Psicose: o que é, causas, tipos, sintomas e tratamento

A psicose é um transtorno mental caracterizado por perda de contato com a realidade, com sintomas como delírios e alucinações. Pode estar associada a condições psiquiátricas, neurológicas ou uso de substâncias.

Psicose

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O que é psicose?

A psicose é um estado clínico no qual a pessoa perde o contato com a realidade, apresentando distorções profundas no pensamento, percepção, emoções e comportamento. O termo tem origem no grego — psyche (mente) e osis (condição anormal) — e reflete essa alteração profunda no funcionamento mental.

De acordo com estudos epidemiológicos internacionais, a incidência de psicose em geral é de aproximadamente 50 novos casos por 100.000 pessoas ao ano. A prevalência estimada de psicose ao longo da vida é de 7,5 casos por 1.000 pessoas, embora até 23% da população possa apresentar sintomas psicóticos transitórios em algum momento da vida. Destes, cerca de 1% a 4% desenvolvem um transtorno psicótico definido, como esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo.

Embora muitas pessoas associem o termo “psicose” automaticamente à esquizofrenia, é importante entender que psicose não é uma doença específica, mas sim um conjunto de sintomas que indicam uma ruptura com a realidade. Assim como a febre pode estar presente em várias doenças, a psicose pode ocorrer em diversos contextos médicos e psiquiátricos.

No campo da psiquiatria, a psicose é considerada um fenômeno clínico inespecífico, ou seja, ela pode ser a manifestação de diferentes transtornos mentais ou condições médicas. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a presença de sintomas psicóticos — como delírios, alucinações ou desorganização do pensamento — é comum em diversas condições psiquiátricas e médicas. Entre as causas mais comuns estão:

  • Transtornos psiquiátricos primários, como a esquizofrenia, o transtorno esquizoafetivo, o transtorno delirante, o transtorno psicótico breve e o transtorno esquizofreniforme;
  • Transtornos do humor com sintomas psicóticos, como a depressão maior com características psicóticas e o transtorno bipolar;
  • Doenças médicas gerais, incluindo encefalopatias hepáticas e urêmicas, lúpus eritematoso sistêmico, doenças infecciosas (como sífilis e encefalite viral), esclerose múltipla, doença de Alzheimer, doença de Huntington, entre outras;
  • Uso ou abstinência de substâncias psicoativas, como álcool, cannabis, cocaína, anfetaminas, LSD, entre outras;
  • Estados agudos de confusão mental, como o delirium, especialmente em idosos ou em contextos clínicos graves.

De forma geral, define-se psicose pela presença de sintomas como delírios, alucinações, pensamento desorganizado, alterações graves do comportamento e, frequentemente, prejuízo significativo na funcionalidade social e ocupacional. A duração e a combinação desses sintomas ajudam a diferenciar os diversos transtornos psicóticos descritos no DSM-5.

Sintomas da psicose

A psicose é definida clinicamente pela presença de sintomas que indicam uma ruptura com a realidade. Os principais sintomas psicóticos são:

Alucinações

Alucinações são percepções sensoriais vívidas sem estímulo externo real. Ou seja, a pessoa vê, ouve, sente, cheira ou saboreia algo que não existe, mas vivencia isso como se fosse real.

Modalidades de alucinação:

  • Auditivas: são as mais comuns, especialmente na esquizofrenia. A pessoa pode ouvir vozes que falam entre si, comentam seus atos ou emitem ordens.
  • Visuais: imagens, objetos, pessoas, animais, sombras ou luzes inexistentes. O paciente pode se ver com o corpo sendo tomado por inúmeros insetos ou achar que está na presença de pessoas no ambiente.
  • Olfativas e gustativas: cheiros ou sabores desagradáveis (como fezes, vômitos, podridão ou sangue) sem fonte real.
  • Táteis: sensação de formigamento, queimadura ou de que algo está se movendo sob a pele (muito comuns em intoxicações por drogas).

É importante destacar que nem toda alucinação é sinal de psicose. Existem fenômenos perceptivos que podem parecer alucinatórios, mas são considerados normais em determinadas circunstâncias. Entre eles, destacam-se as alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas, que ocorrem durante as transições entre o sono e a vigília.

