Diferenças entre gastrite, duodenite e úlcera péptica

A gastrite é uma inflamação superficial da mucosa do estômago, podendo causar queimação, desconforto e náuseas. Já a úlcera péptica é uma lesão mais profunda que afeta estômago ou duodeno, com sintomas intensos e risco de complicações.

Dr. Pedro Pinheiro
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Gastrite-úlcera

Tempo de leitura estimado do artigo: 9 minutos

Introdução

Gastrite, duodenite e úlcera péptica são doenças do trato gastrointestinal superior que afetam o estômago e o duodeno (a primeira porção do intestino delgado). Apesar de estarem relacionadas ao mesmo sistema e compartilharem sintomas semelhantes, essas condições envolvem diferentes níveis de agressão à mucosa — a camada de revestimento interno desses órgãos.

A gastrite é caracterizada pela inflamação da mucosa do estômago, enquanto a duodenite afeta a mucosa do duodeno. Já a úlcera péptica representa uma lesão mais profunda e localizada, que ultrapassa as camadas superficiais e pode causar complicações mais graves, como sangramentos ou perfurações.

O que é gastrite e duodenite?

A mucosa do estômago é uma camada de tecido especializada que recobre a parede interna do órgão, funcionando como uma barreira protetora contra o conteúdo extremamente ácido do suco gástrico. Essa acidez é essencial para a digestão, mas também pode causar danos se a mucosa estiver fragilizada.

A gastrite é a inflamação dessa mucosa gástrica. Essa inflamação pode ser causada por diferentes fatores, como infecções, uso prolongado de medicamentos irritantes (como anti-inflamatórios), consumo de álcool, tabagismo, entre outros.

Já a duodenite é um processo inflamatório semelhante, mas que ocorre no duodeno, a primeira porção do intestino delgado, localizada logo após o estômago. Embora envolvam locais diferentes, gastrite e duodenite compartilham muitas causas e sintomas em comum.

Esôfago, estômago e duodeno
Esôfago, estômago e duodeno

Essas duas condições podem ocorrer de forma aguda (de início súbito) ou crônica (persistente por semanas ou meses), e em alguns casos, quando não tratadas adequadamente, podem evoluir para erosões mais profundas, resultando na formação de úlceras pépticas.

O que é úlcera péptica?

A úlcera péptica é uma ferida aberta que se forma na mucosa do estômago ou do duodeno devido à ação corrosiva do suco gástrico, que contém ácido clorídrico e enzimas digestivas. Essas substâncias são essenciais para a digestão, mas podem causar lesões quando a barreira de proteção natural da mucosa está comprometida.

Diferente da gastrite e da duodenite, que são inflamações superficiais da mucosa, a úlcera péptica é uma lesão mais profunda, que ultrapassa a camada superficial e pode atingir tecidos mais internos da parede do estômago ou duodeno. Por isso, ela tende a causar sintomas mais intensos e tem maior potencial de complicações.

A localização da úlcera define sua classificação:

  • Úlcera gástrica: localizada no estômago.
  • Úlcera duodenal: localizada no duodeno.

Entre as duas, a úlcera duodenal é mais comum, especialmente em adultos jovens. Já a úlcera gástrica ocorre com maior frequência em pessoas acima dos 60 anos e exige atenção redobrada, pois pode se confundir com alguns tipos de câncer gástrico na endoscopia.

Causas da gastrite e da duodenite

A gastrite e a duodenite são geralmente causadas por fatores que agridem ou enfraquecem a mucosa protetora do estômago e do duodeno, permitindo que o ácido gástrico danifique os tecidos.

As principais causas são:

Infecção por Helicobacter pylori

Trata-se da causa mais comum de gastrite crônica. A bactéria h.pylori se aloja na mucosa do estômago, promovendo inflamação persistente e aumentando o risco de úlceras e até câncer gástrico (leitura sugerida: Helicobacter Pylori: o que é, sintomas e tratamento).

Uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)

Medicamentos como ibuprofeno, naproxeno e ácido acetilsalicílico (aspirina) reduzem a produção de prostaglandinas, substâncias que ajudam a proteger a mucosa gástrica. Seu uso frequente pode causar erosões e inflamações (leitura sugerida: O que são medicamentos anti-inflamatórios (AINEs)?).

