Transtorno Opositivo Desafiador em Crianças e Adolescentes

Dra. Claudia Miliauskas & Dra. Iolanda Carvalho

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Transtorno Opositivo Desafiador

Tempo de leitura estimado do artigo: 9 minutos

O que é o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD)?

O Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) é caracterizado por um padrão persistente de comportamento negativo, desafiador e hostil direcionado a figuras de autoridade. Esses comportamentos resultam frequentemente em conflitos com adultos ou colegas, e têm duração mínima de seis meses.

Os sintomas geralmente se iniciam nos primeiros anos de vida, mas o diagnóstico pode ocorrer mais tarde, ao final da infância ou na adolescência. É importante entender que esse diagnóstico não deve ser encarado como uma condição isolada, mas sim como um indicador de outros problemas que podem precisar de investigação e tratamento no futuro.

Com que frequência ocorre o TOD?

A frequência do transtorno opositivo desafiador varia de acordo com a metodologia dos estudos, pois os critérios diagnósticos são altamente subjetivos.

Mundialmente, esse diagnóstico é encontrado em aproximadamente em 3,2% das crianças, no entanto, esse número pode aumentar em regiões em situação de vulnerabilidade social. Em um estudo brasileiro (coorte de Pelotas) foi encontrada a prevalência de 2,8% de transtornos de oposição/conduta.

Antes da puberdade, o transtorno é mais comum em meninos, mas essa tendência tende a diminuir na adolescência.

Como surge o transtorno opositivo desafiador?

Como a maior parte dos transtornos mentais, o surgimento do TOD se deve a uma relação complexa de múltiplos fatores, sendo necessário contextualizar cada caso em particular.

Cada criança apresenta um conjunto de fatores de vulnerabilidade, ou seja, características que a colocam sob maior risco de desenvolvimento de um determinado transtorno. Em contrapartida, cada criança apresenta também um conjunto de fatores de proteção, ou seja, fatores que irão agir de forma preventiva ou amenizar o desenvolvimento de transtornos psíquicos.

É importante destacar que, do conjunto de vulnerabilidades ou riscos, nenhuma é exclusiva de um determinado transtorno, e nem determina, necessariamente, a certeza de surgimento de um diagnóstico.

Causas individuais

Crianças e adolescentes diagnosticados com TOD expressam, em grande parte, impulsividade e irritabilidade, que constituem traços associados ao temperamento, e podem ser observados desde o início do desenvolvimento.

O traço impulsividade se caracteriza por um padrão específico de comportamento que é a dificuldade de adiar uma ação, ainda que esta tenha consequências negativas; apresenta-se com reações rápidas, inconsequentes e intensas.

A irritabilidade, por sua vez, está relacionada à facilidade com que a pessoa se frustra e reage emocionalmente na interação com outras pessoas e situações.

Algumas características do transtorno opositivo desafiador podem ser associadas a traços de temperamento, presentes desde o início do desenvolvimento, que podem ser herdadas geneticamente dos pais biológicos ou originadas durante a gestação — como exemplo podemos citar a exposição a infecções, medicamentos, drogas psicoativas e nutrição inadequada. O nascimento com baixo peso ou a presença de síndromes genéticas com alterações da anatomia e funcionamento do sistema nervoso, podem estar associados à causa dos sintomas.

Desta forma, podemos considerar que, em parte, algumas características biológicas podem influenciar a maneira como o indivíduo estabelece estratégias de adaptação do seu comportamento em um contexto adverso ou desafiador, reagindo com dificuldades para adiar satisfações imediatas em função de uma recompensa futura.

O comportamento humano é tão complexo que não é possível determinar até que ponto, ou em que intensidade, essas causas biológicas podem ser responsabilizadas pelas alterações de comportamento de uma pessoa. Além disso, sabe-se que estas mesmas causas podem ter um papel mais ou menos importante em função da combinação com causas familiares e ambientais.

Como exemplo podemos pensar em uma criança cuja mãe foi vítima de violências durante a gestação e puerpério, fez uso de medicações psicotrópicas neste período, o que acarretou um nascimento prematuro e com algumas complicações no bebê, esse conjunto de causas pode contribuir para que essa pessoa desenvolva menor capacidade de agir de acordo com as normas sociais, assim como de controlar suas emoções.