  • Alucinações hipnagógicas acontecem na transição entre o estado de vigília e o sono. São mais comuns no momento em que a pessoa está adormecendo. É nesse momento que pode surgir, por exemplo, a sensação de estar caindo, de estar flutuando ou de que há alguém no quarto. A pessoa pode ouvir vozes ou sons breves, sentir o corpo sendo tocado ou ter sensações corporais incomuns. Um exemplo clássico é aquela “sacudida” repentina do corpo logo antes de pegar no sono.
  • Alucinações hipnopômpicas, por sua vez, ocorrem na transição do sono para o estado de vigília, ou seja, ao acordar. Nesses episódios, a pessoa pode abrir os olhos e ver vultos ou ouvir sons, como vozes ou passos, que desaparecem em poucos segundos ou minutos. Também são comuns sensações visuais vívidas ou imagens que parecem reais, mas que se dissipam logo após o despertar.

Esses fenômenos são considerados fisiológicos e não indicam transtorno psiquiátrico. Eles fazem parte do funcionamento normal do cérebro durante as fases do sono, especialmente do sono REM, e são mais frequentes em pessoas que apresentam privação de sono, estresse elevado ou alterações no padrão de descanso.

Delírio (delusão)

Delírios são crenças falsas, fixas e inabaláveis, que não se baseiam em evidências reais e que não são compatíveis com a cultura ou religião da pessoa. Mesmo diante de argumentos lógicos ou provas em contrário, o indivíduo continua acreditando no conteúdo delirante.

Tipos mais comuns de delírios:

  • Delírios persecutórios: crença de estar sendo perseguido, vigiado ou ameaçado (ex: vizinhos espionando, governo implantando chips).
  • Delírios de grandeza: crença de possuir poderes especiais, riqueza extrema ou importância divina.
  • Delírios de ciúmes: o paciente está convicto de que o parceiro está sendo infiel, mesmo sem qualquer evidência concreta. Pequenos detalhes banais são reinterpretados como “provas” de traição — como uma mancha de batom na roupa, a posição diferente do banco do carro ou o tempo que o cônjuge passa no banheiro, que é visto como oportunidade para encontros amorosos secretos. A lógica é profundamente distorcida.
  • Delírios somáticos: convicção de que há algo de errado no corpo, como vermes na pele ou órgãos podres.
  • Delírios religiosos: o indivíduo acredita ter contato direto com Deus, santos ou espíritos, ou mesmo ser uma divindade encarnada. Embora a fé religiosa intensa não configure delírio por si só, ela torna-se patológica quando há perda de senso crítico, convicção inflexível e prejuízo funcional.
  • Delírios erotomaníacos: crença de que uma figura pública ou desconhecida está apaixonada pela pessoa.
  • Delírios de referência: interpretação de mensagens da televisão, rádio ou gestos de pessoas como dirigidos especificamente a si.
  • Delírios de controle: sensação de que os próprios pensamentos, sentimentos ou ações estão sendo controlados por forças externas (governo, extraterrestres, espíritos, etc.).

Atenção: Delírio é diferente de delirium (leia: Delirium – Confusão mental nos idosos).

Pensamento desorganizado

O pensamento desorganizado é um dos principais sinais clínicos de psicose e se manifesta, na prática, por alterações na forma como a pessoa fala, pensa e se expressa. A desorganização do pensamento compromete a capacidade de manter uma linha lógica de raciocínio, prejudicando a comunicação e o entendimento mútuo.

Esse sintoma é geralmente percebido através do discurso do paciente durante a entrevista clínica. A fala torna-se incoerente, desconexa ou sem sentido, dificultando (ou até impossibilitando) a comunicação funcional.

Exemplos de manifestações do pensamento desorganizado:

  • Afrouxamento de associações: o paciente passa de um assunto a outro sem conexão lógica entre as ideias.
  • Tangencialidade: responde a perguntas de forma vaga, desviando-se do tema original e sem chegar a uma conclusão clara.
  • Bloqueio de pensamento: a pessoa inicia uma frase, mas subitamente interrompe a fala, como se “esquecesse” o que ia dizer.
  • Neologismos: criação de palavras que não existem, mas que têm significado apenas para o paciente.
  • Salada de palavras: uso de palavras reais em sequência incoerente, resultando em frases sem sentido compreensível.
  • Clangor (associação por sons): uso de palavras com base em rimas ou sons similares, sem conteúdo lógico (“fiz a lição com o coração no chão com sabão”).
  • Conclusões absurdas ou ilógicas: como, por exemplo, “uma maçã cabe dentro de uma caneta preta, mas não dentro de uma azul”.
  • Perseveração: repetição de uma mesma palavra ou ideia, mesmo sem relevância.

