Introdução
A hipertensão arterial de difícil controle, também conhecida como hipertensão resistente, é uma forma mais complexa da pressão alta, caracterizada por não responder adequadamente ao tratamento com múltiplos medicamentos anti-hipertensivos. Ou seja, mesmo após o uso de pelo menos três fármacos diferentes — sendo um deles obrigatoriamente um diurético — em doses apropriadas, a pressão arterial do paciente permanece acima dos valores recomendados, geralmente ≥140/90 mmHg.
A importância de reconhecer e tratar corretamente esse tipo de hipertensão vai muito além do controle da pressão. Pacientes com hipertensão resistente têm risco significativamente aumentado de complicações cardiovasculares graves, como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca, doença renal crônica e morte súbita.
Além disso, é fundamental destacar que nem todos os casos de hipertensão não controlada representam, de fato, uma hipertensão resistente verdadeira. Em muitos pacientes, o que se observa é uma combinação de aderência inadequada ao tratamento, uso incorreto dos medicamentos, esquemas terapêuticos mal estruturados ou presença de fatores interferentes, como medicamentos que elevam a pressão arterial, obesidade, excesso de sal na dieta ou o chamado efeito do jaleco branco.
Neste artigo explicamos as principais causas de hipertensão de difícil controle e quais são as estratégias que podem ser adotadas para diminuir a pressão arterial nesse grupo de pacientes.
Para saber mais sobre a hipertensão arterial sistêmica, acesse o nosso arquivo de textos sobre o assunto: Arquivo de hipertensão arterial.
Classificação da hipertensão arterial
A pressão arterial é a força que o sangue exerce contra as paredes das artérias enquanto o coração bombeia. Quando essa pressão se mantém elevada de forma persistente, falamos em hipertensão arterial sistêmica (HAS), popularmente conhecida como pressão alta.
Segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e de instituições internacionais como o Colégio Americano de Cardiologia (ACC) e a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), os valores pressóricos são classificados da seguinte forma:
Classificação | Pressão Sistólica (mmHg) | Pressão Diastólica (mmHg) |
---|---|---|
Normal | ≤ 120 | ≤ 80 |
Pré-hipertensão / PA elevada* | 121–139 | 81–89 |
Hipertensão estágio 1 | 140–159 | 90–99 |
Hipertensão estágio 2 | ≥ 160 | ≥ 100 |
*Algumas diretrizes, como a americana (ACC/AHA 2017), consideram valores entre 130–139/80–89 mmHg como já compatíveis com estágio 1 de hipertensão, especialmente em pacientes com alto risco cardiovascular. No entanto, a diretriz brasileira mantém o ponto de corte diagnóstico tradicional de 140/90 mmHg.
Leitura sugerida: Qual é a pressão arterial normal?
Muita gente se assusta com uma medida isolada de pressão elevada, mas é importante saber que o diagnóstico de hipertensão arterial só deve ser feito após diversas aferições elevadas, idealmente realizadas em ambientes tranquilos e em condições padronizadas.
De acordo com as diretrizes brasileiras e internacionais, é necessária pelo menos uma das duas situações abaixo:
- Três medidas de pressão arterial elevadas em duas ou mais consultas diferentes, feitas com técnica correta.
- A confirmação de pressão elevada através de métodos como o MAPA (monitorização ambulatorial da pressão arterial) ou a MRPA (medida residencial da pressão arterial).
Esses métodos são fundamentais para diferenciar casos de hipertensão verdadeira daqueles de hipertensão do jaleco branco, quando a pressão sobe apenas quando medida em consultórios, por ansiedade, mas se mantém normal em casa.
A correta identificação da hipertensão é o primeiro passo para prevenir as complicações graves da doença. Além disso, entender como a pressão deve ser medida evita diagnósticos errôneos e uso desnecessário de medicamentos.
Se você ou alguém da sua família teve uma medida de pressão alta isolada, o ideal é repetir o exame em condições apropriadas, preferencialmente com o uso de MAPA ou MRPA, antes de iniciar qualquer tratamento.
Leitura sugerida: Como medir a pressão arterial corretamente?
O que é hipertensão resistente?
A hipertensão arterial resistente é definida como a forma de hipertensão arterial sistêmica que permanece descontrolada apesar do uso concomitante de três classes diferentes de medicamentos anti-hipertensivos, sendo obrigatoriamente um deles um diurético, todos prescritos em doses adequadas e tomados de forma correta.
