Remédios tóxicos e fatais para crianças mesmo em dose baixa

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Introdução

As crianças com menos de 4 anos são as principais vítimas de envenenamentos acidentais. Vários medicamentos comuns, que muitos pais ou avós têm em casa, aumentam dramaticamente o risco de morte, mesmo com a ingestão de apenas um ou dois comprimidos.

Todos com crianças em casa, ou cuja casa é regularmente frequentada por crianças, devem conhecer os perigos desses medicamentos e tomar os devidos cuidados para evitar que esses fármacos estejam ao alcance dos pequenos.

A maioria das crianças acima de um ano já consegue andar e já desenvolveu a destreza para usar os dedos como pinça, de forma a conseguir pegar e levar facilmente à boca comprimidos e pílulas.

As crianças pequenas exploram seu ambiente colocando objetos em sua boca. Eles também gostam de imitar ações que viram seus pais realizar. Bebês e crianças pequenas são naturalmente curiosos, mas não têm compreensão dos riscos ou entendimento dos rótulos de advertência. Portanto, não é surpreendente que o envenenamento acidental seja uma emergência médica comum nessa faixa etária.

Só nos Estados Unidos, são mais de 2 milhões de casos de intoxicação por ano relatadas à Associação Americana de Centros de Controle de Veneno. Mais da metade desses envenenamentos envolvem crianças menores de 6 anos. Medicamentos correspondem a 42% de todas as exposições tóxicas notificadas.

A maioria das ingestões acidentais de remédios por crianças envolve doses que ficam bem abaixo do que seria considerado uma ingestão tóxica para um adulto. Há um punhado de fármacos e produtos químicos perigosos para crianças, mesmo se ingeridas quantidades relativamente pequenas, como um único comprimido.

O que listamos a seguir são alguns fármacos altamente tóxicos para crianças, especialmente aquelas com menos de 6 anos de idade.

Medicamentos potencialmente fatais para crianças

Cloroquina e hidroxicloroquina

A cloroquina e a hidroxicloroquina são medicamentos habitualmente utilizados para o tratamento da malária ou de doenças reumatológicas, como lúpus, artrite reumatoide ou síndrome de Sjögren.

A hidroxicloroquina pode ser encontrada em comprimidos de 400 mg. Uma criança de até 10 quilos pode morrer se ingerir 1 comprimido de 400 mg. Uma criança de até 20 kg pode morrer se ingerir 2 comprimidos de 400 mg.

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 30 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: a toxicidade é caracterizada pelo rápido aparecimento de hipocalemia (níveis baixos de potássio no sangue), coma, convulsões e parada cardiorrespiratória, que ocorrem dentro de 1 a 3 horas após a ingestão do fármaco.

Bloqueadores dos canais de cálcio

Os bloqueadores dos canais de cálcio são uma classe de anti-hipertensivos bastante comum. Exemplos de medicamentos desta classe são: verapamil, diltiazem, amlodipina, nifedipina.

Deste grupo, verapamil e a nifedipina são os que têm maior probabilidade de provocarem intoxicação sintomática. Os sinais de toxicidade podem demorar até 4 a 16 horas para surgirem após a ingestão nos casos de comprimidos de liberação prolongada. A ingestão potencial de comprimidos de preparação de liberação prolongada exige um período de observação médica prolongado (mínimo de 12 horas até 24 horas).

Há casos descritos de morte de crianças entre 10 e 14 anos com a ingestão de apenas 1 comprimido de 10 mg de nifedipina (formulação de ação rápida) e de crianças de 7 anos que foram ao óbito com apenas 1 comprimido de 25 de verapamil.

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 10 mg de nifedipina de ação rápida ou a partir de 40 mg/kg de verapamil (há casos de morte com doses mais baixas)
  • Sintomas de intoxicação: hipotensão arterial, bradicardia (nos casos de verapamil ou diltiazem), taquicardia (nos casos de amlodipina ou nifedipina) e hiperglicemia.

