O que é a doença da arranhadura do gato?
A chamada doença da arranhadura do gato é uma infecção provocada por arranhões de gatos infectados com a bactérias Bartonella henselae.
A Bartonella henselae é transmitida para os gatos através das pulgas e não costuma provocar sintomas nos felinos. Os filhotes com menos de 1 ano são o grupo com maior risco de ter infecção ativa.
A infecção felina pela bactéria é extremamente comum, mesmo em gatos domésticos.
Um estudo na Califórnia mostrou que 3 em cada 4 gatos já estiveram infectados com a bactéria e cerca de 20% ainda tinham a bactéria ativa e eram capazes de transmitir a infecção para humanos. Outros estudos mostram que pelo menos 40% dos gatos terão contato com a bactéria em algum momento da vida.
Todos os gatos infectados apresentam aparência saudável, sendo impossível saber de antemão quais estão contaminados com a bactéria.
Nos humanos, a infecção pela Bartonella é mais comum em crianças, idosos e pacientes com o sistema imunológico fraco. Nos adultos saudáveis, a infecção costuma ser assintomática ou com sintomas brandos.
A doença ocorre no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a estimativa é de 22 mil casos novos por ano. Nos países de clima úmido e quente, a doença é ainda mais comum, pois o clima favorece a proliferação e transmissão de pulgas.
Transmissão
A doença da arranhadura do gato, como o próprio nome sugere, é habitualmente transmitida pelo arranhão de gatos infectados. Essa, porém, não é a única via.
Mordidas ou lambidas em feridas na pele, boca ou olhos também podem transmitir a bactéria. A picada da pulga contaminada pode ser também uma forma de transmissão, mas essa via nunca foi efetivamente comprovada.
A transmissão para os humanos é até 15 vezes mais comum quando o arranhão é feito por gatos com menos de 1 ano de idade.
Mais de 90% dos pacientes com doença da arranhadura do gato relatam um histórico recente de contato com gato, geralmente filhote, e cerca de 75% desses pacientes lembram de terem sido mordidos ou arranhados.
Raramente, a doença pode ser transmitida por cães. Isso ocorre porque a pulga dos gato (Ctenocephalides felis) também pode parasitar os cachorros. Os gatos porém, são o reservatório favorito da bactéria.
Sintomas
Lesão de inoculação
A doença da arranhadura do gato tipicamente começa com o surgimento de um ou mais pápulas ou nódulos de coloração avermelhada ou escurecida com 3 a 5 mm de diâmetro no local do arranhão.
Esses nódulos, chamados de lesão de inoculação, demoram de 3-10 dias para surgirem e duram de 1 a 3 semanas.
Linfadenopatia
Após o desaparecimento da lesão de inoculação surge o sinal característico da doença, que é o aumento de um ou mais linfonodos (gânglios) próximo da região do arranhão ou mordida.
Os locais mais comuns são os linfonodos localizados nas axilas, pescoço ou atrás da orelha, pois a maioria das mordidas e arranhões ocorrem nos braços ou mãos. Nos pacientes arranhados nas pernas, a virilha é um local comum de linfadenopatia.
Os gânglios aumentados costumam ser dolorosos, avermelhados e com tamanhos que variam de 1 a 10 cm. Alguns desses linfonodos pode supurar e drenar pus.
A linfadenopatia geralmente desaparece de um a quatro meses, mas há casos descritos de linfonodos aumentados por mais de um ano.
A lesão de inoculação e a linfadenopatia são as duas manifestações mais comuns da doença da arranhadura do gato e ocorrem mais frequentemente em crianças com menos de 15 anos.
Outros sinais e sintomas
Além da linfadenopatia, aproximadamente 50% dos pacientes também apresentam sintomas sistêmicos inespecíficos, tais como:
- Mal-estar.
- Cansaço.
- Febre.
- Anorexia.
- Dor de cabeça.
- Dor de garganta.
- Dor nas articulações.
Nos idosos, a infecção pela Bartonella henselae pode provocar um quadro atípico, com sintomas menos claros. Mal-estar generalizado e febre de origem obscura são sintomas comuns nos idosos, e até 1 em cada 4 pacientes acima de 60 anos não apresenta aumento dos linfonodos.
Idosos, crianças pequenas e pacientes com imunossupressão apresentam maior risco de desenvolverem infecção em algum órgão, como fígado, baço, endocardite (infecção das válvulas do coração) ou meningite.
A tabela abaixo resume os principais sintomas da doença, a frequência e o tempo de duração.
Sintoma | Frequência (%) | Dias de duração |
Linfadenopatia | 100 | 14-180 |
Linfadenopatia sem outros sintomas | 52 | 14-180 |
Lesão de inoculação | 59-93 | 7 |
Febre | 32-60 | 6 |
Cansaço | 29 | 13 |
Dor de cabeça | 13 | 4 |
Perda de peso | 14 | 5 |
Aumento do baço | 12 | 11 |
Dor de garganta | 5 | 2 |
Rash na pele | 5 | 8.5 |
Aumento das parótidas | 2 | – |
Conjuntivite | 4.5 | – |
Complicações
Existem várias complicações possíveis da doença da arranhadura do gato, felizmente, elas são raras e só costumam ocorrer em pacientes com problemas graves no sistema imunológico.