Também se inclui na definição de hipertensão resistente o paciente cuja pressão arterial só se mantém controlada mediante o uso de quatro ou mais medicamentos anti-hipertensivos.
Em ambos os casos, considera-se como critério de controle uma pressão arterial abaixo de 140/90 mmHg, embora diretrizes mais recentes, como a americana (ACC/AHA 2017), recomendem valores-alvo inferiores a 130/80 mmHg para populações de maior risco cardiovascular.
É importante compreender que o termo “resistente” não se aplica a todo quadro de hipertensão não controlada. Muitos pacientes são rotulados como portadores de hipertensão resistente quando, na verdade, apresentam falhas no tratamento que podem ser corrigidas com relativa facilidade. A resistência verdadeira pressupõe que o esquema terapêutico está bem elaborado e sendo corretamente seguido, e mesmo assim a pressão arterial permanece persistentemente elevada.
Antes de firmar esse diagnóstico, é indispensável uma avaliação cuidadosa para excluir outras condições que simulam a hipertensão resistente. Um dos erros mais comuns é atribuir resistência ao tratamento a pacientes que, na verdade, não fazem uso adequado das medicações prescritas. A baixa adesão terapêutica, seja por esquecimento, efeitos adversos, dificuldades financeiras ou falta de compreensão sobre a importância do tratamento, é uma das causas mais frequentes de falha no controle pressórico.
Além disso, esquemas terapêuticos incompletos ou mal formulados também podem levar a uma falsa impressão de resistência. O uso de doses subterapêuticas ou a ausência de um diurético no esquema — especialmente os da classe dos tiazídicos de longa ação, como a clortalidona ou hidroclorotiazida — contribui significativamente para a ineficácia do tratamento. Muitos pacientes rotulados como resistentes passam a ter a pressão controlada após ajustes adequados na escolha e combinação das medicações.
Outra situação frequentemente confundida com hipertensão resistente é a hipertensão do jaleco branco. Nesse quadro, o paciente apresenta elevações transitórias da pressão arterial apenas no ambiente clínico, geralmente devido à ansiedade gerada pela presença do profissional de saúde. Fora do consultório, seus níveis pressóricos permanecem normais.
Para o diagnóstico diferencial entre hipertensão resistente verdadeira e efeito do jaleco branco, utiliza-se a Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) ou a Medição Residencial da Pressão Arterial (MRPA), métodos que avaliam a pressão em contextos fora do ambiente hospitalar.
O que é a medição residencial da pressão arterial (MRPA)?
A medição residencial da pressão arterial (MRPA) é um método de avaliação da pressão arterial realizado pelo próprio paciente, em sua residência, ao longo de vários dias, seguindo um protocolo padronizado. O objetivo da MRPA é obter valores mais representativos da pressão arterial habitual do indivíduo, longe do ambiente médico, onde a ansiedade pode interferir nos resultados — como ocorre na chamada hipertensão do jaleco branco.
O que é o MAPA (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial)?
A Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) é um exame que registra automaticamente os níveis de pressão arterial do paciente ao longo de 24 horas, durante suas atividades habituais e o sono. O objetivo do MAPA é obter uma avaliação mais precisa e completa da variação da pressão arterial ao longo do dia e da noite, algo que não pode ser captado por medições isoladas em consultório.
Durante o exame, o paciente utiliza um aparelho portátil conectado a uma braçadeira, que realiza medições de 15 em 15 minutos durante o dia e de 30 em 30 minutos à noite. Os dados coletados são posteriormente analisados por um médico.
Resumo dos critérios para hipertensão resistente
Os principais critérios que devem ser preenchidos para se confirmar o diagnóstico de hipertensão resistente verdadeira são:
- O paciente faz uso simultâneo de três ou mais anti-hipertensivos de diferentes classes, sendo um diurético.
- As doses utilizadas são adequadas e ajustadas para controle pressórico.
- A adesão ao tratamento é comprovadamente satisfatória.
- A pressão arterial permanece ≥140/90 mmHg (ou ≥130/80 mmHg, conforme diretriz adotada).
- Foram excluídas causas de hipertensão do avental branco por meio de MAPA ou MRPA.
- O esquema terapêutico está bem estruturado e não há uso de medicamentos ou substâncias que interfiram negativamente no controle pressórico.
Estima-se que a hipertensão resistente afete entre 10% e 20% dos pacientes hipertensos em seguimento clínico regular. Esse grupo representa um desafio terapêutico significativo, pois, além da maior dificuldade de controle, carrega um risco substancialmente elevado de complicações cardiovasculares, cerebrovasculares e renais.
