico do paciente.

Para avaliar a gravidade da sepse e identificar pacientes em risco de evolução para quadros mais graves, utilizam-se ferramentas clínicas padronizadas. Entre as principais estão o qSOFA (Quick Sequential Organ Failure Assessment) e o SOFA (Sequential Organ Failure Assessment).

qSOFA

O qSOFA é a forma simplificada da ferramenta SOFA, indicada para avaliação de pacientes com suspeita de sepse fora de unidades de terapia intensiva (UTI), como em enfermarias ou serviços de emergência.

O objetivo do qSOFA é fornecer um método simples para identificar precocemente pacientes com infecção suspeita ou confirmada que podem estar em risco de desenvolver disfunção orgânica ou morte.

O qSOFA avalia 3 critérios clínicos de forma rápida, sem a necessidade de exames laboratoriais complexos. Cada critério vale 1 ponto:

  1. Frequência respiratória ≥ 22 incursões por minuto;
  2. Alteração do estado mental (confusão, sonolência ou agitação);
  3. Pressão arterial sistólica ≤ 100 mmHg.

Interpretação do qSOFA:

  • 0 ou 1 critério: baixo risco de sepse grave ou disfunção orgânica iminente. Requer acompanhamento clínico, mas não é prioritário.
  • 2 ou mais critérios: indica alto risco de piora clínica. Esses pacientes devem ser avaliados mais cuidadosamente para sinais de disfunção orgânica e manejados com atenção intensiva.

O qSOFA não faz diagnóstico de sepse, mas indica que o paciente está em risco de evolução para sepse e que uma avaliação mais aprofundada, como o cálculo do SOFA completo, é necessária.

Portanto, se o paciente tiver critérios para gravidade pelo qSOFA, ele deve ser avaliado para os critérios de sepse e disfunção orgânica.

Critérios principais para diagnóstico de sepse

1. Identificação de infecção suspeita ou confirmada:

A sepse sempre parte da presença de uma infecção. Pode ser bacteriana, viral, fúngica ou de outro tipo, identificada clínica ou laboratorialmente.

2. Disfunção orgânica associada:

O SOFA (Sequential Organ Failure Assessment) é um escore usado para avaliar a gravidade da disfunção orgânica em pacientes críticos, especialmente no contexto de sepse. Ele é amplamente utilizado em unidades de terapia intensiva (UTI) e foi adotado como ferramenta essencial no diagnóstico de sepse na definição do Sepsis-3.

O SOFA mede o grau de comprometimento de sistemas orgânicos principais e associa os resultados a um risco de mortalidade. Ele ajuda a monitorar a evolução do paciente e a identificar disfunções orgânicas precoces.

O escore avalia seis sistemas do corpo, atribuindo uma pontuação de 0 a 4 para cada um, com base na gravidade da disfunção. Os parâmetros analisados são:

