O que é a fibromialgia?
A fibromialgia é um dos maiores mistérios da medicina. É uma doença que se caracteriza por dores difusas envolvendo músculos, tendões e ligamentos. O paciente com fibromialgia tem múltiplas dores pelo corpo e se sente constantemente exaurido.
Além da dor muscular generalizada e da sensibilidade excessiva em muitas áreas do corpo, os pacientes fibromiálgicos também costumam sofrer de fadiga, sono excessivo, dores de cabeça e distúrbios do humor, como depressão e ansiedade.
Curiosamente, apesar da riqueza de sintomas, não há alterações detectáveis nos exames laboratoriais nem nos exames de imagem, como radiografias, ultrassonografia, tomografias, etc. Além da dor, mais nada é detectado através do exame físico do paciente com fibromialgia. Biópsias realizadas nos músculos, tendões e ligamentos nada revelam, não há sinais de inflamação, não há lesões e muito menos alterações estruturais.
Causas
Exatamente pela falta de achados objetivos, a fibromialgia era no passado considerada uma doença de natureza psicossomática (de origem psicológica). Seu reconhecimento como “doença real” só foi obtido em 1987.
As atuais teorias sugerem uma alteração nas áreas cerebrais responsáveis pela percepção da dor. O cérebro dos pacientes com fibromialgia parece ser excessivamente sensível aos estímulos dolorosos que chegam a si. Isso significa que estímulos indolores para a maioria das pessoas são interpretados como dor pelo cérebro do paciente fibromiálgico.
Exames radiológicos mais modernos, ainda pouco usados na prática médica do dia-a-dia, conseguiram demonstrar que pacientes com fibromialgia apresentam sinais precoces de envelhecimento do cérebro, com redução da área cinzenta (local do cérebro onde ficam os neurônios). Estas alterações podem justificam uma exagerada interpretação do cérebro aos estímulos externos.
Porém, como já referido, não existe nenhum exame laboratorial ou de imagem que confirme o diagnóstico de fibromialgia. Na verdade, esses exames só servem para se descartar outras causas de dor crônica.
Se durante a investigação algum exame laboratorial ou de imagem detectar alterações, ou ainda, se houver a presença de sinais inflamatórios nas articulações (artrite) ou sinais de lesões neurológicas detectáveis durante o exame físico feito pelo médico, o diagnóstico de fibromialgia deve ser repensado, dado que essas alterações apontam para a existência de outra causa para as dores.
A fibromialgia é seis vezes mais comum em mulheres e a sua prevalência aumenta conforme a idade. Cerca de 2% da população jovem e 8% da população idosa são portadores desta doença. A maior parte dos casos de fibromialgia inicia-se entre os 30 e 55 anos.
Em 50% dos casos os sintomas iniciam-se após um evento pontual, tal como um estresse físico ou psicológico. Nos outros 50% não se consegue detectar nenhum gatilho para o surgimento dos sintomas. Pessoas com história familiar positiva apresentam oito vezes mais chances de ter fibromialgia que o resto da população, sugerindo fortemente uma causa genética.
Sintomas
O principal sintoma da fibromialgia é uma dor difusa, podendo envolver músculos, ligamentos e tendões. Muitas vezes, o paciente refere sensação de articulações inchadas, o que na verdade é apenas uma sensação, já que o edema não é comprovado ao exame físico. Não há sinais clínicos de artrite nas articulações doloridas.
Quando questionados onde dói, muitos respondem: dói tudo. São dores constantes, que pioram ao toque. O paciente com fibromialgia tem um limiar para dor mais baixo, isto é, estímulos dolorosos de intensidade igual são muito mais sentidos por quem tem a doença.
Uma descrição que resume bem os sintomas da fibromialgia é a de sensação de estar com uma forte gripe que não passa, causando dor no corpo, mal-estar, dor de cabeça e astenia.
Além da dor difusa, a fadiga é outro sintoma frequentemente presente no paciente fibromiálgico.
O cansaço é mais forte de manhã, logo que o paciente acorda, mas também pode ser bastante incômodo no final da tarde. A fadiga matinal ocorre mesmo que o paciente tenha dormido mais de 10 horas durante a noite. A sensação é de um sono não revitalizante.
Na verdade, uma das características da fibromialgia é o sono leve. Os pacientes acordam com frequência durante a madrugada e têm dificuldade em voltar a dormir. Alguns trabalhos mostram que esses pacientes não conseguem se manter no estágio 4 do sono, que é o do sono profundo, também conhecido como sono restaurador.
O paciente fibromiálgico passa o dia sentindo uma completa falta de energia, com sensação de pernas e braços pesados e dificuldade de concentração, denominada pelos pacientes como “cérebro cansado”. É muito comum a associação da fibromialgia com a síndrome da fadiga crônica.
Dor de cabeça tipo enxaqueca ou cefaleia tensional é um sintoma comum e acomete mais de 50% dos pacientes com fibromialgia.