Agonistas receptores adrenérgicos centrais alfa-2

Clonidina, um agonista alfa-2 adrenérgico, é um derivado bioquímico da imidazolina, introduzido no mercado inicialmente como um descongestionante intranasal há mais de 40 anos. Atualmente, a clonidina tem sido utilizada principalmente como um potente anti-hipertensivo para pacientes com hipertensão arterial de difícil controle.

A Guanfacina e a tizanidina são também medicamentos agonistas adrenérgicos alfa-2 centrais orais comumente prescritos para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e como agente anti-espasticidade. Outros derivados da imidazolinas são encontradas em colírios e descongestionantes nasais comuns.

Casos graves de intoxicação podem ocorrer com ingestão de comprimidos, adesivos transdérmicos, descongestionantes nasais ou colírios.

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 0,01 mg/kg no caso da clonidina.
  • Sintomas de intoxicação: bradicardia, hipotensão, diminuição do diâmetro das pupilas, letargia, coma e depressão respiratória.

Sulfonilureas

As sufonilureas fazem parte de uma classe comum de hipoglicemiantes orais (antidiabéticos). Exemplos de medicamentos desta classe são: glipizida, glimepirida e gliclazida.

Esses fármacos estimulam a liberação de insulina pelo pâncreas. Mesmo pequenas doses podem deixar a criança sob risco de hipoglicemia grave.

  • Dose potencialmente fatal: 1 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: hipoglicemia, sonolência, perda de consciência, convulsões.

Antiarrítmicos

Antiarrítmicos são medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com arritmias cardíacas. Os antiarrítmicos de classe I, que compreendem os fármacos flecainida, propafenona, quinidina, procainamida, disopiramida, lorcainida e lidocaína, são aqueles com maior número de casos relatados de intoxicação grave em crianças.

  • Dose potencialmente fatal: quinidina: 50 mg/kg, lidocaína: 30 ml de solução 2%, lorcainida: 50 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: convulsões, arritmia, depressão do sistema nervoso central.

Antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos

Os antidepressivos tricíclicos são fármacos utilizados no tratamento da depressão e do transtorno bipolar. Também podem usados no tratamento da dor neuropática, como neuralgia pós-herpética. Exemplos de antidepressivos tricíclicos são imipramina, desipramina, amitriptilina, nortriptilina, amoxapina.

A desipramina, por exemplo, pode ser encontrada em comprimidos de 75 mg e 150 mg. Uma criança de até 15 quilos pode morrer se ingerir 1 comprimido de 150 mg ou 2 comprimidos de 75 mg.

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 10 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: coma, convulsões, hipotensão arterial e arritmias cardíacas. Os sinais de toxicidade costumam se apresentar dentro de 6 horas após a ingestão.

Antipsicóticos

Os antipsicóticos são fármacos preferencialmente usados no tratamento sintomático das psicoses, principalmente a esquizofrenia. Também são utilizados como anestésicos e em outros distúrbios psíquicos.

Exemplos de antipsicóticos são clorpromazina, clozapina e tioridazina.

A clorpromazina pode ser encontrada em comprimidos ou gotas. Uma criança de até 10 quilos pode morrer se ingerir 1 comprimido de 100 mg ou uma criança de até 20 kg pode morrer se ingerir pelo menos 5 ml da solução oral de 40 mg/ml (frasco tem 20 ml).

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 10 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: coma, convulsões, hipotensão arterial e arritmias cardíacas.

Inibidores da monoamina oxidase (iMAO)

Os inibidores da monoamina oxidase são uma classe de drogas utilizadas especialmente para depressão resistente ou depressão atípica. Também podem ser usados para tratar síndrome do pânico, transtornos de ansiedade social, doença de Parkinson e vários outros distúrbios.

