Urina espumosa
É comum que a urina forme alguma quantidade de espuma ao entrar em contato com água do vaso sanitário. Porém, se você notar que a sua urina tem se tornado mais espumosa que o habitual, isso pode ser um sinal de doença nos rins.
O excesso de espuma costuma indicar perda excessiva de proteínas na urina, um indicativo importante de lesão dos glomérulos renais. Vamos explicar.
O que é proteinúria?
Uma das funções básicas dos rins é excretar na urina as substâncias do sangue que estão em excesso, que são tóxicas ou que não nos tenham utilidade. Obviamente, as proteínas não se enquadram nesta definição, não devendo, portanto, serem excretadas na urina (se você não entende bem o que é uma proteína, leia: O que são as proteínas e os aminoácidos?).
A presença de proteínas na urina costuma ser um sinal de que os glomérulos, unidades funcionais dos rins, responsáveis pela filtração do sangue, estão danificados. Quando os glomérulos estão sadios, eles são capazes de separar as substâncias do sangue que devem ser filtradas, eliminando o que não é útil na urina e mantendo o que é importante no sangue.
Quando os rins estão doentes e perdem proteínas na urina, damos o nome de proteinúria.
Como identificar proteínas na urina
A presença de uma urina espumosa é um sinal clássico de proteinúria. Porém, não se assuste se você notar apenas uma pequena quantidade de espuma ao urinar. Essa pequena espumação é normal e é provocada pelo turbilhonamento da urina ao bater na água do vaso sanitário. Se a água estiver com algum produto químico, a formação de espuma pode até ser maior do que você está habituado.
Em geral, quando há proteinúria relevante, a formação de espuma é intensa, parecendo colarinho de chope, e demora vários minutos para desaparecer. Na maioria das vezes, o paciente que perde proteínas na urina não tem dúvidas que o padrão de espumação da sua urina se alterou recentemente.
De qualquer modo, para se evitar confusões, sempre que você suspeitar que a sua urina está espumando demais, o ideal é fazer um exame de urina para tentar identificar a presença de proteínas na mesma. O exame mais simples é o EAS (também chamado, em algumas regiões, de urina tipo 1 ou urina tipo 2), que pode ser feito com apenas alguns mililitros de urina (leia: Exame de urina | Como interpretar os resultados).
Uma vez identificada a existência de proteinúria, o próximo passo é quantificá-la. Quanto maior a perda de proteínas, mais grave é a lesão dos rins.
Como quantificar a proteinúria
Saber ao certo o grau de proteinúria é importante para avaliar o grau da lesão renal e para formular as primeiras hipóteses diagnósticas, já que doenças diferentes causam graus distintos de proteinúria.
A excreção de até 150 mg por dia de proteínas é considerada normal. Destas 150 mg, no máximo 30 mg podem ser de albumina, que é o tipo de proteína mais comum no nosso sangue. As outras 120 mg de proteínas são basicamente imunoglobulinas (anticorpos) e aminoácidos. A perda de albumina na urina é chamada de albuminúria.
Portanto, estaremos diante de perdas anormais de proteínas na urina toda vez que identificarmos uma proteinúria total maior que 150 mg por dia ou uma albuminúria maior que 30 mg por dia (mesmo que a proteinúria total seja inferior a 150 mg por dia).
Existem dois exames de urina que podem quantificar a proteinúria e a albuminúria:
- Urina de 24 horas (leia: Urina de 24 horas | Como colher e para que serve).
- Avaliação da relação entre proteína urinária e creatinina urinária (UPCR).
- Avaliação da relação entre albumina urinária e creatinina urinária (UACR).
A avaliação da relação entre proteína e creatinina na urina é um teste bem mais simples que a urina de 24 horas, pois só é necessária uma pequena amostra de urina para realizá-lo. No entanto, excetuando-se os Nefrologistas, que são os médicos especialistas em rins, a maioria dos outros médicos só está acostumada a trabalhar com a urina de 24 horas, por isso, este acaba sendo o exame mais solicitado quando se pretende quantificar uma proteinúria (leia: O que faz o médico nefrologista?).
Valores normais de proteína na urina:
- Urina de 24 horas: até 150 mg/24 horas.
- Relação entre proteína urinária e creatinina urinária (UPCR): até 0,15 mg/mg.
- Relação entre albumina urinária e creatinina urinária (UACR): até 0,03 mg/mg
É importante frisar que, para o diagnóstico de proteinúria ser estabelecido, é preciso mais de um exame positivo em dias diferentes. Proteinúrias transitórias podem ocorrer após esforço físico intenso ou quadros febris. A proteinúria clinicamente relevante é aquela que é persistente e pode ser identificada em vários exames de urina realizados em diferentes momentos.
Graus de proteinúria
Consoante o resultado da urina de 24 horas, podemos graduar a proteinúria da seguinte forma:
- Proteinúria total menor que 150 mg/dia e albuminúria menor que 30 mg/dia: urina normal.
- Albuminúria entre 30 mg e 300 mg por dia: albuminúria moderadamente aumentada (antigamente chamada de microalbuminúria).
- Proteinúria total entre 300 mg e 500 mg por dia: proteinúria discreta.
- Proteinúria total entre 500 mg e 1000 mg por dia: proteinúria leve.