Indivíduos com baixo QI, desempenho escolar ruim, falta de atenção em situações complexas, dificuldade para tomada de decisões, falhas de memória, comportamento motor desajeitado, prejuízo de habilidades verbais, falhas na capacidade de planejamento para um determinado objetivo e baixa compreensão das regras de interação social também são propensos a desenvolver TOD, pois tais deficiências cognitivas geram frustração e estimulam respostas inadequadas e impulsivas a esse tipo de sentimento.

Causas familiares

A forma como uma família se organiza, como seus membros interagem entre si e como os pais exercem a sua função parental influencia no desenvolvimento físico e emocional da criança. Estas características podem funcionar como fatores de proteção ou de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais.

Como exemplo de um ambiente que funcionará como fator de risco para um desenvolvimento infantil prejudicado podemos citar um ambiente familiar caótico, com estresse vindo de várias situações, como relações hostis entre seus membros, desconsideração sobre o que a criança sente, disputas entre pai e mãe nas separações conflituosas, violência familiar, alcoolismo, negligência dos cuidados básicos de saúde e alimentação ou perda de um dos pais antes de entrar na adolescência.

Tais fatores podem contribuir para o surgimento de quaisquer transtornos mentais na criança, no adolescente ou na vida adulta, e não apenas do transtorno opositivo desafiador.

Outros exemplos de situações que funcionam como fatores de risco para o desenvolvimento infantil são famílias que utilizam métodos punitivos, com desqualificação constante da criança ou rigidez inflexível nas críticas e exigências no processo educacional dos filhos.

No outro extremo desse perfil, encontramos a família excessivamente permissiva, que não estabelece regras claras, evita se envolver com o controle do comportamento dos filhos, apresentam ambiguidade nas suas atitudes como dizer uma coisa e fazer outra, gerando confusão na comunicação.

A maneira como a criança se desenvolve emocionalmente também está relacionada ao tipo de apego que ela conseguiu estabelecer com seus cuidadores. No apego inseguro, há uma dependência excessiva da criança em relação ao cuidador, e sua autonomia fica limitada. Essas crianças podem ter dificuldades para lidar com desafios impostos pelas interações com outras pessoas ao longo da vida, e nesse contexto, o comportamento agressivo pode representar a forma que a pessoa encontrou para estabelecer tais relações.

O comportamento dos pais pode ou não estar relacionado as suas próprias questões internas e formas de lidar com o mundo, ou mesmo com transtornos mentais, perpetuando ciclos geracionais de adoecimento familiar.

É válido frisar que os fatores mencionados interagem e se reforçam em um círculo vicioso com consequente reforço de comportamentos desviantes e manutenção ou agravamento do quadro clínico ao longo dos anos.

Causas ambientais

A comunidade na qual se inserem a criança e sua família também tem importante influência no comportamento de cada indivíduo, podendo favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento de capacidades para lidar com dificuldades.

Atualmente, os estudos em saúde pública consideram os aspectos sociais como características que influenciam na saúde do indivíduo, tanto física quanto mental. As doenças, como um todo, não podem mais ser vistas como resultado meramente biológico. Desta forma, crianças que vivem em ambientes com menos áreas verdes, maior poluição, menor interação social, menos acesso a condições básicas de saneamento, serviços de saúde e educação, entre outros direitos, terão sua saúde influenciada por tais circunstâncias.

Podemos considerar como fatores ambientais de risco para o transtorno opositivo desafiador:

  • Associação da criança com outros jovens que perpetuam códigos sociais mais agressivos e antissociais
  • Uso de álcool e drogas ilícitas precocemente.
  • História de insucesso escolar.
  • Recursos acadêmicos escassos na comunidade
  • Existência de maus-tratos na história biográfica do indivíduo e exposição a outros tipos de violência como bullying e violência urbana.

Sintomas do transtorno opositivo desafiador

Há três categorias distintas de sintomas:

  • Relativos ao humor (irritado/raivoso).
  • Comportamento (questionador/desafiante).
  • Índole ou caráter (negativo).