Os pacientes também podem apresentar uma variedade de sintomas mal compreendidos, incluindo dor abdominal, dor no peito, sintomas sugestivos de síndrome do intestino irritável, dor pélvica, sintomas urinários, como ardência para urinar e necessidade de ir ao banheiro com frequência, problemas de memória, olhos secos, palpitações, tonturas, formigamentos, flutuações constantes de peso, perda da libido, intensas cólicas menstruais e alterações do humor.
A associação com a depressão e distúrbios de ansiedade é muito comum. Cerca de 70% dos pacientes com fibromialgia desenvolverão um dos dois distúrbios ao longo da vida.
É importante saber que, se por um lado a fibromialgia não é uma doença que acarrete risco de morte ou cause deformidades, por outro, os sintomas podem ser incapacitantes, determinado uma péssima qualidade de vida ao paciente. Pacientes com fibromialgia costumam ter uma qualidade de vida muito ruim se não tiverem o diagnóstico estabelecido e não estiverem sob tratamento.
Resumo dos principais sinais e sintomas da fibromialgia
- Dor musculoesquelética difusa por todo o corpo.
- Fadiga.
- Baixa capacidade de concentração.
- Depressão.
- Ansiedade.
- Dor de cabeça.
- Dificuldade para dormir.
- Dor abdominal.
- Formigamento nas mãos e pés.
Diagnóstico
O médico especializado em investigar e tratar a fibromialgia é o reumatologista.
A maioria dos pacientes com fibromialgia vive com os sintomas durante anos até o diagnóstico ser finalmente feito. Durante a investigação, esses pacientes costumam passar por dezenas de exames e múltiplos especialistas. Alguns pacientes acabam sentindo-se rejeitados pelos médicos, enquanto outros temem que uma doença fatal oculta acabe por ser encontrada.
O diagnóstico é feito através da avaliação clínica. Os exames complementares servem para descartar outras doenças que simulem os mesmos sinais e sintomas, como hipotireoidismo, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, polimialgia reumática e outras desordens inflamatórias ou autoimunes.
O grande desafio para o médico é quando a fibromialgia ocorre concomitantemente com outras doenças que também cursam com dores difusas, como osteoartrite, polimialgia reumática e artrite reumatoide. Nesses casos, o diagnóstico de fibromialgia é muito difícil de ser estabelecido.
Pontos dolorosos da fibromialgia
O Colégio Americano de Reumatologia publicou em 1990 os seguintes critérios para o diagnóstico da fibromialgia:
- Sintomas de dor generalizada, que ocorrem acima e abaixo da cintura e afetam os lados direito e esquerdo do corpo.
- Dor à palpação em pelo menos 11 dos 18 pontos sensíveis ilustrados abaixo.
Tratamento
O tratamento é idealmente feito com uma equipe multidisciplinar, com reumatologista, fisioterapeuta e psicólogo ou psiquiatra. Entender o que é a doença, acabando com pensamentos negativos do tipo “vou morrer”, “tenho câncer” ou “isso é uma infecção sem cura”, ajuda muito a combater os sintomas.
A longo prazo, a imensa maioria dos pacientes com fibromialgia melhora dos seus sintomas e consegue manter uma vida ativa e com qualidade. Comentários do tipo ” isso é coisa da sua cabeça” ou “pare de frescura que não há nada de errado consigo” são inverdades que só prejudicam o tratamento.
Entretanto, não existe cura fácil ou rápida para fibromialgia. Fuja de tratamentos que prometem milagres. Doenças crônicas e de difícil tratamento são um prato cheio para charlatões e aproveitadores.
Contraditoriamente, apesar do paciente sentir-se persistentemente cansado, não fazer nada ao longo do dia tende a piorar os sintomas. Nada é pior para os sintomas da fibromialgia do que o sedentarismo. Exercícios físicos aeróbicos e musculação melhoram a qualidade de vida e diminuem a intensidade das dores e a sensação de cansaço. O paciente deve ser encorajado a sair da inércia e vencer a indisposição inicial.
Estudos mostram que a prática de ioga e Tai Chi Chuan são tão eficazes quanto exercícios aeróbicos, ajudando a melhorar o cansaço, as dores e a qualidade do sono.
Também é importante evitar álcool, cigarros e cafeína.
Medicamentos
Uma grande variedade de medicamentos tem sido usados para controlar os sintomas da fibromialgia. Os medicamentos que têm sido mais eficazes são os de ação no sistema nervoso central, como os antidepressivos e as drogas anticonvulsivantes.
Em contraste, medicamentos que agem exclusivamente na dor, como anti-inflamatórios e analgésicos, são menos eficazes. Esses últimos, porém, podem ser usados em associação com os antidepressivos, potencializando seus efeitos contra a dor.
Exemplos de medicamentos de ação central que podem ser usados no tratamento da fibromialgia:
- Fluoxetina.
- Paroxetina.
- Ciclobenzaprina.
- Amitriptilina.
- Gabapentina.
- Pregabalina.
Recentemente três novas drogas antidepressivas de última geração mostraram-se efetivas no controle dos sintomas da fibromialgia: Venlafaxina, Duloxetina e Milnaciprana (Savella®).
Com o correto diagnóstico e tratamento, a longo prazo, mais de 2/3 dos pacientes com fibromialgia mantêm-se ativos e referindo pouca ou nenhuma interferência da doença no seu dia-a-dia.
