O que é sangramento uterino anormal?
Chamamos de sangramento uterino anormal qualquer circunstância na qual exista um sangramento com origem no corpo do útero que seja anormal em termos de regularidade, frequência, volume ou duração.
O termo sangramento uterino anormal é mais indicado que “menstruação anormal” porque leva em consideração não só o sangramento que ocorre durante o período menstrual, mas também qualquer sangramento intermenstrual, ou seja, qualquer perda de sangue uterino que ocorra no meio do ciclo, entre uma menstruação e outra.
Essa perda de sangue vaginal anormal pode ocorrer isoladamente ou combinada a outros sintomas. É uma das principais queixas das mulheres em idade reprodutiva, por perturbar aspectos físicos, emocionais, sexuais e profissionais de suas vidas, e é responsável por cerca de um terço das visitas ao ginecologista realizadas por elas.
Quando a paciente se queixa de sangramento uterino anormal, é importante definir se ele ocorre durante a gravidez, antes da primeira menstruação, em idade fértil ou na menopausa, porque cada um desses momentos está relacionado a causas diferentes.
Neste artigo falaremos unicamente do sangramento uterino de mulheres não grávidas, em idade fértil. Para informações sobre sangramento na gravidez, leia: Causas de sangramento no início da gravidez.
Como é a menstruação normal?
Por definição, um ciclo menstrual inicia-se no primeiro dia da menstruação e termina no primeiro dia da menstruação seguinte. Portanto, se você menstruou dia 02 de março e depois no dia 30 de março, o seu ciclo durou 28 dias.
A menstruação normal é aquela que apresenta as seguintes características:
- Ciclo menstrual com duração entre 24 e 38 dias.
- Intervalos entre cada ciclo menstrual relativamente constantes e previsíveis.
- Duração da menstruação de no máximo 8 dias.
- Os dias de menstruação em cada ciclo são relativamente constantes e previsíveis.
- O volume de sangue perdido não interfere na qualidade de vida física, social, emocional e/ou material da mulher.
Explicamos o ciclo menstrual normal com mais detalhes no artigo: Ciclo menstrual – como ocorre a menstruação.
O que caracteriza uma Menstruação anormal?
Considera-se sangramento uterino anormal qualquer perda de sangue que não se encaixe nas características descritas acima.
Antes de definir que a paciente tem sangramento uterino anormal, é importante confirmar que a perda de sangue tem de fato origem uterina e não é proveniente da vagina, da vulva, do períneo ou da região ao redor do ânus. Além disso, é preciso sempre excluir a existência de gravidez.
O sangramento uterino anormal pode ser crônico ou agudo. Os casos agudos são habitualmente aqueles em que há um episódio inesperado de hemorragia com indicação de intervenção médica urgente para minimizar o sangramento ou prevenir perdas adicionais de sangue.
Já os casos crônicos são caracterizados por episódios de sangramento uterino que são anormais em frequência, regularidade, duração e/ou volume, e que ocorrem na maioria dos meses nos últimos 6 meses. São sangramentos que a paciente já espera que ocorram.
O sangramento uterino agudo pode ser um evento isolado e inesperado ou pode sobrepor-se a um sangramento uterino anormal crônico. Ou seja, as mulheres que têm sangramento uterino anormal crônico podem ter um sangramento agudo fora do padrão habitual do seu sangramento crônico.
Diferenças entre menstruação normal e sangramento uterino anormal crônico
Para diferenciar uma menstruação normal do sangramento uterino anormal crônico é preciso que um ou mais dos seguintes critérios esteja alterado: frequência, regularidade, duração ou volume.
Frequência
A frequência da menstruação leva em conta o intervalo de tempo entre o primeiro dia da menstruação de cada ciclo.
Normalmente, as mulheres apresentam sangramento menstrual a cada 24 a 38 dias, ou seja, se o primeiro dia da sua menstruação for hoje, o primeiro dia da última menstruação deverá ter sido 24 a 38 dias atrás, e o primeiro dia da próxima menstruação será daqui a 24 a 38 dias.
Portanto, se o tempo que passa entre os primeiros dias da menstruação de dois ciclos consecutivos for de 24 a 38 dias, a frequência é considerada normal.
Se a menstruação surge com intervalo menor do que 24 dias, a situação é classificada como sangramento uterino frequente ou menstruação frequente. Se, por outro lado, a menstruação surge com intervalo sempre maior do que 38 dias entre os primeiros dias de cada período menstrual, ela é classificada como sangramento uterino infrequente ou menstruação infrequente.
Regularidade
A regularidade da menstruação leva em conta a quantidade de dias de cada ciclo menstrual.
A menstruação normal acontece em intervalos regulares, com variações mínimas de poucos dias, a cada mês, sendo mais ou menos previsíveis. Ou seja, você deve ser capaz de prever com mais ou menos 1 semana de margem de erro quando a sua próxima menstruação virá.