Tais comportamentos devem estar presentes como um padrão persistente ao longo do tempo, em diferentes situações da vida da criança e causar prejuízo nas relações da criança em diferentes ambientes, como familiar, escolar e entre outras crianças.

Humor irritado

Em relação ao humor, o padrão encontrado é de crianças com labilidade do humor, que se irritam facilmente, expressam raiva com frequência, sentem-se nervosas, podendo se manifestar também com alterações do comportamento como agitação e tiques nervosos.

É importante ressaltar que, assim como em todos os outros transtornos mentais, não existem sintomas exclusivos do TOD, ou seja, os sintomas presentes neste quadro podem estar presentes em várias outras categorias diagnósticas.

Comportamentos que caracterizam “sintomas” em um determinado contexto podem ter outro significado numa situação diferente. Por exemplo, o humor irritável e impaciência também são comuns em quadros depressivos, nas intoxicações pelo uso de substâncias, ou nas dificuldades de aquisição da linguagem, quando a criança não consegue se expressar verbalmente.

Comportamento desafiador e questionador

Em relação ao comportamento desafiador e questionador pode se manifestar por meio de constante questionamento de normas sociais, mentiras frequentes, tentativas constantes de burlar as regras, entre outros.

Novamente, é importante ressaltar que esses comportamentos devem estar presentes de forma intensa, ao longo do tempo e trazendo prejuízo significativo para a vida do indivíduo e da família.

O comportamento argumentador pode ser um recurso importante da criança para buscar sentido nas coisas, seja quando se sente injustiçada, seja quando discorda, podendo indicar capacidade para se defender. O desafio às autoridades e comportamentos desafiadores podem estar presentes em quadros psicóticos, ou mesmo como respostas saudáveis em ambientes hostis, nos quais a criança sente-se ameaçada ou desprotegida.

A desobediência, por sua vez, pode estar relacionada à pouca clareza de limites e regras, ou mesmo associada a agitação inerente ao desenvolvimento normal.

Índole ou caráter negativo

Quanto aos termos “índole” ou “caráter negativo”, os mesmos se referem a comportamentos vingativos ou de crueldade com outras crianças, familiares, professores ou até animais. Por se tratarem de situações que causam danos a terceiros e estão associados a prejuízos sociais, normalmente esses relatos ocorrem por parte dos familiares ou profissionais da educação. 

Outras características de temperamento que podem estar presentes nas crianças com transtorno desafiador opositor são rompantes de agressividade relacionados a gatilhos, ou seja, estímulos que fazem disparar uma reação emocional. Nesse sentido, o indivíduo interpreta uma situação de forma predominantemente negativa, devido à evocação simultânea de memórias de experiências prévias com carga afetiva desagradável, resultando em respostas agressivas. Este processo normalmente ocorre através de um controle pouco eficaz, por parte do indivíduo, sobre a modulação de suas respostas, considerando-se suas tendências à labilidade emocional. 

Outro ponto a ser considerado é o desenvolvimento da capacidade para a empatia, termo que se refere à capacidade do indivíduo para experimentar o sentimento vivido por outra pessoa, como se pudesse vivenciar o lugar deste outro. O comprometimento desta capacidade pode estar associado às dificuldades de internalização de regras, limites e normas compartilhadas socialmente, pois a falta de perspectiva sobre o lugar do outro dificulta a construção de sentido sobre o que é importante para o coletivo.

Como deve ser feita a avaliação?

As situações que nos fazem pensar no diagnóstico do transtorno desafiador opositor também podem se confundir com outros diagnósticos, sendo importante escutar atentamente a família, a criança, os professores e outros profissionais que porventura podem ajudar a entender melhor o comportamento da criança.

Crianças com TOD podem ter, ao mesmo tempo, outros transtornos mentais, como, por exemplo, ansiedade, depressão, outros transtornos de humor, dificuldades cognitivas, transtornos psicóticos, transtornos de linguagem e transtornos de aprendizagem.

De modo geral, uma boa avaliação de cada caso deve levar em consideração a dinâmica resultante da interação complexa de fatores de vulnerabilidade (ou risco) em relação aos fatores de proteção. Através da escuta cuidadosa e atenta do profissional de saúde, e da participação da família e da criança, torna-se possível avaliar o contexto em que os comportamentos se manifestam.