Consumo excessivo de bebidas alcoólicas

O álcool possui efeito tóxico direto sobre a mucosa do estômago. Ele enfraquece a barreira de muco que protege a parede gástrica, facilitando a ação corrosiva do suco gástrico.

Além disso, o álcool pode estimular a produção de ácido clorídrico, agravando ainda mais o quadro inflamatório. O risco é maior quando o consumo é frequente e associado a outros fatores, como jejum prolongado, uso de medicamentos irritantes ou tabagismo (leitura sugerida: Alcoolismo (saiba se você tem problemas com o álcool)).

Refluxo biliar

O refluxo de bile ocorre quando o conteúdo do intestino delgado, rico em sais biliares, retorna para o estômago. Esses sais têm uma ação irritante sobre a mucosa gástrica, especialmente quando combinados com o ácido gástrico.

Esse tipo de gastrite é mais comum em pessoas que já passaram por cirurgias no trato digestivo, como gastrectomia parcial ou colecistectomia (retirada da vesícula biliar). Também pode surgir em casos de distúrbios de motilidade intestinal.

A gastrite biliar tende a ser crônica, difícil de tratar e resistente a medicamentos que reduzem a acidez, pois a bile, ao contrário do ácido, não responde aos inibidores de bomba de prótons.

Tabagismo

O cigarro afeta o estômago de várias formas: diminui o fluxo sanguíneo para a mucosa gástrica, dificultando a regeneração celular; reduz a produção de muco protetor; aumenta a secreção de ácido e, ainda por cima, favorece a colonização pelo Helicobacter pylori, tornando a mucosa mais vulnerável à inflamação e à formação de úlceras.

Fumantes também têm mais dificuldade na cicatrização de lesões gástricas e apresentam maior risco de complicações, como sangramentos ou perfuração (leitura sugerida: Doenças provocadas pelo cigarro).

Estresse físico intenso

Condições críticas que envolvem alto estresse metabólico e inflamatório — como grandes cirurgias, queimaduras extensas, traumas múltiplos, sepse ou ventilação mecânica prolongada — podem desencadear uma forma de gastrite aguda conhecida como gastrite de estresse.

Esse tipo de gastrite está relacionado à liberação de hormônios do estresse, redução do fluxo sanguíneo gástrico e aumento da secreção de ácido. Frequentemente, esses pacientes desenvolvem erosões hemorrágicas múltiplas na mucosa gástrica, que podem evoluir para sangramentos digestivos importantes se não forem prevenidos com medicamentos adequados.

Gastrite autoimune

A gastrite autoimune é uma condição em que o sistema imunológico ataca erroneamente as células parietais do estômago, responsáveis pela produção de ácido e do fator intrínseco — uma proteína essencial para a absorção da vitamina B12 no intestino (leitura sugerida: Doenças autoimunes: o que são, causas e sintomas).

Com o tempo, essa destruição leva à atrofia da mucosa gástrica, à deficiência de vitamina B12 e ao desenvolvimento de anemia perniciosa. Essa forma de gastrite está associada a um risco aumentado de câncer gástrico e deve ser monitorada com atenção.

Outros fatores que podem causar gastrite ou duodenite:

  • Infecções parasitárias: parasitas como Anisakis, Giardia lamblia ou Strongyloides podem, embora raramente, acometer a mucosa gástrica ou duodenal, provocando inflamação, dor e sintomas digestivos inespecíficos (leia: Parasitoses e exame parasitológico de fezes).
  • Insuficiência renal crônica: o acúmulo de toxinas no sangue pode afetar a integridade da mucosa gástrica, favorecendo inflamações e erosões (leia: Insuficiência renal crônica: sintomas e tratamento)
  • Radioterapia e quimioterapia: pacientes em tratamento oncológico podem desenvolver gastrite devido aos efeitos tóxicos desses métodos sobre o trato digestivo, especialmente quando há irradiação da região abdominal.
  • Intoxicações alimentares: alimentos contaminados por bactérias ou toxinas podem provocar irritação aguda da mucosa gástrica, levando a um quadro de gastrite transitória com náuseas, vômitos e dor abdominal.

Sintomas da gastrite e da duodenite

Os sintomas da gastrite e da duodenite costumam ser semelhantes e fazem parte de um quadro clínico conhecido como dispepsia, que corresponde a um conjunto de sintomas digestivos localizados na parte superior do abdômen.

