Introdução
A doença de lesão mínima, também conhecida como nefropatia por lesão mínima, doença glomerular por lesões mínimas ou síndrome nefrótica por lesões mínimas, é uma doença dos rins, muito comum nas crianças, que se caracteriza pela perda exagerada de proteínas pela urina.
Entre os sinais e sintomas da doença de lesão mínima, o principal é a retenção de líquidos, que costuma provocar inchaços por todo o corpo, incluindo a face, barriga e os membros inferiores.
A doença por lesão mínima costuma responder bem ao tratamento, principalmente nas crianças. Porém, cerca de 10% dos casos são resistentes aos fármacos e podem evoluir com lesão permanente dos rins.
Neste artigo explicaremos o que a doença de lesão mínima, quais são as suas causas, sintomas, formas de diagnóstico e os tratamentos disponíveis.
O que é a doença de lesão mínima?
A nefropatia por lesão mínima é uma glomerulopatia, ou seja, uma doença dos glomérulos renais. O glomérulo é uma estrutura microscópica, cuja principal função é a filtração do sangue. Cada um dos nossos rins possui cerca de 1 milhão de glomérulos.
Quando os glomérulos estão saudáveis, eles exercem adequadamente a sua função de filtro do organismo: o sangue chega aos rins, e os glomérulos distinguem o que é e o que não é importante para o nosso corpo. O que é desnecessário é eliminado na urina, o que é necessário permanece no sangue. As proteínas, principalmente a albumina, são substâncias importantes para o nosso organismo, e, por isso, em condições normais, não devem ser eliminadas na urina como se fossem alguma substância tóxica ou dispensável.
Um paciente com rins saudáveis perde quantidades mínimas de proteínas na urina, menos de 150 mg por dia. A presença de proteínas na urina em quantidade maior que 150 mg/dia é chamada de proteinúria, sendo este um sinal típico de lesão dos glomérulos. Quanto mais grave for a lesão glomerular, maior será a proteinúria. Os pacientes com nefropatia por lesão mínima costumam perder na urina mais de 3500 mg (3.5 gramas) de proteínas por dia, podendo chegar, em alguns casos, a mais de 10000 mg (10 gramas) por dia.
A nefropatia por lesão mínima é uma doença na qual há lesão das paredes dos capilares glomerulares, que é efetivamente o local do glomérulo onde ocorre a filtração do sangue. A lesão dos capilares glomerulares faz com que substâncias que deveriam permanecer no sangue acabem “escapulindo” para a urina, como se fosse um filtro cheio de buracos.
Como os pacientes com nefropatia por lesão mínima apresentavam relevante proteinúria, era óbvio que eles tinham uma lesão dos glomérulos, mas os patologistas não eram capazes de identificá-la nas amostras de biópsia renal vistas através do microscópio ótico. Por isso, a doença recebeu o nome de nefropatia por lesões mínimas.
Somente com o advento da microscopia eletrônica, que tem o poder de magnificar uma imagem em mais de 10.000 vezes, contra cerca de 400 vezes do microscópio ótico, é que foi possível identificarmos a lesão dos capilares glomerulares. O nome antigo, porém, permaneceu.
Para saber mais sobre outras doenças glomerulares, leia: O que é glomerulonefrite e doença Glomerular?
Causas
O paciente pode adquirir a doença de lesão mínima ao longo da vida (doença adquirida) ou pode já nascer com ela (doença congênita).
A forma congênita de lesão mínima é a mais grave, pois além de se manifestar já nos primeiros meses de vida, ela não responde aos medicamentos habitualmente utilizados para o tratamento. O paciente nasce com um defeito nos capilares glomerulares e não há nada que possa ser feito, além do transplante renal.
A forma adquirida da doença de lesão mínima é a mais comum e costuma acometer crianças entre 1 e 12 anos de idade. A maioria dos casos ocorre antes dos 6 anos. Ao contrário da forma congênita, a nefropatia por lesão mínima adquirida costuma responder bem ao tratamento.
A glomerulopatia por lesão mínima adquirida é uma doença de origem imunológica, cuja causa ainda é obscura. A doença parece ter origem na produção pelos linfócitos T (uma das células de defesa do nosso sistema imunológico) de substâncias nocivas aos capilares glomerulares. A nefropatia por lesão mínima é, portanto, uma doença que surge devido a um mau funcionamento do sistema imunológico do próprio paciente (leia também: Doença autoimune – Causas e Sintomas).
