O que é o transtorno da compulsão alimentar periódica?
Quase todo mundo já teve um ou mais episódios nos quais acabou comendo muito mais do que o necessário para matar a fome e depois ficou sentido-se empanturrado e arrependido. Férias, datas festivas ou viagens são ocasiões especiais em que esse tipo de comportamento pode surgir.
Se esses episódios de alimentação compulsiva ocorrerem de forma esporádica, e o paciente sentir que o comer demais foi uma decisão voluntária, apesar de não muito inteligente, não há motivos para preocupação.
Por outro lado, se os episódios de compulsão alimentar são frequentes, incontroláveis e despertam no indivíduo uma intensa sensação de culpa, angústia e vergonha, podemos estar diante de uma doença psiquiátrica chamada transtorno da compulsão alimentar periódica.
No TCAP, o paciente não consegue parar de comer, mesmo quando já não tem mais fome e está com o estômago incomodamente cheio. Muitas vezes, por vergonha do seu comportamento, ele se esconde no quarto ou no banheiro para poder continuar comendo.
O transtorno da compulsão alimentar periódica distingue-se da bulimia nervosa pela ausência de comportamento compensatório após a ingestão compulsiva. No TCAP não há vômitos nem abuso de diuréticos ou medicamentos para emagrecer (leia: Bulimia nervosa: o que é, sintomas e tratamento).
Estima-se que cerca de 3% da população sofra de TCAP. Destes, 2/3 são mulheres e 1/3 homens. Mais de 75% desses pacientes apresentam sobrepeso (IMC maior que 25 kg/m² – Leia: Calcule o seu peso ideal).
O início do quadro compulsivo costuma ser durante a adolescência ou nos primeiros anos da vida adulta, mas a maioria dos pacientes só procura atendimento médico por volta dos 35-40 anos.
Critérios diagnósticos
Segundo o mais recente Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), o diagnóstico do transtorno da compulsão alimentar periódica requer a identificação de cada um dos seguintes 5 critérios:
1. Episódios de compulsão alimentar nos quais o paciente come, dentro de um período de 2 horas, uma quantidade de alimentos que é definitivamente maior do que aquela que a maioria das pessoas comeria em período e condições semelhantes.
Durante os episódios de compulsão, os pacientes sentem que não têm controle sobre a situação. Eles não conseguem parar de comer nem controlar a quantidade de comida ingerida.
2. Os episódios de compulsão apresentam pelo menos três das seguintes características:
- Comer mais rapidamente do que o normal.
- Comer até se sentir desconfortavelmente cheio.
- Comer grandes quantidades de alimentos quando não se tem fome.
- Comer sozinho devido à vergonha provocada pela quantidade de alimentos consumidos.
- Sentindo-se enojado de si mesmo, deprimido ou com intensa sensação de culpa após comer demais.
3. Os episódios devem ter ocorrido, em média, pelo menos uma vez por semana nos últimos três meses.
4. Não há comportamentos compensatórios inadequados, como aqueles observados na bulimia nervosa.
5. Os episódios de compulsão alimentar não ocorrem apenas durante o curso de bulimia nervosa ou anorexia nervosa.
A gravidade do transtorno da compulsão alimentar periódica é baseada no número de episódios de ingestão compulsiva de alimentos:
- Leve: 1 a 3 episódios por semana.
- Moderado: 4 a 7 episódios por semana.
- Grave: 8 a 13 episódios por semana.
- Extremo: 14 ou mais episódios por semana.
Fatores de risco
Tal como acontece com a maioria dos transtornos mentais, não existe uma causa específica para o transtorno da compulsão alimentar. Esse distúrbio tem origem multifatorial, sendo resultado da soma de fatores genéticos, psicológicos e ambientais.
Semelhantemente ao que ocorre com os outros distúrbios alimentares, a presença de níveis anormalmente baixos do neurotransmissor serotonina parece estar associado à compulsão alimentar. Um mau funcionamento de partes do cérebro que controlam o apetite, como o hipotálamo, também podem estar envolvidos, tornando o paciente viciado em comida e incapaz de desencadear a sensação de saciedade enquanto come.
