O que é pericardite?
O pericárdio é uma fina membrana em forma de saco, que envolve o coração e o separa das outras estruturas anatômicas ao seu redor. Pericardite aguda é nome dado à inflamação do pericárdio, que pode ser provocada por diversas situações, incluindo drogas, traumas, infarto, câncer, insuficiência renal e infecções, principalmente as de origem viral.
O sintoma mais comum da pericardite aguda é uma intensa dor no peito, que costuma agravar-se durante a inspiração profunda. Por ser uma inflamação no coração, a dor da pericardite pode ser facilmente confundida com a dor de um infarto do miocárdio, principalmente se ela estiver acometendo um paciente com alto risco cardiovascular.
Neste artigo explicaremos o que é a pericardite aguda, quais são as suas causas, sintomas, complicações e como é feito o tratamento.
A pericardite é uma das formas de inflamação do coração. As outras duas são a miocardite e a endocardite, já abordadas em artigos à parte.
O que é o pericárdio e qual é sua função?
Assim como outros órgãos do corpo são revestidos por membranas protetoras — como as meninges no cérebro, a pleura nos pulmões e o peritônio nos órgãos abdominais — o coração também é envolto por uma membrana própria chamada pericárdio.
O pericárdio é uma estrutura fibrosserosa em forma de saco, composta por duas camadas distintas:
- Pericárdio parietal (camada externa): mais espessa e resistente, fica em contato com outras estruturas do mediastino, como os pulmões e o diafragma.
- Pericárdio visceral (camada interna), também conhecido como epicárdio: está aderido diretamente à superfície do coração.

Entre essas duas camadas existe uma fina película de líquido pericárdico, normalmente com volume entre 15 a 50 mililitros. Esse fluido atua como um lubrificante natural, reduzindo o atrito durante os movimentos cardíacos rítmicos, o que facilita o batimento eficiente do coração dentro da cavidade torácica.
Funções do pericárdio
O pericárdio não é apenas uma “capa protetora”. Ele desempenha várias funções importantes:
- Proteção física do coração contra infecções e traumas externos.
- Limitação da dilatação cardíaca excessiva, mantendo o coração em uma posição anatômica estável.
- Apoio à função mecânica do coração, contribuindo para a sincronia dos batimentos.
- Barreira imunológica, atuando na defesa contra infecções e processos inflamatórios.
Alterações no pericárdio
Em situações patológicas, como na pericardite, ocorre uma inflamação dessa membrana, que pode provocar aumento da produção do líquido pericárdico. O acúmulo moderado — até cerca de 120 ml extras — geralmente não causa problemas em indivíduos saudáveis. No entanto, volumes maiores podem exercer pressão sobre o coração, comprometendo sua capacidade de bombear sangue, o que configura uma emergência clínica conhecida como tamponamento cardíaco.
O que é o derrame pericárdico (água no coração)?
O derrame pericárdico é o acúmulo anormal de líquido no espaço existente entre as duas camadas do pericárdio, a membrana que envolve o coração.
Durante processos inflamatórios, como a pericardite aguda, esse equilíbrio é rompido, e o pericárdio pode começar a produzir uma quantidade excessiva de líquido, resultando no derrame. O volume acumulado pode variar desde pequenas quantidades até mais de 500 ml, dependendo da gravidade e da causa subjacente.
O tamponamento cardíaco ocorre quando o volume do líquido pericárdico se torna grande o suficiente para comprimir o coração, impedindo que ele se encha adequadamente entre os batimentos. Como resultado, o bombeamento de sangue para o corpo é prejudicado, o que pode levar à queda da pressão arterial, choque circulatório e, se não tratado rapidamente, à morte.
Popularmente, o derrame pericárdico é conhecido como “água no coração”, embora o termo médico mais preciso descreva o líquido no pericárdio, e não no interior do músculo cardíaco em si.
Causas de inflamação do pericárdio
A infecção viral é a causa mais comum de pericardite aguda, sendo responsável por até 10% dos casos. Esta forma de pericardite é geralmente autolimitada, com duração de 1-3 semanas e costuma surgir nas épocas de epidemias virais, principalmente aquelas provocadas pela gripe (vírus Influenza), resfriado ou pelo virus coxsackie.