No encontro entre profissional e criança com sua família, a criança deve ser ouvida, separadamente e com os pais, e os pais precisam também ser ouvidos separadamente, na ausência da criança. O ambiente deve ser propicio para observar como a criança brinca, como interage com os pais ou como reage a frustrações pelas interações com o examinador.

Sabemos que a criança pode apresentar diferentes respostas em diferentes situações, e há situações delicadas que os pais devem evitar revelar na presença da criança. Como, por exemplo, situações próprias do casal, como nos casos em que a gestação da criança não foi inicialmente desejada, por imaturidade dos pais, ou inúmeras outras questões. Fatores de vulnerabilidade (ou risco) são os elementos identificados que tendem a desfavorecer o bom desenvolvimento da criança, limitando suas potencialidades.

A partir de uma conversa sem julgamentos morais dirigidos à criança ou à família, surgem vários elementos e suas vivências pessoais dentro de uma história.

Exemplos podem ser privações de afeto e cuidados adequados, perda de familiares, violência familiar, violência escolar, baixa condição socioeconômica, desigualdades sociais, racismo e violência estruturais, violência de gênero velada ou explícita, isolamento social, solidão, dificuldades de aprendizagem, insegurança alimentar ou desnutrição, outras doenças que acometem a criança, dificuldades para se socializar, privação de situações de interação como lazer em família e várias outras questões.

Fatores de proteção são elementos identificados que favorecem ou empoderam a criança no seu desenvolvimento de modo a expressar suas potencialidades. São bons exemplos a presença de familiares afetivos, que expressam carinho e proteção nas interações com a criança, boa capacidade cognitiva da criança, facilidade de fazer amigos, presença de vínculos sociais significativos, acesso aos cuidados básicos de higiene, alimentação e segurança, acesso ao lazer e possibilidades de interação com outras crianças, bom rendimento escolar, alfabetização concluída, inserção em ambientes coletivos solidários como na igreja, com amigos, familiares e comunidade.

Diagnóstico

O diagnóstico é eminentemente clínico, não havendo a necessidade de exames laboratoriais complementares. Deve ser realizado através de avaliação psiquiátrica cuidadosa, atenta e ao mesmo tempo acolhedora.

É fundamental que o médico possa contextualizar as informações sobre a vida de cada criança, considerando a relação entre os fatores de vulnerabilidade (ou riscos) e os fatores de proteção. Desta forma, a avaliação clínica busca estabelecer uma compreensão de um todo complexo e multifacetado, que diz respeito ao lugar único de cada pessoa, com seus problemas peculiares, suas possíveis motivações, capacidades e dificuldades para lidar com adversidades.

Portanto, mais que um “checklist” ou conjunto amontoado de sintomas, a avaliação clínica deve apreender um pouco da dinâmica complexa entre os mesmos.

Como referência para a classificação diagnóstica, pode ser utilizado o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5 a edição (DSM-V) e a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, em sua 11 a edição (CID-11).

Destacamos aqui que é necessário ter cautela para julgar clinicamente se os critérios se aplicam para um determinado paciente, pois lembremos que o comportamento humano é carregado de subjetividade, e dificilmente um manual pode conter todas as nuances possíveis que, dependendo do contexto, podem mudar o significado do que é observado.

Os critérios diagnósticos para o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição (DSM-5), são os seguintes:

Critério A. Padrão de comportamento irritado/raivoso, argumentativo/desafiador ou vingativo que dura pelo menos seis meses, durante o qual quatro (ou mais) dos seguintes sintomas estão presentes na interação com pelo menos uma pessoa que não seja um irmão:

Comportamento irritado/raivoso:

  • 1. Muitas vezes perde a paciência.
  • 2. É frequentemente sensível ou facilmente incomodado por outros.
  • 3. É frequentemente irritado e ressentido.

Comportamento argumentativo/desafiador:

  • 4. Frequentemente questiona figuras de autoridade. No caso de crianças e adolescentes questiona adultos.
  • 5. Frequentemente desafia acintosamente ou se recusa a cumprir com as regras ou pedidos de figuras de autoridade.
  • 6. Muitas vezes perturba deliberadamente outras pessoas.
  • 7. Frequentemente culpa os outros por seus erros ou mau comportamento.