Nas crianças, a nefropatia por lesão mínima costuma ser uma doença idiopática e primária do rim, ou seja, ela só acomete o rim e não há uma causa conhecida para o seu surgimento. Já nos adultos, a doença por lesão mínima pode ter origem em outras doenças, como, por exemplo, linfomas, leucemia, alergias, infecções, uso abusivo de anti-inflamatórios, etc.
Sintomas
Proteinúria
A principal característica da doença glomerular por lesões mínimas é a proteinúria, que, como já foi explicado, é o termo utilizado para designar a perda excessiva de proteínas na urina.
Um dos principais sinais da presença de proteínas na urina é uma exagerada formação de espuma, tipo colarinho de cerveja, quando o paciente urina. Quanto mais intensa for a proteinúria, mais espumosa será a urina.
É importante destacar que toda urina provoca algum grau de espuma no vaso sanitário. Porém, a espuma que a proteinúria provoca é acentuada, nitidamente mais intensa que a espuma que a sua urina habitualmente produz.
A proteinúria não é uma complicação exclusiva da doença de lesões mínimas. Ela costuma estar presente em várias outras doenças que acometem os rins, inclusive o diabetes mellitus. Muitas vezes, a urina espumosa é o sintoma mais precoce de uma doença renal e pode preceder em meses ou anos o aparecimento de outros sintomas. Portanto, se de uma hora para outra você notar que a sua urina passou a espumar de forma exagerada, o ideal é fazer um exame de urina para descartar a possibilidade de existir proteinúria.
Explicamos melhor a proteinúria e a urina espumosa nesse artigo: Urina espumosa e proteinúria.
Síndrome nefrótica
A urina espumosa não é o único sinal da perda de proteínas na urina. Como já referido, o normal é perder menos de 150 mg por dia de proteínas na urina. Perdas a partir de 500 mg por dia já podem causar aumento perceptível da espuma na urina. Os pacientes com doença de lesões mínimas têm, habitualmente, proteinúrias de mais de 3500 mg por dia.
Todo paciente com proteinúria acima de 3500 mg por dia (50 mg/kg nas crianças) está sob risco de desenvolver o que chamamos de síndrome nefrótica, que é um conjunto de sinais e sintomas que ocorrem quando a perda de proteínas na urina é muito grande.
A perda maciça de proteínas na urina provoca uma redução da concentração de proteínas no sangue, que por sua vez, leva à retenção de líquidos e ao extravasamento de água de dentro dos vasos sanguíneos para os tecidos, principalmente para pele, provocando quadros de edemas (inchaços).
O paciente com síndrome nefrótica apresenta-se tipicamente com edemas na face, principalmente ao redor dos olhos, e nos membros inferiores. Também é comum o acúmulo de líquido na região do abdômen. Nos homens, a bolsa escrotal costuma ficar inchada. Nos casos mais graves, o extravasamento de líquido acomete os pulmões e provoca quadros de cansaço e falta de ar.
A retenção de líquidos causa ganho de peso, e não é incomum que o paciente chegue a ficar 5 a 10 kg mais pesado (não é ganho de gordura, mas sim retenção e líquido).
Várias doenças podem provocar síndrome nefrótica, mas a nefropatia por lesão mínima é disparada a principal causa nas crianças, sendo responsável por até 90% dos casos nessa faixa etária. Nos adultos, ela é menos comum e representa somente cerca de 10 a 15% dos casos de síndrome nefrótica.
Para saber mais sobre a síndrome nefrótica e suas causas, leia: Síndrome nefrótica – Causas, Sintomas e Tratamento.
Diagnóstico
O primeiro passo para o diagnóstico da síndrome nefrótica e da doença de lesão mínima é identificar e quantificar as proteínas na urina. Análises como o exame simples de urina e a urina de 24 horas costumam ser usados para esse objetivo.
Cerca de 20 a 30% dos pacientes com doença de lesão mínima também apresentam hematúria microscópica, que é a presença de sangue na urina, só detectável através das análises laboratoriais (leia: Causas de sangue na urina).
Análises de sangue também ajudam. Os principais achados no exame de sangue são valores baixos de albumina e a elevação do colesterol (leia: Colesterol HDL, LDL e triglicerídeos).
A maioria dos pacientes não apresenta alteração da função renal, mas 1 em cada 5 podem apresentar insuficiência renal aguda, caracterizada pelo aumento do valor da creatinina sanguínea (leia: Exame da creatinina).