Fatores de risco para hipertensão resistente
A hipertensão resistente está frequentemente associada a características clínicas e demográficas específicas que dificultam o controle pressórico, mesmo com tratamento farmacológico otimizado. Identificar esses fatores de risco é essencial para orientar tanto a estratégia terapêutica individualizada quanto a investigação de causas secundárias de hipertensão.
De modo geral, pacientes com hipertensão resistente costumam apresentar níveis pressóricos persistentemente elevados, muitas vezes já classificados como hipertensão estágio 2. Casos de hipertensão leve ou limítrofe (estágio 1) raramente evoluem com verdadeira resistência ao tratamento, a menos que estejam associados a múltiplos fatores agravantes ou comorbidades.
Entre os fatores que aumentam a probabilidade de um paciente desenvolver hipertensão de difícil controle, destacam-se:
- Idade avançada: o envelhecimento está associado a alterações estruturais das artérias, como rigidez arterial, que reduzem a resposta ao tratamento anti-hipertensivo.
- Etnia negra: indivíduos afrodescendentes apresentam maior prevalência de hipertensão resistente, além de maior sensibilidade ao sódio e menor resposta a algumas classes de medicamentos, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA).
- Obesidade: o excesso de tecido adiposo promove resistência à insulina, inflamação crônica de baixo grau e ativação do sistema nervoso simpático, contribuindo para a elevação da pressão arterial (leia: Doenças provocadas pela obesidade (de diabetes a câncer)).
- Diabetes mellitus: o diabetes descontrolado interfere na função endotelial e no sistema renina-angiotensina-aldosterona, dificultando o controle pressórico.
- Doença renal crônica: tanto causa quanto consequência da hipertensão, a insuficiência renal crônica favorece a retenção de sódio e água, o que eleva a pressão arterial e torna seu controle mais complexo.
- Hipertrofia ventricular esquerda: essa alteração estrutural do coração é consequência de longa data de pressão elevada e está frequentemente presente em pacientes com resistência ao tratamento.
- Tabagismo: o cigarro induz vasoconstrição, aumenta a rigidez arterial e estimula a atividade simpática, todos mecanismos que dificultam a resposta ao tratamento.
- Consumo elevado de sal: o excesso de sódio na dieta é um dos principais fatores dietéticos associados à hipertensão resistente. A sensibilidade ao sal é especialmente elevada em idosos, negros, diabéticos e portadores de doença renal.
- Consumo abusivo de álcool: o etanol em excesso eleva a pressão por diversos mecanismos, incluindo aumento do tônus simpático e elevação dos níveis circulantes de catecolaminas.
- Uso de substâncias vasopressoras: substâncias como cocaína e anfetaminas têm efeito hipertensor direto e podem precipitar ou agravar quadros de hipertensão de difícil controle.
- Consumo excessivo de alcaçuz: menos comum, mas relevante, o alcaçuz contém glicirrizina, substância que pode causar retenção de sódio e levar à elevação da pressão arterial, especialmente quando consumido de forma crônica.
A presença de múltiplos fatores de risco em um mesmo indivíduo tem efeito cumulativo, aumentando significativamente a probabilidade de falha terapêutica com esquemas convencionais. Por essa razão, a abordagem da hipertensão resistente não deve limitar-se ao ajuste medicamentoso, mas incluir também modificações intensivas no estilo de vida, com perda de peso, cessação do tabagismo, restrição de sal e álcool, prática regular de atividade física e controle rigoroso de doenças associadas, como diabetes e disfunção renal.
Medicamentos e substâncias que dificultam o controle da pressão arterial
Diversas substâncias farmacológicas e não farmacológicas podem interferir no tratamento da hipertensão arterial, dificultando o alcance das metas pressóricas mesmo quando o esquema terapêutico está corretamente ajustado. Em muitos casos, o uso dessas substâncias é contínuo e passa despercebido tanto pelo paciente quanto pelo profissional de saúde, levando à falsa impressão de que se trata de um caso de hipertensão resistente verdadeira.
A interferência pode ocorrer por diferentes mecanismos: retenção de sódio e água, vasoconstrição direta, ativação do sistema nervoso simpático ou interações medicamentosas que reduzem a eficácia dos anti-hipertensivos. Por isso, uma avaliação criteriosa da medicação de uso regular do paciente é parte fundamental da abordagem da hipertensão de difícil controle.