Outros comportamentos indicativos incluem:

  • Fala interrompida ou incompleta, com frases que não terminam.
  • Uso de termos ou construções que não seguem regras gramaticais básicas.
  • Expressão de ideias desconexas, misturando temas sem relação entre si.
  • Atitudes bizarras, como rir ou chorar sem motivo aparente ou fazer gestos repetitivos sem propósito claro.

Esses padrões refletem uma profunda desorganização do funcionamento cognitivo e são altamente sugestivos de um episódio psicótico, especialmente quando surgem de forma súbita e em associação com outros sintomas, como delírios e alucinações.

Comportamento desorganizado ou anormal

O comportamento desorganizado ou anormal é uma das manifestações clássicas da psicose e se refere a ações que não têm lógica ou propósito claro, são inadequadas ao contexto social ou simplesmente incompreensíveis. Esses comportamentos refletem uma profunda desorganização mental e comprometem a capacidade da pessoa de realizar atividades do cotidiano.

Segundo o DSM-5, esse sintoma pode variar desde comportamentos ligeiramente estranhos até quadros de agitação extrema ou catatonia.

Exemplos comuns incluem:

  • Vestuário inadequado ao ambiente: uso de roupas incompatíveis com o clima (por exemplo, casaco de lã e luvas em dias de calor intenso), ou uso de combinações bizarras de peças, como roupas íntimas por cima das roupas normais, ou acessórios estranhos (óculos escuros à noite, chapéus incomuns em ambientes fechados).
  • Rituais repetitivos sem objetivo: comportamentos estereotipados e repetitivos, como andar em círculos, bater palmas ou repetir gestos continuamente, mesmo sem motivo aparente. Muitas vezes, o paciente não consegue explicar por que está realizando esses atos.
  • Dificuldade para realizar tarefas simples: o paciente pode não conseguir se vestir, preparar uma refeição ou tomar banho adequadamente, mesmo tendo plenas capacidades físicas. Isso ocorre pela perda de organização mental e funcional.
  • Comportamento social inapropriado: rir ou chorar em situações inadequadas, fazer comentários de cunho sexual fora de contexto, abordar estranhos de forma invasiva ou exibir atitudes desinibidas e constrangedoras em público.
  • Agitação motora sem direção clara: movimentação constante, inquietação, impulsividade, correr de um lado para o outro ou manipular objetos de forma descontrolada. A pessoa pode apresentar comportamento agressivo ou destrutivo sem causa identificável.
  • Catatonia: um estado psicomotor grave, que pode se manifestar por imobilidade extrema, mutismo, resistência passiva a ser movimentado, mímica automática (ecopraxia ou ecolalia), ou, no extremo oposto, por excitação psicomotora intensa e desorganizada. A catatonia é considerada uma emergência psiquiátrica e pode ocorrer em transtornos psicóticos, do humor e em doenças clínicas graves.

Sintomas negativos

Os sintomas negativos são assim chamados porque refletem uma redução ou perda de funções mentais e comportamentais que normalmente estão presentes no funcionamento saudável de uma pessoa. Eles contrastam com os sintomas positivos (como delírios, alucinações e pensamento desorganizado), que representam um acréscimo anormal de experiências e percepções.

Embora menos chamativos que os sintomas positivos, os sintomas negativos são frequentemente mais incapacitantes no longo prazo, por comprometerem profundamente a motivação, a interação social, a comunicação e a capacidade de realizar atividades diárias. Estão particularmente associados à esquizofrenia e são um importante fator de mau prognóstico.

Esses sintomas tendem a ser mais sutis, de instalação gradual e mais resistentes ao tratamento. Muitas vezes são confundidos com depressão ou desinteresse, o que pode atrasar o diagnóstico correto.

Principais sintomas negativos:

  • Alogia: empobrecimento do discurso, com redução da fluência verbal e do conteúdo das respostas. A pessoa fala pouco, com frases curtas e respostas lacônicas, mesmo quando incentivada. Pode haver também empobrecimento do pensamento, refletido em ideias repetitivas ou pouco elaboradas.
  • Apatia: falta de iniciativa e de interesse por atividades que antes faziam parte da rotina ou que costumavam ser prazerosas. A pessoa pode deixar de cuidar da higiene pessoal, não demonstrar preocupação com compromissos ou responsabilidades e perder o interesse por relações sociais, estudos ou trabalho.
  • Anedonia: incapacidade de sentir prazer em atividades que normalmente seriam gratificantes, como comer algo saboroso, ouvir música, conversar com amigos ou praticar um hobby. A pessoa relata uma sensação de “vazio” emocional ou desconexão com o mundo ao redor.
  • Abulia: dificuldade ou ausência de motivação para iniciar ou concluir tarefas. Não se trata de preguiça, mas de uma incapacidade interna de tomar iniciativa, mesmo para ações simples como levantar-se da cama ou tomar banho. O esforço necessário para agir parece desproporcional ou inatingível.
  • Afetividade embotada: redução da expressão emocional, tanto verbal quanto não verbal. A pessoa pode parecer indiferente, com rosto pouco expressivo, voz monótona, falta de contato visual e pouca reatividade emocional, mesmo diante de acontecimentos importantes ou emocionantes. Isso pode gerar a impressão, incorreta, de frieza ou desinteresse.