Principais sintomas dispépticos:

  • Queimação estomacal (sensação de ardência na “boca do estômago”).
  • Dor epigástrica (na região central e superior do abdômen).
  • Azia (sensação de refluxo ácido subindo pelo esôfago).
  • Sensação de estômago cheio ou empanzinamento.
  • Náuseas e, ocasionalmente, vômitos.
  • Eructações frequentes (arrotos).
  • Perda de apetite em casos mais intensos.

Esses sintomas podem piorar após as refeições ou em momentos de estômago vazio, variando conforme o tipo e a localização da inflamação.

Intensidade dos sintomas ≠ gravidade da lesão

É importante entender que a intensidade dos sintomas não reflete necessariamente a gravidade da gastrite ou da duodenite. Um paciente pode sentir dores fortes mesmo com inflamações leves, enquanto outro pode ter gastrite erosiva importante sem manifestar grandes incômodos.

Além disso, algumas pessoas com gastrite ou duodenite podem ser assintomáticas, descobrindo a condição apenas ao realizar uma endoscopia por outro motivo.

Gastrite aguda x gastrite crônica

  • Gastrite aguda: geralmente surge de forma súbita, com sintomas intensos e de curta duração. Está frequentemente associada a consumo de álcool, intoxicações alimentares ou uso recente de anti-inflamatórios.
  • Gastrite crônica: desenvolve-se de maneira mais lenta e tende a ser persistente. Pode permanecer silenciosa por longos períodos e está geralmente ligada à infecção por Helicobacter pylori ou gastrite autoimune.

Falamos mais sobre os sintomas da gastrite e sobre a dispepsia nos artigos:

Dispepsia funcional

Em alguns casos, o paciente apresenta todos os sintomas típicos de gastrite — como dor ou queimação na parte superior do abdômen, empanzinamento, náuseas e arrotos —, mas ao realizar uma endoscopia digestiva alta, nenhuma lesão é encontrada no estômago ou duodeno.

Quando isso ocorre, o diagnóstico mais provável é o de dispepsia funcional.

O que é dispepsia funcional?

A dispepsia funcional é uma condição clínica caracterizada por sintomas persistentes de desconforto ou dor na parte superior do abdômen, sem que haja qualquer alteração estrutural identificável nos exames de imagem ou endoscopia. É, portanto, um diagnóstico de exclusão.

Estudos indicam que esse distúrbio pode estar relacionado a diversos fatores:

  • Alterações da motilidade gástrica (esvaziamento lento do estômago).
  • Hipersensibilidade gástrica ao ácido.
  • Disfunção da interação entre o sistema digestivo e o sistema nervoso central (eixo intestino-cérebro).
  • Fatores psicossociais, como ansiedade e estresse emocional.

Esses mecanismos explicam por que algumas pessoas apresentam sintomas digestivos marcantes mesmo sem apresentar inflamações visíveis.

Falamos mais sobre a dispepsia funcional no artigo: Dispepsia funcional (dor no estômago sem causa aparente).

“Gastrite nervosa” existe?

O termo popular “gastrite nervosa” é frequentemente utilizado para descrever casos de dispepsia funcional, especialmente quando os sintomas parecem piorar em situações de estresse, ansiedade ou tensão emocional.

No entanto, do ponto de vista médico, o estresse emocional isolado não provoca gastrite verdadeira, ou seja, não causa inflamação da mucosa gástrica detectável ao exame. O que ele pode causar é:

  • Agravamento dos sintomas dispépticos já existentes.
  • Retardo na cicatrização de lesões gástricas verdadeiras.
  • Desencadeamento de sintomas em pessoas com sensibilidade aumentada.

Portanto, embora o termo “gastrite nervosa” ainda seja muito usado pelo público, o diagnóstico técnico correto é dispepsia funcional com influência emocional.

Úlcera péptica

A úlcera péptica é uma lesão profunda que se forma na parede interna do estômago, duodeno ou, mais raramente, no esôfago, devido à ação agressiva do ácido gástrico e da enzima pepsina sobre a mucosa comprometida.

Diferente da gastrite ou da duodenite, que são inflamações superficiais, a úlcera representa uma erosão mais intensa, que penetra as camadas da mucosa e pode causar complicações como sangramentos, perfuração ou obstrução do trato digestivo.