Índole vingativa:

  • 8. Foi malvado ou vingativo pelo menos duas vezes nos últimos seis meses.

Critério B. A perturbação no comportamento está associada a sofrimento para o indivíduo ou para os outros em seu contexto social imediato (p. ex., família, grupo de pares, colegas de trabalho) ou causa impactos negativos no funcionamento social, educacional, profissional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Critério C. Os comportamentos não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico, por uso de substância, depressivo ou bipolar. Além disso, os critérios para transtorno disruptivo da desregulação do humor não são preenchidos.

É necessário um padrão de humor e comportamento alterado (critério A), com pelo menos 4 dos sintomas descritos na tabela acima. Além disso, os sintomas precisam ser persistentes (pelo menos 6 meses) e causar um grau de prejuízo significativos na esfera pessoal, social e educacional (critério B).

CID-11

Na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o TOD é chamado de Trastorno Desafiador Opositivo e está categorizado dentro dos Transtornos mentais, comportamentais ou de desenvolvimento neurológicos.

No CID-11, o TOD recebe a classificação 6C90, sendo descrito como um padrão persistente (por exemplo, 6 meses ou mais) de comportamento acentuadamente desafiador, desobediente, provocador ou rancoroso que
ocorre com mais frequência do que o normalmente observado em indivíduos de idade e nível de desenvolvimento comparáveis e que não se restringe à interação com irmãos. O transtorno desafiador opositivo pode se manifestar em um humor predominantemente raivoso ou irritável, frequentemente acompanhado por explosões de temperamento severas ou em comportamento obstinado, argumentativo e desafiador. O padrão de comportamento é de gravidade suficiente para resultar em prejuízo significativo no funcionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento.

Diagnósticos diferenciais

Na avaliação desses quadros é importante considerar alguns diagnósticos diferenciais, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), os transtornos do humor e de ansiedade. Todos esses quadros apresentam alterações de humor e comportamento, que podem se sobrepor.

Em quadros de depressão e ansiedade em crianças e adolescentes, nem sempre é fácil identificar o humor deprimido, ansioso ou irritável, podendo haver o predomínio de queixas de alterações de comportamento, ou de queixas somáticas (sintomas físicos), situação que pode se confundir com alguns quadros de TOD mais leve.

Por outro lado, alguns casos de TDAH podem se manifestar, às vezes, com a predominância das características hiperatividade e impulsividade, gerando grande impacto nas relações sociais e familiares, e então ser confundidos com o diagnóstico de TOD.

Outra possibilidade é que diferentes quadros diagnósticos podem coexistir num mesmo indivíduo, como, por exemplo, a criança que apresenta o TOD e o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ao mesmo tempo.

A diferenciação diagnóstica e o projeto terapêutico devem ser realizados pelo médico especialista em psiquiatria, junto ao paciente e à família, considerando ainda as informações fornecidas pela escola e por outros profissionais que conhecem a criança em diferentes contextos (ex. psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicopedagogo, etc.). 

Tratamento

O tratamento dos quadros de transtorno opositivo desafiador podem ser bastante complexos, visto que é comum que estas crianças e adolescentes estejam inseridas em ambientes adoecidos ou hostis, muitas vezes sujeitos a diferentes formas de violência, associados a diversos fatores de vulnerabilidade (ou risco), conforme exposto anteriormente.

Todos esses fatores podem contribuir para uma dificuldade no estabelecimento de vínculo com o profissional de saúde, assim como o engajamento familiar no projeto de tratamento.

Idealmente, o projeto de tratamento deve incluir uma equipe multidisciplinar com profissionais, como médicos pediatra e psiquiatra, psicólogos, psicopedagogos, musicoterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas de família, entre outros.

A combinação específica de tratamentos depende do que é indicado para cada caso específico, pois o projeto terapêutico deve ser único em função das necessidades de cada um. Nem todas as modalidades de tratamento são absolutamente necessárias para todos, e dependendo do momento, um ou outro pode ser mais indicado.

Há ainda que se considerar as possibilidades de custeio financeiro de cada família, além do esforço na realização de uma rotina que deve se encaixar como algo possível na vida da criança e de seus cuidadores, considerando horários e deslocamentos.