Nestes casos, a pericardite é precedida por um quadro de virose respiratória ou por uma gastroenterite viral. O paciente melhora da infecção viral, mas dias depois começa a queixar-se de intensa dor no peito.
Vários vírus podem provocar pericardite, entre eles: virus coxsackie B, ecovirus, adenovírus, vírus Influenza A e B, enterovírus, vírus da caxumba, vírus Epstein-Barr, vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus do herpes simplex, o vírus da varicela-zoster (catapora), vírus do sarampo, vírus parainfluenza tipo 2, vírus sincicial respiratório, citomegalovírus e os vírus das hepatites A, B ou C.
A pericardite viral pode surgir em crianças, adolescentes, adultos ou idosos. Homens são mais acometidos que as mulheres.
Além dos vírus, outras causas possíveis de pericardite são:
- Causa desconhecida (chamada pericardite idiopática): em muitos casos, a pericardite surge sem motivo aparente e a sua causa acaba não sendo esclarecida, o que não é um problema, pois muitos desses pacientes melhoram apenas com anti-inflamatórios comuns. Acredita-se que muitas dessas pericardites idiopáticas sejam, na verdade, pericardites de origem viral não identificadas.
- Infecção bacteriana: geralmente surge após quadros de infecção pulmonar ou por endocardite infecciosa. Tuberculose é outra causa possível. Uma infecção bacteriana do pericárdio também pode ocorrer como complicação de uma cirurgia cardíaca. Além das bactérias, fungos também podem ser a causa.
- Radiação: a maioria desses casos são complicações pelo uso de radioterapia para tratar cânceres no tórax, especialmente câncer de mama, câncer de pulmão ou linfoma.
- Trauma: os traumas de tórax, sejam por uma batida de carro ou uma lesão perfurante, tipo faca ou projétil de arma de fogo, podem causar traumas para o coração que induzem a ocorrência de uma pericardite.
- Infarto do miocárdio: um infarto do miocárdio (ataque cardíaco) provoca injúria do músculo cardíaco e, em alguns casos, pode causar uma pericardite.
- Drogas e toxinas: não é comum, mas eventualmente alguns medicamentos podem causar pericardite, entre eles: hidralazina, isoniazida, procainamida, fenitoína, fenilbutazona, trombolíticos, anticoagulantes e outros.
- Insuficiência renal: a insuficiência renal crônica em estágios avançados pode causar o acúmulo de toxinas no organismo, provocando irritação do pericárdio.
- Câncer: a pericardite pode surgir quando algum tumor maligno provoca metástases para o coração. Os casos mais comuns ocorrem no câncer da mama, do pulmão ou no linfoma de Hodgkin.
- Doenças autoimunes: várias doenças de origem imunológica podem provocar pericardite. Ente elas, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, esclerose sistêmica, doença mista do tecido conjuntivo e vasculites.
- Doença inflamatória intestinal: a pericardite pode ocorrer em pacientes com retocolite ulcerativa ou doença de Crohn.
Sintomas da pericardite
O principal sintoma da pericardite aguda é uma intensa dor no peito, que surge repentinamente, acomete toda a região central do tórax, agrava-se durante a inspiração profunda, ao tossir ou ao deitar, mas apresenta algum alívio quando o paciente senta-se e inclina o tronco para frente. A dor costuma ser descrita como uma pontada no peito; alguns dizem que se sentem como se tivessem levado uma facada no coração.
Em muitos pacientes, porém, a dor da pericardite pode não ser tão típica e de fácil distinção. Em alguns casos, a dor não é tão aguda, e o paciente queixa-se de uma pressão ou peso no peito com irradiação para ombros, pescoço ou costas. Nessas situações, pode ser difícil a distinção entre pericardite e outras causas de dor no peito, como infarto, embolia pulmonar ou aneurismas da aorta.
Nas crianças, a pericardite pode se apresentar como uma dor abdominal em vez de dor no peito.