Entre os fatores de risco para o transtorno da compulsão alimentar, os mais comuns são:
- História familiar de distúrbios alimentares.
- Obesidade.
- Depressão.
- História de agressão física ou abuso sexual.
- Ter sofrido bullying.
- Exposição frequente a comentários negativos sobre a forma, peso ou hábitos dietéticos.
- Participação em atividades esportivas de alto nível, que exijam excelente forma física.
- Baixa autoestima.
- Ter menos de 25 anos.
Patologias psiquiátricas associadas
A associação com outros transtornos mentais é muito comum, sendo essa incidência bem maior que na população em geral. Estudos mostram que entre os pacientes que sofrem de transtorno da compulsão alimentar, as taxas de distúrbios associados são:
- Fobia específica: presente em 37% dos pacientes com transtorno da compulsão alimentar.
- Fobia social: 32%.
- Depressão: 32%.
- Transtorno de personalidade: 29%.
- Transtorno de estresse pós-traumático: 26%.
- Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: 20%.
- Alcoolismo: 21%.
- Transtorno obsessivo-compulsivo: 10%.
Sintomas
Conforme explicado nos critérios para o diagnóstico, o paciente com TCAP apresenta episódios nos quais costuma comer mais do que precisa, mesmo quando não tem fome, só interrompe a ingestão quando está sentindo-se fisicamente mal e, geralmente, por vergonha, esconde-se nos momentos de compulsão.
O paciente pode conseguir esconder a doença da família durante muitos anos. Alguns sinais que devem servir de alerta para os amigos e familiares são:
- Obesidade associada à clara e manifesta insatisfação com o peso.
- Frequentes flutuações de peso ao longo de meses ou anos.
- Uso de roupas muito largas para esconder a aparência física.
- Sintomas depressivos.
- Isolamento social.
- Baixa autoestima.
- Presença de comida escondida no quarto.
- Restos ou migalhas de comida espalhados por locais inusitados da casa, como banheiros ou armários.
- Sumiço frequente de comida da dispensa ou da geladeira.
Ao longo dos anos, o transtorno da compulsão alimentar aumenta o risco do paciente desenvolver doenças físicas, tais como diabetes tipo 2, problemas nas articulações, doenças cardíacas, refluxo gastroesofágico (DRGE), pedra na vesícula, colesterol elevado e alguns distúrbios respiratórios relacionados ao sono.
Tratamento
Os objetivos do tratamento do transtorno compulsivo alimentar periódico são reduzir os episódios de compulsão e, quando necessário, ajudar o paciente a perder peso e alcançar um IMC saudável.
A psicoterapia é o tratamento de escolha para o TCAP. Modalidades, como a terapia cognitiva comportamental, a psicoterapia interpessoal e a terapia comportamental dialética são formas de psicoterapia eficazes contra o comportamento compulsivo.
Programas de perda de peso sob supervisão médica são geralmente indicados somente depois do paciente ter o seu transtorno alimentar controlado, pois a dieta pode servir de gatilho para mais episódios de compulsão alimentar.
Os pacientes obesos ou com excesso de peso com transtorno compulsivo que não respondem à psicoterapia devem ser tratados com medicamentos. Algumas opções reconhecidamente eficazes são:
- Lisdexanfetamina.
- Zonisamida.
- Topiramato.
- Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (exemplos: citalopram, escitalopram, fluoxetina, fluvoxamina e sertralina).
Quando feito corretamente, a taxa de sucesso do tratamento é de cerca de 70%, ou seja, 7 em cada 10 pacientes conseguem se ver livres dos episódios de compulsão.
Referências
- Binge Eating Disorder – The National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases.
- Pharmacotherapy of eating disorders – Current opinion in psychiatry.
- Binge-Eating Disorder in Adults: A Systematic Review and Meta-analysis – Annals of internal medicine.
- Eating disorders: Overview of epidemiology, clinical features, and diagnosis – UpToDate.
- Binge eating disorder in adults: Overview of treatment – UpToDate.
- Binge-eating disorder. In: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders DSM-5. 5th ed. Arlington, Va.: American Psychiatric Association.
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