Agitação e agressão

A psicose não deve ser confundida automaticamente com comportamento violento. A maioria das pessoas com transtornos psicóticos não apresenta agressividade nem representa risco para os outros. No entanto, em algumas situações, especialmente durante crises agudas e sem tratamento adequado, o quadro psicótico pode evoluir com agitação intensa ou condutas impulsivas e perigosas.

A agitação psicomotora é definida como um estado de ansiedade grave com aumento da atividade motora, que pode se manifestar como inquietação, fala acelerada, irritabilidade, dificuldade em permanecer sentado, gesticulação exagerada ou até atitudes de oposição.

Esse estado pode ocorrer por diversos motivos, incluindo:

  • Alucinações com conteúdo ameaçador ou de comando, como vozes que ordenam ações perigosas ou que ameaçam o paciente.
  • Delírios persecutórios, nos quais o paciente acredita estar sendo espionado, atacado ou envenenado, podendo reagir de forma defensiva ou agressiva.
  • Desorganização do pensamento e comportamento, dificultando o controle de impulsos e a compreensão do contexto ao redor.
  • Privação de sono, uso de substâncias ou abstinência, que podem agravar ainda mais o estado de excitação.

Em situações mais graves, a agitação pode evoluir para comportamentos autoagressivos (como tentativa de suicídio, automutilação) ou heteroagressivos (ameaças ou ataques a terceiros).

Por esse motivo, episódios agudos de psicose com agitação importante requerem avaliação médica imediata, frequentemente com necessidade de contenção farmacológica ou hospitalar para garantir a segurança do paciente e de quem está ao seu redor.

Vale reforçar que a agressividade não é um traço inerente à pessoa com psicose, mas sim uma manifestação potencial de um quadro mental desorganizado, frequentemente acompanhado de medo intenso, confusão e sofrimento. Com tratamento adequado, esses episódios geralmente se estabilizam rapidamente.

Psicose puerperal

A psicose puerperal, também chamada de psicose pós-parto, é uma condição psiquiátrica rara, porém grave, que pode ocorrer nas primeiras semanas após o parto, geralmente dentro dos primeiros 14 dias. Embora menos comum do que a depressão pós-parto, a psicose puerperal representa uma emergência médica, pois envolve risco elevado de suicídio, infanticídio e desorganização grave do comportamento.

Estima-se que a condição afete cerca de 1 a cada 1.000 parturientes, sendo mais comum em mulheres com histórico pessoal ou familiar de transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo ou episódios psicóticos anteriores. Pode também ocorrer em mulheres sem qualquer antecedente psiquiátrico.

Os principais sintomas da psicose puerperal são:

  • Comportamento desorganizado e perda do contato com a realidade.
  • Delírios (crenças irreais, como achar que o bebê está em perigo ou foi trocado).
  • Alucinações (vozes que mandam machucar o bebê ou a si mesma).
  • Agitação intensa, insônia, confusão mental.

Leitura sugerida: Depressão pós-parto: o que é, sintomas e tratamento.

Diferença entre psicose e neurose

Os termos psicose e neurose são frequentemente confundidos, mas representam quadros clínicos distintos, tanto em gravidade quanto na forma como a mente lida com a realidade.

Neurose

A neurose é um termo mais antigo, pouco usado nos manuais diagnósticos modernos (como o DSM-5), mas ainda presente na linguagem popular e na psicanálise. Refere-se a transtornos mentais leves a moderados, em que a pessoa mantém o contato com a realidade.

Embora causem sofrimento e prejuízo funcional, os sintomas da neurose são reconhecidos como exagerados ou irracionais pela própria pessoa, que costuma buscar ajuda espontaneamente.