Febre baixa, palpitações, cansaço, mal-estar e tosse também são sintomas comuns, mas geralmente ficam em segundo plano dada a intensidade da dor torácica.
Na pericardite de origem tuberculosa, o quadro não é tão agudo, e o paciente costuma ter febre alta, suores noturnos e emagrecimento.
Complicações
Na maioria dos casos, principalmente os de origem viral, a pericardite é um evento autolimitado, que responde bem à administração de anti-inflamatórios e cura-se após 1 a 3 semanas. Porém, a pericardite pode desenvolver complicações potencialmente fatais.
As duas principais complicações da pericardite são: tamponamento cardíaco e pericardite constrictiva.
Tamponamento cardíaco
Em alguns casos de pericardite pode haver acúmulo de líquido entre as lâminas do pericárdio. Em cerca de 5% dos casos, esse acúmulo é tão grande, que o excesso de líquido comprime as câmaras cardíacas, impedindo o coração de se encher e bombear o sangue adequadamente. O tamponamento cardíaco é uma emergência médica, pois o paciente pode entrar em choque circulatório por falência da bomba cardíaca.
Pericardite constrictiva
Apesar de incomum, algumas pessoas com pericardite, particularmente aquelas com inflamação longa e com recorrências frequentes, podem desenvolver cicatrizes e um permanente espessamento do pericárdio. Nesses pacientes, o pericárdio perde sua elasticidade, torna-se rígido e passa a comprimir o coração, dificultando o adequado bombeamento do sangue. A pericardite constritiva costuma causar cansaço, falta de ar e inchaços nas pernas e no abdômen.
Diagnóstico
O diagnóstico da pericardite pode ser feito clinicamente através da história clinica e do exame físico. Ao auscultar o coração com um estetoscópio, o médico pode notar que há um barulho de fricção durante os batimentos cardíacos, chamado de atrito pericárdico. Esse sinal ocorre pelo atrito entre as duas camadas inflamadas do pericárdio.
Não é difícil pensar em pericardite quando um paciente jovem e sem fatores de risco para doenças cardiovasculares chega ao serviço de emergência com uma dor torácica típica de pericardite e apresenta atrito pericárdico à auscultação cardíaca. Porém, mesmo em casos teoricamente fáceis como o descrito acima, é preciso a realização de exames complementares para se confirmar o diagnóstico.
Em geral, o paciente acaba sendo investigado para as principais causas de dor torácica, o que inclui a realização de exames de sangue, radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma. A partir dos resultados desses exames, a maioria dos casos de pericardite consegue ser esclarecida.
Tratamento da pericardite
Na maioria dos pacientes com pericardite aguda provocada por vírus ou sem causa esclarecida, o tratamento pode ser feito com repouso e aspirina ou algum anti-inflamatório comum. Se a dor não melhorar em uma semana, o quadro precisa ser reavaliado.
Outro medicamento que pode ser usado é a colchicina, que, além de melhorar os sintomas da pericardite aguda, também reduz o risco de recorrências.
Nos pacientes que podem ou não toleram o uso dos medicamentos descritos acima, a opção são os corticoides.
Quando a causa da pericardite é identificada, como nos casos de infecções por bactérias ou tuberculose, também faz parte do tratamento o uso de antibióticos dirigidos para essas infecções.
Se o paciente tem lúpus ou artrite reumatoide, o médico precisa controlar melhor essas doenças para conseguir tratar a inflamação do pericárdio.
Referências
- What is Pericarditis? – American Heart Association.
- Evaluation and Treatment of Pericarditis: A Systematic Review – JAMA.
- Pericardial Disease: Diagnosis and Management – Mayo Foundation for Medical Education and Research.
- Acute Pericarditis – Medscape.
- Acute pericarditis: Clinical presentation and diagnostic evaluation – UpToDate.
- Acute pericarditis: Treatment and prognosis – UpToDate.
- Ferri FF. Pericarditis. In: Ferri’s Clinical Advisor 2017. Philadelphia, Pa.: Elsevier; 2017.
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.