O que é a bulimia nervosa?
A bulimia é uma doença que faz parte do grupo de patologias psiquiátricas chamados transtornos alimentares. Consideramos um transtorno alimentar qualquer padrão de comportamento relacionado aos alimentos que possa causar danos à saúde do paciente.
A bulimia é uma patologia que acomete cerca de 1% da população. Ela caracteriza-se por consumo compulsivo de alimentos seguido de intenso sentimento de culpa e medo de engordar, que levam o paciente a tentar se livrar rapidamente das calorias consumidas, atitude chamada comportamento compensatório inapropriado.
A forma mais comum de purgação é através de vômitos induzidos, mas ela pode ocorrer também pelo consumo excessivo de laxantes, diuréticos ou medicamentos que suprimem o apetite.
Episódios de jejum prolongado, adesão a dietas muito restritivas, prática exagerada de exercícios físicos ou qualquer outra atitude cujo objetivo seja impedir o ganho de peso também podem fazer parte do comportamento compensatório.
O paciente bulímico costuma estar preso a um círculo vicioso que se caracteriza por:
O consumo compulsivo de calorias e o comportamento compensatório são habitualmente feitos às escondidas, sem que amigos ou familiares tenham conhecimento. O paciente costuma sentir vergonha tanto da fase de alimentação compulsiva quando do momento da purgação.
O que a família pode perceber é a excessiva preocupação do paciente com o seu peso e aparência física. Porém, ao contrário do que ocorre na anorexia nervosa, o paciente bulímico costuma ter um índice de massa corporal (IMC) adequado, o que faz com que seus familiares não suspeitem, a princípio, da existência de um transtorno alimentar.
A bulimia nervosa distingue-se do transtorno de compulsão alimentar pela inexistência da fase compensatória inapropriada neste último.
Informações em vídeo
Antes de seguirmos com o artigo, assiste a esse curto vídeo que resume as principais informações sobre a bulimia.
Associação com outras patologias psiquiátricas
A associação da bulimia com outros transtornos psiquiátricos é extremamente comum. 95% dos pacientes bulímicos apresentam pelo menos mais uma doença e até 64% apresentam três ou mais patologias psiquiátricas associadas.
Estudos feitos nos EUA mostraram a seguinte frequência de doenças psiquiátrica associadas à bulimia:
- Depressão – 50% dos pacientes com bulimia nervosa.
- Fobia específica – 50%.
- Transtorno de estresse pós-traumático – 45%.
- Transtorno de ansiedade social (fobia social) – 41%.
- Transtorno de déficit de atenção / hiperatividade – 35%.
- Uso abusivo de álcool – 34%.
- Transtorno desafiador opositivo – 27%.
- Consumo de drogas ilícitas – 26%.
- Perturbação disfórica pré-menstrual – 17%.
Fatores de risco
Não sabemos exatamente por que a bulimia surge. Provavelmente, ela é resultado de múltiplos fatores genéticos, psicológicos e sociais.
Algumas características tornam o indivíduo mais propenso a ter bulimia. São elas:
- Ser do sexo feminino (a doença é três vezes mais comum nas mulheres).
- Ser adolescente ou adulto jovem.
- Ter história familiar de transtorno alimentar.
- Ter sido uma criança com sobrepeso.
- Ter alguns aspectos psicológicos específicos, tais como: baixa autoestima, comportamento impulsivo, depressão, ansiedade, perfeccionismo ou transtorno obsessivo-compulsivo.
- Ser mais sensível a pressões sociais ou da mídia em relação ao tipo físico mais adequado.
- Ter uma carreira profissional que exija um corpo magro, como atletas, atores, dançarinos e modelos.
Sinais e sintomas
Como os episódios de compulsão alimentar e purgação são feitos às escondidas, e o paciente não costuma estar abaixo do peso ideal, a família pode demorar a se dar conta da existência do transtorno alimentar.
Sinais físicos e alterações no comportamento costumam ser as principais dicas. Muitas vezes, o paciente deixa pistas que sugerem que ele está comendo escondido, tais como pratos sujos no quarto, embalagens de comida, migalhas pelo chão, guardanapos sujos, sumiço de comida da despensa, etc.
Alguns comportamentos pessoais também são sugestivos, como ficar trancado no banheiro por longos períodos do dia, principalmente após as refeições, prática excessiva de exercícios físicos, obsessão com dietas ou preocupação excessiva com a aparência.
Descobrir que o paciente armazena medicamentos que ajudam a perder peso, tais como diuréticos, laxantes, supressores do apetite ou estimulantes do metabolismo também é um sinal de alerta.
O prolongado ciclo de compulsão alimentar-purgação costuma provocar alterações físicas que podem ser facilmente identificadas pelo médico ou pela família, tais como:
- Alterações contínuas do peso corporal (para mais e menos).