Encefalopatia
Encefalopatia é o acometimento do sistema nervoso central e pode surgir quando a bactéria alcança a corrente sanguínea e chega ao cérebro.
Pacientes com encefalopatia tipicamente desenvolvem confusão mental e desorientação de rápida evolução, que pode progredir para coma.
O quadro costuma surgir aproximadamente uma a seis semanas após a linfadenopatia. A maioria dos pacientes apresenta convulsões e alguns desenvolvem achados neurológicos focais, tais como perda força ou paralisia de metade do corpo, como resultado de vasculite cerebral.
Em alguns casos, a encefalopatia resulta em dano cerebral permanente ou até morte.
Neurorretinite
Neurorretinite é uma inflamação do nervo óptico e da retina que ocorre em 1 a 2% dos casos. Febre, mal-estar e visão turva em um dos olhos é a apresentação mais comum.
A visão geralmente melhora após o término da infecção. Alguns pacientes podem ficar com alterações permanentes na visualização de cores e contrastes.
Síndrome oculoglandular de Parinaud
A síndrome oculoglandular de Parinaud é uma infecção ocular que ocorre em 2 a 8% dos pacientes. A doença da arranhadura dos gatos é uma das causas mais comuns dessa síndrome.
O quadro clínico é de linfadenopatia associada à infecção da conjuntiva, pálpebra ou superfície da pele ao redor dos olhos. As queixas mais comuns incluem conjuntivite, sensação de corpo estranho e lacrimejamento excessivo, que pode ser purulento e abundante em alguns pacientes.
Diagnóstico
Nos casos típicos, com lesão de inoculação e linfonodos aumentados, basta também haver história de contato com gatos para o médico poder iniciar o tratamento. A história e os sintomas típicos bastam.
A confirmação pode ser feita por exames de sangue conhecidos como sorologia (pesquisa de anticorpos) ou PCR (pesquisa do DNA da bactéria).
Raramente é necessário fazer biópsia do linfonodo para fechar o diagnóstico.
Tratamento
Apesar da doença ser auto-limitada na maioria dos casos, alguns especialistas sugerem tratamento com antibiótico para todos os pacientes com sintomas, como forma de reduzir o risco de complicações e acometimento dos órgãos.
Muitos médicos, porém, só prescrevem antibiótico nos casos com linfadenopatia grande e dolorosa ou em pacientes idosos ou imunossuprimidos.
Crianças com poucos sintomas não costumam receber antibióticos.
Antibióticos
O esquema antibiótico mais utilizado é Azitromicina 500 mg no primeiro dia, seguido por 250 mg por mais 4 dias.
Nas crianças, as doses são ajustadas de acordo com o peso. O esquema mais prescrito é:
- Crianças com menos de 45 kg: 10 mg/kg no dia 1, seguido de 5 mg/kg por quatro dias;
- Crianças com mais de 45 kg: 500 mg no dia 1, seguido de 250 mg por quatro dias (igual aos adultos).
Outros opções de antibióticos incluem:
- Claritromicina 500 mg 12/12 horas por 7 a 10 dias.
- Rifampicina 300 mg 12/12 horas por 7 a 10 dias.
- Ciprofloxacino 500 mg 12/12 horas por 7 a 10 dias (somente para adultos).
- Sulfametoxazol-trimetoprim 160/800 mg de 12/12 horas por 7 a 10 dias.
A infecção pela Bartonella henselae costuma provocar imunidade permanente. Isso significa que o paciente só tem a doença uma vez na vida, pois desenvolve anticorpos de forma eficiente contra a bactéria.
Prevenção
A forma mais simples de prevenir a doença da arranhadura do gato é evitar contato direito com gatos, principalmente os filhotes e os gatos de rua. Essa é a forma de prevenção mais indicada para pessoas com sistema imunológico fraco ou idosos com múltiplas doenças.
Para os donos de gatos, o ideal é deixá-los sempre dentro de casa, evitando contato com gatos de rua. O controle frequente das pulgas com medicamentos também é importante.
Referências
- Cat-scratch Disease – American Family Physician.
- iCat-scratch disease: a wide spectrum of clinical pictures – Advances in dermatology and allergology.
- Pathogenicity and treatment of Bartonella infections – International journal of antimicrobial agents.
- Microbiology, epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis of cat scratch disease – UpToDate.
- Treatment of cat scratch disease – UpToDate.
- Cat Scratch Disease (Cat Scratch Fever) – Medscape.
- Color Atlas & Synopsis of Pediatric Dermatology Kay Shou-Mei Kane, Jen Bissonette Ryder, Richard Allen Johnson, Howard P. Baden, Alexander Stratigos Copyright 2002 by The McGraw-Hill Companies.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.