Leia também: Melhores remédios para cada tipo de dor.
Psicoterapia
Nos pacientes que não respondem adequadamente às terapias iniciais é sugerido a terapia cognitivo-comportamental (TCC). As intervenções psicológicas devem ser integradas ao tratamento multidisciplinar, que inclui também terapia farmacológica, educação e exercícios.
Acupuntura
Não há evidências de que a acupuntura funcione para fibromialgia.
Só como exemplo, um estudo publicado em 2005 dividiu um grupo de pacientes em dois. Um recebeu tratamento com acupuntura e outro com placebo (falsa acupuntura feita com objetos pontiagudos que não eram inseridos na pele e nem estimulavam os pontos tradicionais da acupuntura chinesa). Os pacientes do grupo placebo não sabiam que estavam usando placebo, todos achavam estarem sendo submetidos à acupuntura tradicional.
No final, não houve diferença entre os dois grupos, ambos apresentaram uma redução da dor em 30% dos casos. Em 2010 houve também uma grande revisão dos principais estudos envolvendo acupuntura e novamente não se conseguiu demonstrar evidências de melhora quando comparado ao placebo.
Portanto, não há evidências científicas inequívocas de que, pelo menos na fibromialgia, a acupuntura seja superior a um simples efeito placebo.
Ao contrário da acupuntura, todos os medicamentos citados no tópico anterior mostraram, em estudos científicos, serem superiores ao placebo no controle da dor da fibromialgia.
Dúvidas comuns sobre fibromialgia
A fibromialgia é uma doença de verdade ou é apenas psicológica?
Desde a década de 1980 a fibromialgia é reconhecida como “doença real”. Sabe-se hoje que os cérebros dos pacientes com fibromialgia são mais sensíveis a informações vindas do exterior, reconhecendo como dor estímulos que o cérebro da maioria das pessoas reconhece como não dolorosos.
Existe lesão visível ou detectável em algum órgão dos pacientes com fibromialgia?
Não. Por isso a doença é tão difícil de ser diagnosticada.
Fibromialgia tem cura?
Não. Tenha cuidado com as famosas promessas de cura e remédios milagrosos ou revolucionários. A maioria são charlatões que se aproveitam do desespero do paciente para ganhar dinheiro.
Já há tratamentos que ajudam no controle dos sintomas, mas nenhum deles é considerado milagroso. O atual tratamento da fibromialgia inclui vários fatores como mudanças de estilo de vida, exercícios, terapias de relaxamento e ajuda psicológica.
Quais são as doenças que costumam estar associadas a fibromialgia?
Depressão, ansiedade, síndrome do intestino irritável, enxaqueca, dor pélvica crônica, disfunção da articulação temporomandibular e cistite intersticial.
Qual é o médico especialista que trata fibromialgia?
Reumatologista. Porém, um clínico geral que tenha experiência no assunto também pode tratar a fibromialgia.
Fibromialgia piora ou melhora com o passar do tempo?
Depende. Cerca de 25% dos casos se tornam pior ao longo dos anos; outros 25% melhoram. A evolução depende da existência de outras doenças associadas e da aderência e resposta do paciente ao tratamento proposto pelo médico.
Em um trabalho cientifico que acompanhou pacientes com fibromialgia por 14 anos pôde-se perceber que a maioria dos pacientes não referiu melhora significativa dos sintomas, porém, mais de 75% mantinham uma vida produtiva normal a despeito de terem fibromialgia.
Fibromialgia pode matar?
Não. Porém, se não tratada corretamente pode prejudicar muito a qualidade de vida e tornar o paciente pouco produtivo.
Existe uma dieta especial para fibromialgia?
Não, mas evitar gorduras, álcool e cafeína parece ajudar no tratamento.
Quais são as complicações da fibromialgia?
A dor crônica e os distúrbios do sono podem interferir no funcionamento social, acadêmico e profissional do indivíduo. Além disso, a frustração de ter de lidar com uma condição muitas vezes incompreendida por amigos, parentes e patrões também pode resultar em depressão e crises de ansiedade.
Fibromialgia pode virar câncer?
Não, a fibromialgia não é um fator de risco para o desenvolvimento de nenhum tipo de câncer.
Quais são os sintomas na pele do paciente com fibromialgia?
Os sintomas relacionados à pele mais comuns são: hiperidrose (suor em excesso), formigamento, sensação de calor ou queimação e coceira.
Qual é o CID da fibromialgia?
Na nova edição do CID-11, que entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2022, a fibromialgia manteve o código M79.7.
Referências
- The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee – American College of Rheumatology.
- Fibromyalgia: A Critical and Comprehensive Review – Clinical reviews in allergy & immunology.
- Fibromyalgia syndrome: a discussion of the syndrome and pharmacotherapy – American journal of therapeutics.
- Effect of tai chi versus aerobic exercise for fibromyalgia: comparative effectiveness randomized controlled trial – British Medical Association.
- Fibromyalgia – Medscape.
- Clinical manifestations and diagnosis of fibromyalgia in adults – UpToDate.
- Initial treatment of fibromyalgia in adults – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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