Assim, o ciclo menstrual é considerado regular quando, ao contabilizar o número total de dias de cada ciclo menstrual, a variação entre o período menstrual mais curto e o mais longo for de no máximo 9 dias.
Por exemplo, uma mulher que nos últimos 3 meses teve menstruações que vieram com 28, 31 e 30 dias de intervalo tem uma menstruação com frequência normal (duração do ciclo entre 24 e 38 dias) e regularidade normal (diferença entre o tamanho dos ciclos menor que 9 dias).
Quando a diferença entre os ciclos é maior que 9 dias, o ciclo menstrual é irregular. Sendo assim, uma mulher que nos últimos 3 meses menstruou com intervalos de 12, 40 e 24 dias, tem uma menstruação irregular. Esta variação no tamanho do ciclo é mais frequente nas mulheres jovens, de 18 a 25 anos, e nas mulheres que estão se aproximando da menopausa, dos 43 aos 45 anos.
Duração
A duração da menstruação leva em conta os dias de sangramento.
Estudos mostram que a maior parte das mulheres tem até 8 dias de sangramento em cada período menstrual. Sendo assim, se houver sangramento por mais de 8 dias de forma persistente, na maior parte dos ciclos, dizemos que a paciente tem sangramento menstrual prolongado.
A medicina ainda não chegou a um consenso em relação ao menor número de dias de sangramento considerado normal, portanto até o momento não há um valor mínimo de referência para a classificação, só o máximo.
Volume da menstruação
O volume leva em conta a percepção da mulher em relação seu fluxo menstrual, que pode ser grande ou pequeno, independentemente da duração da menstruação.
O fluxo menstrual pode ser avaliado de forma objetiva ou subjetiva.
A definição objetiva, que é mais utilizada para efeitos de pesquisas e estudos, considera como normal um volume menstrual entre 5 a 80 ml por ciclo. Se o volume de sangue menstrual perdido passar dos 80 ml, o fluxo é considerado intenso; se for menor do que 5 ml, é considerado leve.
Obviamente, nenhuma mulher fica contabilizando o volume de sangue menstrual perdido ao longo dos dias. Desta forma, na prática, a classificação mais utilizada para determinar a intensidade do volume menstrual é a subjetiva, que leva em conta a percepção da mulher sobre o seu fluxo e o grau de interferência nas atividades habituais de vida que o sangramento exerce.
Neste contexto, o termo sangramento menstrual intenso é utilizado independentemente da duração, frequência ou regularidade do ciclo, desde que seja identificado como um fator de redução da qualidade de vida pela mulher.
Para ajudar a paciente a verificar de forma um pouca mais objetiva se seu volume menstrual é elevado, levamos em conta alguns sinais durante a menstruação, tais como:
- Necessidade de uso de dois tipos de proteção para evitar vazamentos (por exemplo: um tampão e um absorvente).
- Troca de absorvente com intervalo menor que duas horas.
- Vazamentos de sangue para a roupa com frequência.
- Acordar à noite precisando trocar o absorvente.
- Presença de coágulos maiores que 2,5 cm de diâmetro.
- Restrição das atividades diárias devido à menstruação.
Já o sangramento menstrual leve não é habitualmente motivo de queixa, mas também estará diretamente ligado à impressão subjetiva da paciente de que tem um fluxo pequeno.
Sangramento Uterino Anormal Intermenstrual
Quando o sangramento uterino anormal ocorre no período intermenstrual, isto é, em qualquer momento do ciclo fora da menstruação, é preciso antes averiguar se o caso é realmente um sangramento intermenstrual ou apenas uma paciente com menstruação frequente e/ou irregular.
O sangramento intermenstrual pode ser cíclico ou acíclico. No primeiro caso, o sangramento é previsível e costuma acontecer sempre na mesma época, que pode ser no início, meio ou fim do ciclo. Por outro lado, quando ele ocorre de forma aleatória e imprevisível ao longo do ciclo chama-se de sangramento acíclico.
É importante frisar que estas definições se aplicam a mulheres que não estão sob nenhum tratamento hormonal ou algum tratamento que influencie a produção hormonal ovariana. O padrão do sangramento uterino é modificado quando se faz terapia hormonal, seja ela com estrogênio ou progesterona.
Sangramento intermenstrual cíclico
Quando ocorre no meio do ciclo: eventualmente, podem se verificar pequenas perdas de sangue no meio do ciclo, sem que haja nenhuma doença associada. Estas perdas acontecem em cerca de 9% das mulheres em idade fértil e estão normalmente ligadas à ovulação.
Este sangramento no meio do ciclo é bastante comum, mas na maior parte das vezes fica oculto, pois a quantidade de sangue é muito pequena. Se for realizado um swab vaginal logo após a ovulação, em 90% das mulheres haverá detecção de sangue quando testados em laboratório.