No entanto, esses fármacos são pouco utilizados atualmente e costumam ser reservados para situações específicas, pois possuem diversas interações medicamentosas e alimentares graves, além de poderem ser letais em overdose mesmo em adultos.

Exemplos de inibidores da monoamina oxidase são fenelzina, rasagilina, tranilcipromina, selegilina, safinamida, isocarboxazida e moclobemida.

A tranilcipromina, por exemplo, é vendida em comprimidos de 10 mg. Uma criança de até 5 quilos pode morrer se ingerir 2 ou mais comprimidos.

  • Dose potencialmente fatal: a partir de 4 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: febre, agitação psicomotora, pupilas dilatadas, visão embaçada, aumento da frequência cardíaca, convulsões e rabdomiólise.

Opioides

Opiáceos ou opioides são substâncias que agem sobre os receptores do cérebro, nervos, intestinos e outros órgãos para produzir efeitos semelhantes aos da morfina. Opioides são usados principalmente para alívio da dor intensa, incluindo anestesia. Outros usos médicos incluem supressão de diarreia, tratamento da dependência de opioides e supressão da tosse.

A metadona é o opioide mais perigoso do grupo, porém casos de intoxicação grave já foram descritos também com codeína, fentanil, difenoxilato, naloxona e propoxifeno.

  • Dose potencialmente fatal: metadona: 10 mg (1 comprimido), difenoxilato: 1,2 mg/kg, codeína: 5 mg/kg.
  • Sintomas de intoxicação: diminuição do diâmetro das pupilas, depressão do sistema nervoso central, depressão respiratória.

Outros

Outros fármacos e substâncias potencialmente fatais para crianças mesmo em doses baixas são:

  • Benzocaína: dose potencialmente fatal: 20 mg/kg. Sintomas: metemoglobinemia e convulsão.
  • Cânfora: dose potencialmente fatal: 50 mg/kg. Sintomas: convulsões, depressão do sistema nervoso central, depressão respiratória.
  • Colchicina: dose potencialmente fatal: 0,5 mg/kg. Sintomas: arritmias, depressão do sistema nervoso central, depressão respiratória, insuficiência renal e acidose metabólica.
  • Lindano: dose potencialmente fatal: 6 mg/kg. Sintomas: convulsões e depressão do sistema nervoso central.
  • Nicotina líquida: dose potencialmente fatal: 1 mg/kg. Sintomas: convulsões, coma, parada respiratória e parada cardíaca.
  • Salicilato de metila: dose potencialmente fatal: 200 mg/kg. Sintomas: convulsões, acidose metabólica, colapso cardiovascular
  • Teofilina: dose potencialmente fatal: 50 mg/kg. Sintomas: convulsões e arritmias cardíacas.
  • Vilazodona: dose potencialmente fatal: 10 mg (1 comprimido). Sintomas: convulsões, coma, taquicardia.

Como agir em caso de ingestão acidental de medicamentos?

Qualquer ingestão acidental de medicamentos deve avaliada por um médico, mesmo que a criança esteja assintomática. Alguns medicamentos só provocam sinais de envenenamento várias horas após terem sido ingeridos.

Quanto mais rápido for o atendimento médico, mais opções de tratamento estarão disponíveis e maiores são as chances de prevenir sinais e sintomas graves de intoxicação.


Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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Comentários e perguntas

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3 respostas para “Remédios tóxicos e fatais para crianças mesmo em dose baixa”

  1. Raphaella

    Devo fazer a criança vomitar se houver suspeita de ingestão acidental de algum remédio?

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro
      Atualmente não se recomenda mais que os pais induzam vômito quando a criança se intoxica ou envenena, pois isso ocasiona outros risco e atrasa o antedimento médico. O ideal é pegar na criança e levá-la ao serviço de urgência mais próximo quanto antes possível. Se houver indicação, os médicos farão lavagem do estômago.
  2. Sandra

    Nenhuma dúvida, só queria elogia o trabalho e a publicação de informações tão importantes.