  1. Respiratório:
    • Medido pela relação entre a pressão arterial de oxigênio (PaO₂) e a fração de oxigênio inspirado (FiO₂), conhecida como relação PaO₂/FiO₂.
    • A relação PaO₂/FiO₂ mede a eficiência da troca de oxigênio no pulmão. Valores abaixo de 300 indicam comprometimento respiratório e necessidade de suporte ventilatório.
    • Exemplos:
      • ≥ 400: 0 pontos (normal).
      • 300-399: 1 ponto.
      • 200-299: 2 pontos (com suporte ventilatório).
      • 100-199: 3 pontos (com suporte ventilatório).
      • < 100: 4 pontos (com suporte ventilatório).
  2. Coagulação:
    • Avaliada pela contagem de plaquetas.
    • Exemplos:
      • ≥ 150.000/mm³: 0 pontos (normal).
      • 100.000-149.000/mm³: 1 ponto.
      • 50.000-99.000/mm³: 2 pontos.
      • 20.000-49.000/mm³: 3 pontos.
      • < 20.000/mm³: 4 pontos.
  3. Hepático (função do fígado):
    • Medido pela concentração sérica de bilirrubina. A bilirrubina é um marcador da função hepática. Níveis elevados podem indicar lesão do fígado causada pela sepse.
    • Exemplos:
      • < 1,2 mg/dL: 0 pontos (normal).
      • 1,2-1,9 mg/dL: 1 ponto.
      • 2,0-5,9 mg/dL: 2 pontos.
      • 6,0-11,9 mg/dL: 3 pontos.
      • ≥ 12,0 mg/dL: 4 pontos.
  4. Cardiovascular:
    • Avaliado com base na pressão arterial e necessidade de suporte vasopressor.
    • Exemplos:
      • Pressão arterial média (PAM) ≥ 70 mmHg: 0 pontos (normal).
      • PAM < 70 mmHg: 1 ponto.
      • Uso de dopamina ≤ 5 µg/kg/min ou qualquer dose de dobutamina: 2 pontos.
      • Uso de dopamina > 5 µg/kg/min ou noradrenalina ≤ 0,1 µg/kg/min: 3 pontos.
      • Uso de dopamina > 15 µg/kg/min ou noradrenalina > 0,1 µg/kg/min: 4 pontos.
  5. Sistema nervoso central:
    • Avaliado pela Escala de Coma de Glasgow.
    • Pontuação:
      • ECG de 15: 0 pontos (normal).
      • ECG de 13-14: 1 ponto.
      • ECG de 10-12: 2 pontos.
      • ECG de 6-9: 3 pontos.
      • ECG de < 6: 4 pontos.
  6. Renal:
    • Avaliado pelos níveis de creatinina sérica ou débito urinário.
    • Exemplos:
      • Creatinina < 1,2 mg/dL ou débito urinário normal: 0 pontos.
      • Creatinina 1,2-1,9 mg/dL: 1 ponto.
      • Creatinina 2,0-3,4 mg/dL: 2 pontos.
      • Creatinina 3,5-4,9 mg/dL ou débito urinário < 500 mL/dia: 3 pontos.
      • Creatinina ≥ 5,0 mg/dL ou débito urinário < 200 mL/dia: 4 pontos.

Cálculo do SOFA:

  • A pontuação total vai de 0 a 24, somando os valores atribuídos a cada sistema.
  • Um aumento de 2 ou mais pontos no SOFA, em pacientes com infecção suspeita ou confirmada, é diagnóstico de disfunção orgânica associada à sepse.

Interpretação do SOFA:

  • Pontuações baixas (0-6): indicam risco relativamente baixo de mortalidade.
  • Pontuações moderadas (7-12): refletem disfunção orgânica significativa, com aumento do risco de mortalidade.
  • Pontuações altas (> 12): associadas a risco muito elevado de mortalidade.

O que é choque séptico?

O choque séptico é a forma mais grave da sepse e representa uma emergência médica. Ele ocorre quando a infecção e a resposta inflamatória causam insuficiência circulatória e hipoperfusão tecidual persistente, levando à falência de múltiplos órgãos.

Critérios diagnósticos de choque séptico incluem:

  • Hipotensão persistente, mesmo após reposição volêmica adequada, que exige o uso de vasopressores para manter a pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg.
  • Hipoperfusão tecidual, caracterizada por níveis elevados de lactato no sangue (> 2 mmol/L), indicando insuficiência circulatória e hipoxia tecidual.

A taxa de mortalidade associada ao choque séptico é elevada, exigindo intervenção imediata com antibióticos, reposição volêmica agressiva e suporte hemodinâmico.

Sintomas da sepse

Os sintomas iniciais de sepse podem variar, mas geralmente incluem:

  • Febre alta (acima de 38ºC) ou, em casos graves, hipotermia (abaixo de 35ºC).
  • Frequência cardíaca acelerada (superior a 90 batimentos por minuto).
  • Respiração rápida e superficial (maior que 20 incursões por minuto).
  • Cansaço extremo, prostração e perda de apetite.

Em casos mais avançados, sinais de disfunção orgânica incluem:

  • Alteração do estado mental, como confusão ou desorientação.
  • Redução da produção de urina.
  • Dificuldade respiratória.
  • Pele fria e pegajosa ou presença de manchas arroxeadas.
  • Queda no número de plaquetas no hemograma, aumentando o risco de sangramentos.

Idosos e imunossuprimidos podem apresentar sintomas atípicos, como prostração intensa, confusão mental e ausência de febre, o que exige maior atenção por parte dos profissionais de saúde.