Quando ocorre nas fases pré-menstrual ou pós-menstrual: de um modo geral, este tipo de sangramento é bem leve e dura um ou poucos dias. Esse sangramento pode estar relacionado a alterações hormonais ou à endometriose, pólipos uterinos ou outras lesões do trato genital.
Sangramento intermenstrual acíclico
Este tipo de sangramento está tipicamente ligado a lesões benignas, como cervicite (inflamação do colo do útero) ou pólipos uterinos. Eventualmente, o sangramento intermenstrual acíclico pode estar ligado a um câncer do endométrio ou do colo de útero.
Sistema PALM-COEIN
Desde 2011 utilizamos o sistema PALM-COEIN, proposto pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, para ajudar no diagnóstico das desordens que causam o sangramento uterino anormal.
Esta classificação divide as possíveis causas de sangramento uterino anormal em dois grandes grupos e em 9 categorias. A primeira divisão (PALM) refere-se a causas estruturais que são facilmente visualizadas em exames de imagem ou por biópsia. A segunda (COEIN) está mais ligada a causas não-estruturais diagnosticadas em exames de sangue.
PALM-COEIN é um acrônimo em inglês que pode ser facilmente traduzido para o português.
Cada uma das letras denomina uma das etiologias do sangramento. A imagem abaixo mostra a anatomia do trato genital feminino.
Sistema PALM-COEIN:
- P – pólipos uterinos (leia: Pólipos no útero).
- A – adenomiose: doença provocada pela presença de tecido endometrial no interior da parede muscular do útero (leia: Adenomiose uterina – sintomas e tratamento).
- L- leiomioma: os miomas mais comumente associados a sangramento uterino anormal são os submucosos (leia: Miomas uterinos – causas, sintomas e tratamento).
- M – lesões malignas: tumores malignos são mais comuns após a menopausa, mas devem ser descartados sempre.
- C – coagulopatia: alterações da coagulação provocadas por doenças hepáticas, hemofilia, leucemia, dentre outras.
- O – disfunção ovulatória: falta de ovulação, ovulação pouco frequente, falhas associadas a aproximação da menopausa, stress, perda ou ganho de peso, exercício excessivo, medicamentos.
- E – alterações do endométrio: alguma alteração do funcionamento normal do endométrio, que é o nome dado à parede interna do útero.
- I – iatrogenia: chamamos de iatrogenia as situações provocadas por tratamento prescrito pelo médico ou intervenções médicas, tais como terapêutica hormonal, anticoagulantes, medicamentos que interferem com a situação hormonal, DIU, etc.
- N – não classificados: outras situações clínicas mais raras que podem contribuir individualmente para o sangramento uterino anormal.
Diagnóstico
Dependendo dos sintomas, da idade, da história clínica, da história familiar, dos medicamentos em uso e do exame físico, são definidas as hipóteses diagnósticas mais prováveis, considerando a classificação PALM-COEIN.
A partir daí podem ser solicitados exames de sangue para avaliação da coagulação, da parte hormonal, (incluindo teste de gravidez, hormônios da tireoide, da regulação do ciclo menstrual e prolactina) e para definir se há anemia ou défice de ferro.
O seguimento da investigação depende da história clínica, idade da paciente, sintomas e exame físico. Podem ser requeridos uma série de exames, tais como a ultrassonografia transvaginal, e histeroscopia e a ressonância magnética, assim como biópsias do endométrio.
Tratamento
O tratamento do sangramento uterino anormal depende da causa. O objetivo é regularizar o ciclo menstrual nas pacientes com sangramento intermenstrual e reduzir as perdas de sangue nos casos de sangramento uterino anormal com fluxo intenso.
O tratamento cirúrgico definitivo do sangramento uterino anormal é a histerectomia. No entanto, nem todas as condições têm indicação de tratamento cirúrgico, podendo ser tratadas com medicamentos orais, como terapêutica hormonal ou uso de anti-inflamatórios.
Referências
- The two FIGO systems for normal and abnormal uterine bleeding symptoms and classification of causes of abnormal uterine bleeding in the reproductive years: 2018 revisions – International Federation of Gynecology and Obstetrics.
- Heavy menstrual bleeding: assessment and management – NICE guideline.
- Abnormal uterine bleeding in reproductive-age women: Terminology and PALM-COEIN etiology classification – UpToDate.
- Abnormal uterine bleeding in reproductive-aged women – Obstetrics and gynecology clinics of North America.
- Practice bulletin no. 128: diagnosis of abnormal uterine bleeding in reproductive-aged women – American College of Obstetricians and Gynecologists.
- Sangramento Uterino Anormal – FEBRASGO.
- Heavy Menstrual Bleeding – Division of Blood Disorders, National Center on Birth Defects and Developmental Disabilities, Centers for Disease Control and Prevention.
Autor(es)
Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.