Se o paciente tiver edema generalizado e proteinúria relevante nas análises de urina, o diagnóstico da síndrome nefrótica já pode ser estabelecido. O próximo passo é estabelecer a sua causa.
O exame utilizado para o diagnóstico definitivo é a biópsia renal. Porém, como nas crianças 90% dos casos de síndrome nefrótica são causados pela doença de lesão mínima, e a biópsia é um procedimento invasivo que acarreta alguns riscos, a maioria dos médicos opta pelo início do tratamento sem um diagnóstico confirmado.
Nas crianças com menos de 12 anos, a biópsia fica reservado para os casos que não respondem ao tratamento ou quando o médico tem algum motivo para suspeitar que a síndrome nefrótica da criança tenha outra causa que não a nefropatia de lesão mínima.
Nos adultos a situação é diferente. Como existem dezenas de causas diferentes de síndrome nefrótica e nenhuma delas é notadamente mais comum que as outras nessa faixa etária, é impossível definir um diagnóstico e estabelecer uma estratégia terapêutica sem o resultado da biópsia. Portanto, para um diagnóstico definitivo da causa da síndrome nefrótica nos adultos, a biópsia renal costuma ser a melhor opção.
Tratamento
O tratamento inicial da doença por lesão mínima é feito com glicocorticoides, tipicamente prednisona ou prednisolona. As doses e o tempo de tratamento mais utilizados são os seguintes:
- Crianças: 2 mg/kg por via oral (até um máximo de 60 mg) em dias alternados por 6 semanas. Após essas 6 semanas a dose é reduzida para 1,5 mg/kg (dose máxima de 40 mg) por mais 6 semanas. Após essas 12 semanas, a dose deve ser reduzida progressivamente ao longo dos próximos 2 ou 3 meses até a sua suspensão completa*.
- Adultos: 1 mg/kg por dia por via oral (dose máxima 80 mg) por 12 a 16 semanas. Após esse período, redução progressiva da dose ao longo de 6 meses até a sua suspensão completa*.
* Esse processo de redução progressiva da dose dos corticoides chama-se desmame e deve ser sempre respeitado, pois a suspensão abrupta dos corticoides após tratamentos prolongados pode causar graves efeitos adversos.
Mais de 90% dos pacientes apresentam remissão da proteinúria, e a grande maioria o faz dentro das 4 primeiras semanas de tratamento. Porém, cerca de metade dos pacientes pode apresentar uma recaída da doença após o fim do tratamento, com a suspensão completa dos corticoides. Nestes casos, um novo curso de corticoides está indicado.
Como os corticoides são responsáveis por uma grande quantidade de efeitos colaterais, principalmente quando usados de forma prolongada (leia: Corticoides – Efeitos colaterais e indicações), o ideal é mudar o tratamento nos pacientes com múltiplas recaídas (cerca de 20% dos casos), de forma a minimizar os efeitos tóxicos dos corticoides a longo prazo. Nos adultos, o fármaco de escolha para as recaídas frequentes é a ciclofosfamida, enquanto nas crianças é o micofenolato mofetil.
Como explicado anteriormente, os casos de síndrome nefrótica congênita não respondem ao tratamento com medicamentos.
Nos adultos com doença de lesão mínima secundária a alguma doença, o tratamento da sua síndrome nefrótica passa pelo tratamento doença inicial. Por exemplo, se o paciente desenvolveu doença de lesão mínima por causa de um quadro de linfoma, o tratamento não é direcionado para a nefropatia de lesão mínima, mas sim contra o linfoma. A cura do linfoma leva à cura da doença de lesão mínima. Se o quadro tiver sido provocado por uso abusivo de anti-inflamatórios, o tratamento é simplesmente a suspensão dos anti-inflamatórios.
Os pacientes que não conseguem obter controle da síndrome nefrótica ao longo dos anos encontra-se em elevado risco de desenvolver insuficiência renal crônica (leia: Insuficiência renal crônica).
Referências
- Minimal Change Disease – Clinical journal of the American Society of Nephrology (CJASN).
- Minimal Change Disease – The University of North Carolina at Chapel Hill.
- Etiology, clinical manifestations, and diagnosis of nephrotic syndrome in children – UpToDate.
- Treatment of idiopathic nephrotic syndrome in children – UpToDate.
- Etiology, clinical features, and diagnosis of minimal change disease in adults – UpToDate.
- Treatment of minimal change disease in adults – UpToDate.
- Minimal-Change Disease – Medscape.
- Brenner and Rector’s The Kidney, 2-Volume Set 11th Edition.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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