- Aumento do tamanho das glândulas parótidas devido à estimulação crônica das glândulas salivares pela indução frequente de vômitos.
- Erosões dentárias, perda do esmalte e cáries provocadas pelos vômitos repetidos.
- Lesões na orofaringe pela ação ácida do conteúdo estomacal vomitado.
- Aftas recorrentes.
- Vômito sanguinolento por lesão do esôfago.
- Dor e dificuldade para engolir, também pela lesão do esôfago.
- Dor abdominal.
- Excesso de gases.
- Alterações do trânsito intestinal: constipação ou diarreia.
- Olhos vermelhos que surgem divido à lesão dos pequenos vasos sanguíneos da conjuntiva provocada pelo esforço para vomitar.
- Sinal de Russell: calosidades, cicatrizes ou escoriações nas articulações das mãos provocadas pela repetidas induções do vômito com os dedos.
- Distrofia das unhas.
- Fragilidade do cabelo.
- Sinais de desidratação (boca seca, olhos com pouco brilho, sede frequente e pele ressecada).
- Cansaço crônico.
- Tonturas.
- Hipotensão arterial.
Nos casos mais graves, os pacientes podem apresentar irregularidades menstruais e relevantes alterações nas análises laboratoriais, tais como hipoalbuminemia (albumina sanguínea baixa), hipocalemia (potássio sanguíneo baixo), hiponatremia (sódio sanguíneo baixo), hipocloremia (cloro sanguíneo baixo) e alcalose metabólica (elevação do pH sanguíneo).
Os vômitos repetidos e o uso abusivo de diuréticos e/ou laxantes podem provocar insuficiência renal pela crônica desidratação.
Gravidade do quadro
A gravidade do quadro de bulimia pode ser definida pela frequência dos comportamentos compensatórios inapropriados.
- Leve: média de 1 a 3 episódios de comportamento compensatório inapropriado por semana.
- Moderado: média de 4 a 7 episódios de comportamento compensatório inapropriado por semana.
- Grave: média de 8 a 13 episódios de comportamento compensatório inapropriado por semana.
- Extremo: média de 14 ou mais episódios de comportamento compensatório inapropriado por semana.
Diagnóstico
Os critérios atualmente utilizados para o diagnóstico da bulimia nervosa são os seguintes:
A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar, caracterizada por:
1) ingestão desproporcional de alimentos, que é definitivamente maior do que aquela que a maioria das pessoas costuma comer em um intervalo de tempo semelhante.
2) Sensação de falta de controle na hora de comer. O paciente sente-se incapaz de parar ou reduzir o consumo de alimentos durante o episódio compulsivo.
B. Comportamentos compensatórios inapropriados, que visam impedir o aumento de peso, tais como indução de vômitos, uso de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos, jejum prolongado ou exercício físico exagerado.
C. A ingestão excessiva de comida e os comportamentos compensatórios inadequados têm de ocorrer ao menos uma vez por semana durante 3 meses consecutivos.
D. Excessiva influência do peso e da forma física na autoestima.
E. Não ter anorexia nervosa.
O paciente com bulimia nervosa preenche todos os 5 critérios descritos acima. Se ele estiver sob tratamento e alguns dos critérios acima não existirem mais, dizemos que o paciente apresenta remissão parcial do quadro. Se após o tratamento todos os critérios sumirem, dizemos que houve remissão completa da doença.
Tratamento
O tratamento da bulimia costuma ser feito com a combinação de medicamentos, reabilitação nutricional e psicoterapia. Essas três modalidades de tratamento precisam de semanas ou até meses para alcançar uma resposta satisfatória. Não existe solução rápida.
Em relação ao tratamento farmacológico, o antidepressivo fluoxetina (Prozac®) costuma ser o mais utilizado.
Nos casos extremos, o paciente pode precisar de internação hospitalar para tratar as complicações, principalmente a desidratação e os distúrbios hidreletrolíticos.
Prognóstico
Após 10 anos, cerca de 70% dos pacientes conseguem atingir remissão completa da doença. Contudo, cerca de 1/3 dos pacientes apresentam pelo menos um episódio de recaída nos primeiros 6 meses após a remissão.
A bulimia nervosa é uma doença grave, que precisa ser encarada com seriedade. Os pacientes além de terem uma taxa de mortalidade precoce mais alta que a população em geral também apresentam maior incidência de suicídio.
Referências
- American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5) – American Psychiatric Association.
- Bulimia nervosa in adults: Clinical features, course of illness, assessment, and diagnosis – UpToDate.
- Bulimia nervosa in adults: Pharmacotherapy – UpToDate.
- Initial Evaluation, Diagnosis, and Treatment of Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa – American Family Physician.
- Eating disorders in children and adolescents: state of the art review – American Academy of Pediatrics.
- Bulimia Nervosa – Medscape.
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