- Proteinúria entre 1000 e 3500 mg por dia: proteinúria moderada (subnefrótica).
- Proteinúria acima de 3500 mg por dia: proteinúria grave (proteinúria nefrótica).
Já na avaliação da relação entre proteína urinária ou albumina urinária e a creatinina urinária (UPCR), a graduação é:
- UPCR menor que 0,15 ou UACR menor que 0,03 mg/mg: urina normal.
- UACR entre 0,03 e 0,3 mg/mg: albuminúria moderadamente aumentada (antigamente chamada de microalbuminúria).
- UPCR entre 0,15 e 0,5 mg/mg: proteinúria discreta.
- UPCR entre 0,5 e 1,0 mg/mg: proteinúria leve.
- UPCR entre 1,0 e 3,5 mg/mg: proteinúria moderada (subnefrótica).
- UPCR maior que 3,5 mg/mg: proteinúria grave (proteinúria nefrótica).
Sintomas
Microalbuminúria ou proteinúrias discretas não costumam causar sintomas, nem mesmo aumento da espumação da urina. Ambas são sinais precoces de lesão renal e só podem ser identificadas através de exames laboratoriais.
Proteinúrias mais intensas, principalmente aquelas com mais de 1000 mg por dia (UPCR maior que 1,0 mg/mg), costumam provocar sinais e sintomas, como urina espumosa e edemas nas pernas. Quanto maior for o grau de proteinúria, maiores serão os edemas, podendo o paciente apresentar anasarca, um quadro de retenção de líquidos grave, com edemas generalizados, acometendo pernas, barriga, braços, face e até pulmões. Este quadro recebe o nome de síndrome nefrótica.
Pacientes com proteinúria apresentam elevado risco de evoluírem para insuficiência renal a médio/longo prazo.
Causas de proteinúria
Diversas doenças podem provocar lesão dos glomérulos e levar à proteinuria, entre elas, podemos citar:
- Diabetes mellitus.
- Lúpus.
- Doenças primárias do glomérulo.
- Hepatite.
- Sífilis.
- AIDS.
- Reação a anti-inflamatórios.
- Câncer.
- Eclâmpsia.
- Obesidade.
- Hipertensão arterial.
- Mieloma múltiplo.
A principal causa de proteinúria é o diabetes mellitus, motivo pelo qual todo paciente diabético deve fazer exames de urina rotineiramente. O aparecimento de uma microalbuminúria é o primeiro sinal da nefropatia diabética, importante doença renal provocada pelo excesso de glicose no organismo.
O que fazer quando se nota uma urina espumosa
O primeiro passo é procurar orientação médica para a realização de análises laboratoriais da urina. Uma vez confirmada a existência de proteinúria, o passo seguinte é identificar a causa, caso esta já não seja óbvia, como no caso de pacientes já sabidamente diabéticos.
O médico indicado para investigar uma proteinúria é o Nefrologista. Em muitos casos, o diagnóstico da origem da proteinúria só é estabelecido após uma biópsia do rim.
Como tratar a urina espumosa
O tratamento definitivo da proteinúria depende da sua causa. Há casos que podem ser curados, outros não. Por exemplo, se a proteinúria estiver sendo causada por uma lesão renal provocada por uma nefropatia diabética, como ainda não existe cura para o diabetes, o máximo que podemos fazer é controlar os níveis sanguíneos de glicose para tentar retardar a progressão da doença renal. Mas, curar o rim não é possível.
Por outro lado, se a proteinúria estiver sendo causada por uma glomerulonefrite, como Nefropatia por IgA, glomerulosclerose segmentar e focal (GESF) ou nefropatia membranosa, existe a possibilidade de cura e reversão total da proteinúria. Alguns casos de nefropatia por lúpus também podem ser revertidos com tratamento.
De modo geral, independente da causa, todo o paciente com proteinúria deve tentar controlar a pressão arterial de forma rigorosa, mantendo-a abaixo de 135/85 mmHg, e evitar ao máximo o consumo de sal. Se possível, medicamentos que reduzem parcialmente a proteinúria devem ser prescritos, entre eles: enalapril, ramipril, lisinopril, losartan, candesartana ou valsartana.
Outra medicação muito utilizada para proteger os rins de quem tem proteinúria são os inibidores dos transportadores sódio-glicose (SGLT2), como dapaglifozina ou empaglifozina.
O controle do grau de proteinúria ajuda a retardar a progressão da lesão renal, diminuindo o risco do paciente perder o funcionamento dos rins e precisar fazer hemodiálise no futuro.
Referências
- Assessment of urinary protein excretion and evaluation of isolated non-nephrotic proteinuria in adults – UpToDate.
- Overview of heavy proteinuria and the nephrotic syndrome – UpToDate.
- What You Should Know About Albuminuria (Proteinuria) – National Kidney Foundation.
- O’Connell TX. Proteinuria. In: Instant Work-Ups: A Clinical Guide to Medicine. 2nd ed. Philadelphia, Pa.: Elsevier; 2017.
- Taal MW, et al. Section V: Disorders of Kidney Structure and Function. In: Brenner & Rector’s The Kidney. 11th ed. Philadelphia, Pa.: Saunders Elsevier; 2019
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.