É fundamental que ocorra contatos regulares com os profissionais envolvidos na educação e nas atividades extracurriculares da criança, seja por parte da família, seja por parte dos próprios profissionais de saúde que estão conduzindo o tratamento. Planos terapêuticos vão precisar abordar também as falhas no desempenho acadêmico e relacionamentos sociais.

Buscar junto com o paciente e com a família quais são as capacidades e potencialidades dele, pode ser um ponto fundamental para promover uma melhor adesão ao tratamento. Esses indivíduos costumam viver rodeados por críticas sociais e, identificar suas qualidades, ao invés de reforçar os defeitos, pode ser a mola propulsora do tratamento.

Abordagem da família em separado também é importante, visto que muitos responsáveis também precisarão de cuidados individuais, além do que muitas vezes é preciso trabalhar com estes comportamentos que podem estar potencializando os sintomas dos pacientes.

Abaixo segue um esquema sobre as principais estratégias:

Quadro com resumo do tratamento do transtorno opositivo desafiador nas crianças.

O tratamento medicamentoso só ocorrerá em quadros mais graves e terão como foco o controle dos sintomas. São exemplos dessas situações o uso de antipsicótico para o controle de agressividade e agitação intensas, ansiolíticos e sedativos para insônia refratária a medidas não medicamentosas, antidepressivos para quadros que estejam associados à depressão e ansiedade, entre outros.

É importante lembrar ainda que alguns medicamentos são utilizados para diferentes situações, dependendo do julgamento clínico, como, por exemplo, anti-depressivos que podem ser usados para tratar casos de depressão ou ansiedade, ou mesmo antipsicóticos que podem ser usados para casos de psicose ou alguns casos de difícil manejo da agitação psicomotora. É importante lembrar que não se deve fazer uso de quaisquer medicações sem o acompanhamento de um médico.

Este artigo foi escrito pelas psiquiatras: Drª. Claudia Miliauskas e Drª. Iolanda de Salles Fonseca Carvalho.
Alunos colaboradores: João Gabriel Gouveia, Kelly Soares, Maria Luiza Miranda e Mariana Fialho e Thayná Barbosa Saião dos Santos.


Referências

  • Oppositional defiant disorder: Epidemiology, clinical manifestations, course, and diagnosis – UpToDate.
  • Treatment of oppositional defiant and conduct disorders – UpToDate.
  • MIGUEL, E.C.; LAFER, B.; ELKIS, H.; forlenza,o.v.(Org.). Clínica psiquiátrica: as grandes síndromes psiquiátricas. 2ª ed. Barueri, SP: Manole, 2021. Capítulo 22.
  • PASTURA, G; SANTOS, FN et al. Neuropsiquiatria Infantil. 1a. Ed. Rio de Janeiro: Rubio 2022. Capítulo 6. p 49-59.
  • Boarati MA, Pantano T, Scivoletto S. Psiquiatria da infância e adolescência: cuidado multidisciplinar. 2a. Ed. Editora Manole; 2023.
  • SANTOS, K.P.B.; BOING, E. Atuação sistêmica do médico de família: uma visão segundo o modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Saúde em Debate [online]. v. 43, n. 121 [Acessado 11/04/2024], pp. 614-625.
  • American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5), Arlington 2013.
  • Classificação Internacional de Doenças (CID-11).

Filmes que abordam o transtorno opositivo desafiador:

  • Transtorno Explosivo (2019).
  • Precisamos falar sobre o Kevin (2012).
  • Clube da Luta (1999).

Autor(es)

Médica psiquiatra. Professora adjunta de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FCM/UERJ). Doutorado concluído pelo Instituto de Medicina Social/UERJ, departamento de epidemiologia/saúde coletiva. Mestrado em saúde materno-infantil pela Universidade Federal Fluminense. Especialização em terapia familiar sistêmica. Residência médica em pediatria e psiquiatria.

Dr.ᵃ Iolanda de Salles Fonseca Carvalho é médica graduada pela Universidade Federal Fluminende (UFF), com títulos de especialista em Psiquiatra Geral (RQE 17586) e Psiquiatra da Infância e Adolescência (RQE 25967).

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