Entre os principais agentes com potencial de elevação pressórica, destacam-se:
- Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): anti-inflamatórios, como ibuprofeno, diclofenaco, nimesulida e cetoprofeno são amplamente utilizados para alívio de dores articulares e musculares, mas reduzem a ação dos diuréticos e dos inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), além de promoverem retenção de sódio. Mesmo o uso ocasional pode afetar significativamente o controle da pressão.
- Ácido acetilsalicílico (aspirina) em altas doses: a aspirina em doses analgésicas ou anti-inflamatórias (>500 mg/dia) pode ter efeito hipertensor semelhante ao dos AINEs. Já em doses baixas (até 100 mg/dia), ela costuma ser segura.
- Anticoncepcionais orais: especialmente os que contêm estrogênio, podem elevar a pressão arterial, principalmente em mulheres com predisposição genética, com histórico familiar de hipertensão ou acima dos 35 anos (leia: 10 possíveis efeitos colaterais da pílula anticoncepcional).
- Corticoides sistêmicos: medicamentos como prednisona e dexametasona causam retenção hídrica e de sódio, além de aumentarem a sensibilidade vascular às catecolaminas. Seu uso prolongado está claramente associado ao surgimento ou agravamento da hipertensão arterial (leia: Corticoides: o que são, tipos e para que servem).
- Descongestionantes nasais: agentes como fenilefrina ou pseudoefedrina, presentes em sprays nasais e antigripais de venda livre, promovem vasoconstrição e elevação transitória, mas significativa, da pressão arterial. Seu uso frequente ou crônico deve ser evitado em pacientes hipertensos (leia: Congestão nasal: como tratar nariz entupido?).
- Imunossupressores como ciclosporina e tacrolimo: utilizados em pacientes transplantados ou com doenças autoimunes, esses medicamentos elevam a pressão por mecanismos múltiplos, incluindo vasoconstrição renal.
- Estimulantes do sistema nervoso central, como anfetaminas e derivados: esses agentes aumentam a liberação de noradrenalina, promovendo taquicardia e vasoconstrição. Estão presentes em algumas medicações para TDAH e em inibidores do apetite.
- Analgésicos opioides: embora não tenham efeito hipertensor direto, como é o caso da morfina ou da codeína, seu uso crônico pode mascarar sintomas relacionados à pressão alta e interferir na percepção clínica.
- Eritropoetina: utilizada em pacientes com anemia da doença renal crônica, promove aumento da viscosidade sanguínea e elevação da resistência vascular periférica, dificultando o controle pressórico.
- Suplementos e produtos naturais para emagrecimento, como os que contêm efedrina, Ma huang, cafeína em altas doses ou outras substâncias estimulantes. Esses compostos muitas vezes são vendidos sem prescrição, sob o rótulo de “naturais”, mas têm efeitos hipertensores potencialmente severos.
O uso inadvertido dessas substâncias pode ser responsável por casos de hipertensão de difícil controle que melhoram significativamente após sua suspensão. Por isso, é fundamental que o médico investigue de forma ativa e detalhada todos os medicamentos de uso contínuo ou intermitente, incluindo fitoterápicos, suplementos nutricionais, fórmulas manipuladas e produtos “naturais”.
Em alguns casos, a simples retirada ou substituição de uma dessas substâncias por alternativas seguras é suficiente para normalizar a pressão arterial sem necessidade de aumentar o número de medicamentos anti-hipertensivos.
Causas secundárias de hipertensão arterial
A hipertensão arterial pode ser classificada em duas categorias principais, conforme a presença ou ausência de uma causa identificável: a hipertensão primária (também chamada de essencial), que representa cerca de 90 a 95% dos casos e ocorre sem uma causa definida, e a hipertensão secundária, que decorre de doenças ou condições clínicas específicas capazes de elevar a pressão arterial.
Nos pacientes com hipertensão resistente ao tratamento convencional, a probabilidade de uma causa secundária ser a responsável pelo quadro é significativamente maior. Por essa razão, sempre que a pressão se mantiver elevada apesar do uso adequado de três ou mais fármacos anti-hipertensivos, deve-se considerar ativamente a presença de hipertensão secundária, sobretudo quando o paciente apresenta início precoce da hipertensão (<30 anos), ausência de histórico familiar, piora súbita do controle pressórico ou sinais de lesão de órgão-alvo desproporcionais.