Psicose

Na psicose, há uma ruptura parcial ou total com a realidade. O paciente pode apresentar delírios (crenças falsas e inabaláveis), alucinações (ver ou ouvir coisas que não existem), pensamento desorganizado e comportamento incoerente.

Em geral, o indivíduo não reconhece que está doente (falta de consciência da doença, chamada anosognosia) e, muitas vezes, não procura tratamento por conta própria.

Diagnóstico da psicose

O diagnóstico da psicose não é feito por meio de exames laboratoriais ou de imagem, mas sim por avaliação clínica criteriosa, com base no relato do paciente (quando possível), observação do comportamento, entrevista psiquiátrica estruturada e coleta de informações com familiares ou pessoas próximas.

O DSM-5 define a presença de sintomas psicóticos com base em cinco domínios principais:

  1. Delírios.
  2. Alucinações.
  3. Pensamento desorganizado (ou discurso desorganizado).
  4. Comportamento motor gravemente desorganizado ou catatônico.
  5. Sintomas negativos (como alogia, abulia, anedonia, embotamento afetivo).

Esses sintomas podem ocorrer em diversos transtornos, e o papel do profissional de saúde é determinar a natureza, a duração e o contexto clínico em que surgiram, para identificar o diagnóstico correto.

Tratamento da psicose

O tratamento da psicose deve ser individualizado e multidisciplinar, com foco na estabilização dos sintomas, recuperação funcional e prevenção de recaídas. A base do tratamento combina medicação antipsicótica, suporte psicossocial, intervenções psicoterapêuticas e, quando necessário, tratamento da causa médica ou do uso de substâncias.

Para a maioria das causas de psicose — mesmo quando o diagnóstico definitivo ainda não foi estabelecido — recomenda-se iniciar o tratamento sintomático com antipsicóticos. O objetivo é controlar os sintomas agudos (como delírios, alucinações e agitação) o quanto antes, minimizando o sofrimento e o risco de complicações para o paciente e para terceiros.

Exceções importantes a essa conduta incluem:

  • Psicose induzida por intoxicação por estimulantes do sistema nervoso central (como metanfetamina ou cocaína): nesses casos, os antipsicóticos podem ser menos eficazes inicialmente e aumentar alguns riscos. O tratamento de escolha nas fases agudas é com benzodiazepínicos, como o lorazepam, que ajudam a controlar a agitação, a ansiedade intensa e os sintomas psicóticos associados à intoxicação.
  • Catatonia: um estado psicomotor grave, que pode cursar com imobilidade extrema, mutismo, negativismo ou agitação sem propósito. O tratamento inicial também deve ser feito com benzodiazepínicos, especialmente lorazepam, pois os antipsicóticos podem piorar o quadro e até precipitar uma síndrome neuroléptica maligna.

Portanto, antes de iniciar um antipsicótico, é fundamental avaliar o contexto clínico da psicose, com atenção especial a sinais de intoxicação por substâncias ou presença de sintomas catatônicos. Em caso de dúvida, a conduta mais segura é estabilizar o paciente clinicamente e, em paralelo, realizar uma investigação diagnóstica aprofundada.

Antipsicóticos

Os antipsicóticos são os medicamentos de primeira linha no tratamento da psicose. Atuam principalmente nos receptores dopaminérgicos do cérebro, ajudando a controlar sintomas como delírios, alucinações, agitação e desorganização do pensamento.

Antipsicóticos de segunda geração (atípicos)

São preferidos por causarem menos efeitos motores (como rigidez, tremores e inquietação). Incluem:

  • Risperidona.
  • Olanzapina.
  • Quetiapina.
  • Aripiprazol.
  • Ziprasidona.
  • Lurasidona.
  • Cariprazina.

São geralmente indicados em primeiros episódios psicóticos e para uso prolongado. A escolha depende do perfil de efeitos colaterais e das comorbidades do paciente (por exemplo, risco metabólico, sedação, ganho de peso).

Antipsicóticos de primeira geração (típicos)

Antipsicóticos de primeira geração, como haloperidol e clorpromazina, ainda são úteis, especialmente em situações de agitação grave ou quando há resposta insatisfatória aos atípicos. No entanto, apresentam maior risco de efeitos extrapiramidais (rigidez, distonia, acatisia e parkinsonismo).

Clozapina

Reservada para casos resistentes, ou seja, quando há falha no tratamento com pelo menos dois antipsicóticos diferentes. É altamente eficaz, mas requer monitoramento rigoroso devido ao risco de agranulocitose (redução grave das células de defesa).