Na sepse grave, a resposta inflamatória desregulada leva à dilatação dos vasos sanguíneos e aumento da permeabilidade vascular. Isso resulta em queda da pressão arterial e extravasamento de fluidos para os tecidos, causando edema e podendo levar ao acúmulo de líquido nos pulmões (edema pulmonar) e choque séptico.

A redução do fluxo sanguíneo para órgãos vitais provoca hipóxia (falta de oxigênio) e pode resultar na falência de órgãos como rins, fígado, coração e cérebro (quadro chamado de falência múltipla de órgãos). Além disso, pode ocorrer coagulação intravascular disseminada (CIVD), uma condição na qual pequenos coágulos se formam nos vasos sanguíneos, levando simultaneamente a tromboses e hemorragias.

Atenção: atualmente, para o diagnóstico de sepse, os sintomas clínicos isolados não são suficientes. É necessário confirmar a presença de disfunção orgânica por meio da avaliação do escore SOFA.

Fatores de risco e prognóstico

Alguns fatores podem aumentar o risco de desenvolver sepse e influenciar no prognóstico:

Quanto mais grave for a sepse, maior é o risco de mortalidade. A sepse grave e o choque séptico têm taxas de mortalidade elevadas, mesmo com tratamento adequado.

A sepse é contagiosa?

Não. A sepse em si não é contagiosa. Ela é a resposta do organismo a uma infecção existente. No entanto, a infecção que levou à sepse pode ser contagiosa, dependendo do agente causador. Por exemplo, bactérias que causam pneumonia ou meningite podem ser transmitidas de pessoa para pessoa. É importante seguir orientações médicas para prevenir a disseminação de infecções.

Tratamento da sepse e do choque séptico

A sepse é uma emergência médica e o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível. O objetivo principal é interromper a infecção, controlar a inflamação e estabilizar as funções vitais do paciente.

O tratamento da sepse inclui:

1. Administração imediata de antibióticos de amplo espectro, direcionados para combater o agente infeccioso. A escolha dos antibióticos é baseada na provável fonte da infecção e nos padrões locais de resistência bacteriana. A escolha do regime antibiótico deve ser feita baseada no quadro clínico, antes dos resultados de cultura.

Após a identificação do agente infeccioso por culturas, os antibióticos podem ser ajustados, caso necessário.

2. Reposição de fluidos intravenosos para corrigir a hipotensão e melhorar a perfusão dos órgãos. É fundamental iniciar a reposição volêmica agressiva com soluções cristaloides (ex.: solução salina 0,9% ou ringer lactato). O volume recomendado inicial é de 30 mL/kg, administrado nas primeiras 3 horas.

A reposição volêmica ajuda a restaurar a perfusão tecidual, melhorando o fluxo sanguíneo para os órgãos vitais.

3. Uso de vasopressores: em casos de choque séptico, quando a pressão arterial média (PAM) não consegue ser mantida ≥ 65 mmHg após reposição volêmica, inicia-se o uso de vasopressores.

  • Noradrenalina é o vasopressor de primeira escolha.
  • Pode-se associar vasopressina ou adrenalina em casos refratários.

A monitorização hemodinâmica invasiva pode ser necessária em pacientes instáveis.

4. Suporte de órgãos vitais, como ventilação mecânica em casos de insuficiência respiratória e hemodiálise em casos de insuficiência renal.

5. Controle da fonte de infecção, que pode incluir procedimentos cirúrgicos para drenagem de abscessos ou remoção de tecidos infectados.

6. Terapias adjuvantes

  • Corticosteroides: corticoides podem ser utilizados em pacientes com choque séptico refratário à reposição volêmica e vasopressores. A hidrocortisona é a droga mais utilizada. A dose recomendada é de 50 mg a cada 6 horas ou 200 mg por dia em infusão contínua. Seu uso deve ser criterioso, pois não beneficia todos os pacientes e pode causar efeitos adversos.
  • Controle glicêmico: recomenda-se manter a glicemia entre 140-180 mg/dL, evitando hipoglicemia.
  • Profilaxia de tromboembolismo venoso: uso de heparina de baixo peso molecular em pacientes imobilizados.
  • Nutrição: iniciar nutrição enteral precoce quando possível, para evitar complicações metabólicas e imunológicas.

Pacientes com critérios de sepse devem ser tratados, preferencialmente, em uma unidade de tratamento intensivo (UTI).


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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