As principais causas secundárias de hipertensão arterial incluem:
1. Doença renal crônica (DRC)
A insuficiência renal, especialmente em estágios moderados a avançados, é uma das causas mais comuns de hipertensão secundária. A disfunção dos rins leva à retenção de sódio e água, aumento da atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona e da atividade simpática, todos contribuindo para a elevação da pressão arterial.
A DRC pode ser tanto causa quanto consequência da hipertensão, formando um ciclo vicioso de difícil controle. A dosagem de creatinina, a estimativa da taxa de filtração glomerular (TFG) são ferramentas iniciais importantes para triagem.
2. Estenose da artéria renal
A estenose da artéria renal, geralmente causada por aterosclerose em idosos ou displasia fibromuscular em mulheres jovens, reduz o fluxo sanguíneo para um dos rins, que interpreta essa situação como hipotensão e desencadeia mecanismos compensatórios inadequados.
Isso inclui a secreção exacerbada de renina, com subsequente ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, levando à vasoconstrição e retenção de sódio. Deve-se suspeitar dessa causa em pacientes com insuficiência renal de causa desconhecida, sopro abdominal, assimetria no tamanho dos rins, ou piora da função renal após início de IECA ou BRA.
3. Hiperaldosteronismo primário
Trata-se da produção excessiva de aldosterona, geralmente por um adenoma benigno da glândula suprarrenal (adenoma de Conn) ou por hiperplasia bilateral da zona glomerulosa. A aldosterona promove a reabsorção de sódio e excreção de potássio nos túbulos renais, resultando em aumento do volume intravascular e elevação da pressão arterial.
Hipocalemia (níveis baixos de potássio no sangue) inexplicada, fraqueza muscular e alcalose metabólica devem levantar suspeita. A triagem inicial inclui a dosagem da relação aldosterona/renina plasmática.
4. Apneia obstrutiva do sono (AOS)
A apneia do sono é uma causa subdiagnosticada de hipertensão secundária, especialmente em pacientes com obesidade e sonolência diurna excessiva. Os episódios repetidos de obstrução das vias aéreas durante o sono levam a hipoxemia, ativação do sistema nervoso simpático e aumento da pressão intratorácica negativa, fatores que, em conjunto, promovem elevação sustentada da pressão arterial, particularmente durante a madrugada e as primeiras horas da manhã.
A suspeita clínica deve ser investigada com polissonografia, e o tratamento com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) pode melhorar significativamente o controle pressórico.
5. Feocromocitoma
Tumor raro das células cromafins da medula adrenal, que secreta catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) de forma episódica ou contínua. Pode causar picos hipertensivos súbitos acompanhados de palpitações, cefaleia intensa, sudorese, tremores e palidez cutânea. A hipertensão nos casos de feocromocitoma é, muitas vezes, paroxística e difícil de controlar.
O diagnóstico envolve a dosagem de metanefrinas urinárias ou plasmáticas e a confirmação por imagem das glândulas adrenais.
6. Hipotireoidismo e hipertireoidismo
Distúrbios da função tireoidiana também podem influenciar os níveis pressóricos. O hipotireoidismo promove aumento da resistência vascular periférica e diastólica, enquanto o hipertireoidismo leva ao aumento do débito cardíaco e pressão sistólica elevada. O rastreamento é feito por meio da dosagem de TSH e T4 livre.
7. Síndrome de Cushing
Caracterizada pelo excesso de cortisol endógeno, geralmente por adenoma hipofisário (doença de Cushing) ou tumor adrenal. O cortisol em excesso exerce efeito mineralocorticoide, levando à retenção de sal e água, além de sensibilizar os vasos às catecolaminas. Os sinais clínicos clássicos incluem ganho de peso centrípeto, face em lua cheia, estrias violáceas, fraqueza muscular proximal e osteopenia. O diagnóstico exige testes hormonais específicos e avaliação por imagem (leia: Cortisol (alto e baixo): o que é, causas e sintomas).
O reconhecimento de uma causa secundária de hipertensão permite, em muitos casos, o tratamento específico da doença de base, com possibilidade de redução do número de medicamentos e até mesmo da normalização dos níveis pressóricos sem o uso contínuo de anti-hipertensivos, como ocorre em alguns casos de hiperaldosteronismo e estenose de artéria renal passíveis de correção.