Duração do tratamento

  • Em casos de primeiro episódio psicótico, recomenda-se manter o tratamento por pelo menos 1 a 2 anos após a remissão completa dos sintomas.
  • Em casos de transtornos psicóticos crônicos (como esquizofrenia), o tratamento é geralmente de longo prazo ou contínuo, com foco na manutenção da estabilidade e prevenção de recaídas.
  • Nos casos de psicose induzida por substâncias ou doenças médicas, o tratamento antipsicótico pode ser temporário, dependendo da reversibilidade da causa.

Quando a hospitalização é necessária?

A hospitalização pode ser uma medida necessária em determinados casos de psicose, especialmente durante crises agudas em que há risco iminente à segurança do paciente ou de outras pessoas, ou quando o quadro clínico exige estabilização intensiva que não é possível no ambiente domiciliar ou ambulatorial.

O objetivo da internação é garantir a segurança, iniciar o tratamento adequado, controlar os sintomas agudos e restabelecer o funcionamento mínimo necessário para a vida cotidiana.

Indicações mais comuns para hospitalização psiquiátrica em casos de psicose:

  • Risco de suicídio: presença de ideação suicida, planejamento ou tentativas, especialmente em quadros com delírios de culpa, alucinações de comando ou depressão associada.
  • Risco de agressividade ou comportamento violento: geralmente motivado por delírios persecutórios ou alucinações ameaçadoras. O paciente pode agir de forma impulsiva e imprevisível, colocando em risco a integridade de familiares, cuidadores ou terceiros.
  • Agitação psicomotora grave: estado de excitação intensa, com comportamento desorganizado, agressividade, insônia total, fala acelerada, inquietação extrema ou necessidade de contenção física/química imediata.
  • Comprometimento grave do autocuidado: quando o paciente apresenta recusa alimentar, descuido total com a higiene, risco de exposição a perigos (como andar na rua sem rumo ou em locais de risco), ou negação da própria doença, impedindo qualquer forma de adesão ao tratamento.
  • Ausência de suporte social ou familiar adequado: o paciente não possui estrutura para continuar o tratamento de forma segura em casa, seja por abandono, negligência ou sobrecarga dos familiares, ou quando estes não têm condições de prestar os cuidados necessários.

Modalidades de internação

A internação psiquiátrica pode ocorrer de forma:

  • Voluntária: quando o próprio paciente reconhece a necessidade de internação e consente formalmente com o tratamento hospitalar.
  • Involuntária: quando o paciente não reconhece seu estado mental alterado (condição conhecida como anosognosia) e recusa o tratamento, mesmo diante de risco evidente para si ou para os outros. Nesse caso, a internação pode ser solicitada por um familiar ou responsável legal e deve ser comunicada ao Ministério Público, conforme determina a legislação brasileira (Lei nº 10.216/2001).
  • Compulsória: determinada por ordem judicial, em situações excepcionais, como quando o paciente comete ou representa risco de cometer atos contra terceiros em virtude do quadro psicótico.

A duração da hospitalização varia conforme a gravidade do quadro e a resposta ao tratamento. Em geral, o objetivo é manter a internação o menor tempo possível, com foco na estabilização clínica, retomada da adesão ao tratamento e reintegração gradual à vida comunitária, com acompanhamento ambulatorial estruturado.

Intervenções psicossociais e psicoterapêuticas

Essas abordagens complementam o tratamento medicamentoso e são fundamentais para a recuperação funcional e a prevenção de recaídas.

  • Psicoeducação: para o paciente e seus familiares, explicando a natureza da psicose, os sintomas, o tratamento e os sinais de alerta para recaídas.
  • Terapia cognitivo-comportamental (TCC): ajuda a reduzir o impacto dos delírios e alucinações, promove estratégias de enfrentamento e melhora a adesão ao tratamento.
  • Reabilitação psicossocial: inclui suporte para reinserção no trabalho, educação e convivência social.
  • Treinamento de habilidades sociais: importante especialmente nos casos com sintomas negativos persistentes.
  • Intervenções familiares: reduzem o estresse emocional, melhoram a comunicação e diminuem o risco de recaídas.

Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

Médica psiquiatra. Professora adjunta de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FCM/UERJ). Doutorado concluído pelo Instituto de Medicina Social/UERJ, departamento de epidemiologia/saúde coletiva. Mestrado em saúde materno-infantil pela Universidade Federal Fluminense. Especialização em terapia familiar sistêmica. Residência médica em pediatria e psiquiatria.