Tratamento da hipertensão resistente
O manejo da hipertensão resistente deve seguir uma abordagem sistemática, iniciando pela confirmação diagnóstica, passando pela correção de fatores interferentes e culminando na otimização farmacológica e investigação de causas secundárias. O simples aumento do número de medicamentos anti-hipertensivos, sem uma análise criteriosa das variáveis envolvidas, frequentemente resulta em falha terapêutica, polifarmácia desnecessária e maior risco de efeitos adversos.
Intervenções não farmacológicas
Pacientes com hipertensão resistente geralmente apresentam múltiplos fatores modificáveis que contribuem para a elevação da pressão arterial. A intervenção intensiva sobre esses fatores é etapa obrigatória do tratamento e, quando bem conduzida, pode reduzir significativamente a necessidade de múltiplos medicamentos.
As medidas mais eficazes incluem:
- Redução do consumo de sódio: idealmente para menos de 2 gramas de sódio por dia (equivalente a cerca de 5 gramas de sal de cozinha). Isso requer restrição não apenas do sal adicionado aos alimentos, mas também de produtos industrializados ricos em sódio.
- Perda de peso corporal: a redução de 5 a 10% do peso total pode resultar em quedas substanciais da pressão arterial.
- Cessação do tabagismo: além de potencializar o efeito dos anti-hipertensivos, reduz o risco cardiovascular global.
- Moderação no consumo de álcool: homens devem limitar-se a no máximo duas doses por dia, e mulheres a uma dose.
- Prática regular de atividade física aeróbica: recomenda-se a realização de pelo menos 30 minutos de exercícios moderados, 5 a 7 vezes por semana.
- Melhora da qualidade do sono e tratamento da apneia do sono, quando presente, com uso de CPAP.
A implementação combinada dessas medidas, mesmo que não substitua o uso de medicamentos, pode otimizar sua eficácia e facilitar o controle pressórico.
Otimização farmacológica
Caso todas as medidas anteriores tenham sido abordadas adequadamente e a pressão arterial permaneça acima da meta, é necessário revisar e expandir o esquema medicamentoso. A primeira etapa é garantir que os três fármacos de base pertencem às seguintes classes:
- Bloqueador do sistema renina-angiotensina (IECA ou BRA).
- Bloqueador do canal de cálcio (preferencialmente anlodipino ou similar).
- Diurético tiazídico de longa ação (preferencialmente clortalidona ou indapamida).
Se mesmo com essa combinação em doses plenas não houver controle adequado, a quarta droga a ser adicionada deve ser, segundo diversas evidências clínicas, a espironolactona, um antagonista dos receptores de aldosterona.
Caso a espironolactona não seja tolerada (por exemplo, em pacientes com insuficiência renal ou hipercalemia), ou se uma quinta droga for necessária, pode-se considerar o uso de:
- Betabloqueadores (como bisoprolol ou carvedilol).
- Alfabloqueadores (como doxazosina).
- Agentes de ação central (como metildopa, clonidina ou rilmenidina).
- Vasodilatadores diretos (como hidralazina ou minoxidil, este último reservado para casos refratários graves).
O minoxidil, embora altamente eficaz, apresenta perfil de efeitos colaterais que exige monitoramento rigoroso: retenção hídrica, taquicardia reflexa e crescimento de pelos são efeitos conhecidos. Deve ser sempre prescrito em associação com um betabloqueador e um diurético potente, como a furosemida.
Leitura sugerida: Remédios para pressão alta (hipertensão arterial)
Abordagens avançadas (quando disponíveis)
Em situações refratárias, mesmo após todas as medidas convencionais, algumas terapias avançadas podem ser consideradas, embora ainda com uso restrito na prática clínica:
- Denervação renal por cateter: procedimento minimamente invasivo que utiliza radiofrequência ou ultrassom para interromper a atividade simpática dos nervos renais. Embora ainda não seja amplamente incorporado nas diretrizes, estudos recentes mostraram resultados promissores em pacientes com hipertensão refratária.
- Uso de dispositivos implantáveis e tecnologias de monitoramento remoto da pressão arterial estão em desenvolvimento e podem representar futuras alternativas em casos graves.
Referências
- Resistant Hypertension: Detection, Evaluation, and Management: A Scientific Statement From the American Heart Association – Hypertension.
- 2018 ESC/ESH Clinical Practice Guidelines for the management of arterial hypertension – European Society of Cardiology.
- 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines – Hypertension.
- Definition, risk factors, and evaluation of resistant hypertension – UpToDate.
- Treatment of resistant hypertension – UpToDate.
- Evaluation of secondary hypertension – UpToDate.
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.