Úlcera no estômago
Úlcera no estômago

Tipos de úlcera péptica

  • Úlcera gástrica: localizada no estômago. É mais comum em pessoas acima dos 60 anos e apresenta maior risco de complicações, inclusive por poder mimetizar ou coexistir com o câncer gástrico.
  • Úlcera duodenal: localizada no duodeno (parte inicial do intestino delgado). É o tipo mais comum, principalmente em adultos entre 30 e 50 anos, e costuma estar fortemente associada à infecção por Helicobacter pylori.
  • Úlcera esofágica (menos comum): pode ocorrer em casos de refluxo gastroesofágico grave, em pessoas com hérnia de hiato ou em uso prolongado de certos medicamentos.

Causas mais comuns

As duas principais causas da úlcera péptica são:

  • Infecção pelo Helicobacter pylori: Como já referido, essa bactéria danifica a barreira protetora da mucosa gástrica e desencadeia inflamação crônica, facilitando a ação corrosiva do suco gástrico sobre os tecidos. Está presente em até 90% dos casos de úlcera duodenal.
  • Uso frequente de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): inibem a produção de prostaglandinas, que são fundamentais para manter a integridade da mucosa gástrica. O uso prolongado, principalmente sem proteção gástrica, é uma causa importante de úlceras, especialmente em idosos.

Outros fatores que aumentam o risco de úlceras:

  • Uso de corticosteroides (especialmente quando combinados com AINEs).
  • Tabagismo.
  • Consumo excessivo de álcool.
  • Estresse físico severo (como em pacientes internados em UTI)

E os anti-inflamatórios mais modernos?

Os AINEs inibidores seletivos da COX-2 (como o celecoxibe e o etoricoxibe) são menos agressivos ao trato gastrointestinal do que os anti-inflamatórios tradicionais. No entanto, ainda podem dificultar a cicatrização de úlceras já existentes, e o risco de sangramento não é completamente eliminado, especialmente em pacientes com fatores de risco adicionais.

A úlcera péptica é perigosa?

Sim. A úlcera péptica pode levar a complicações graves se não for tratada adequadamente:

  • Sangramento digestivo: a úlcera pode romper vasos sanguíneos, causando vômitos com sangue (hematêmese) ou fezes escurecidas com odor fétido (melena). Em casos mais discretos, o sangramento crônico leva à anemia ferropriva (anemia por carência de ferro).
  • Perfuração da parede gástrica ou duodenal: é uma emergência médica que pode causar peritonite, com dor abdominal intensa e sinais de infecção generalizada.
  • Estenose (estreitamento) do canal pilórico: pode ocorrer após repetidas inflamações e cicatrizações, dificultando a passagem do alimento do estômago para o intestino.

Sintomas da úlcera péptica

Nem todas as pessoas com úlcera péptica apresentam sintomas. Estima-se que até 70% das úlceras sejam silenciosas, especialmente em idosos ou em pacientes que usam medicamentos que mascaram os sintomas, como os inibidores da bomba de prótons (IBPs) ou analgésicos.

Quando os sintomas estão presentes, eles podem ser muito semelhantes aos da gastrite, o que dificulta a diferenciação sem exames específicos.

Sintomas mais comuns da úlcera péptica:

  • Dor ou queimação no estômago (região epigástrica). É o sintoma mais frequente. A dor geralmente surge entre 1 e 3 horas após as refeições ou durante a madrugada (dor “em vigília”). A ingestão de alimentos ou de antiácidos pode aliviar temporariamente o desconforto.
  • Sensação de estômago vazio ou fome dolorosa. O paciente pode relatar que sente fome com dor, mesmo após ter se alimentado recentemente.
  • Náuseas e, por vezes, vômitos.
  • Empanzinamento (sensação de estômago cheio ou distendido).
  • Perda de apetite e emagrecimento progressivo, em casos mais graves.
  • Arrotos frequentes e gosto amargo na boca.

Quando suspeitar de complicações?

Alguns sinais e sintomas devem servir de alerta para possíveis complicações da úlcera, como sangramentos ou perfuração:

  • Vômitos com sangue (hematêmese) ou aspecto de borra de café.
  • Fezes escurecidas e com odor forte (esse tipo de fezes é chamada de melena).
  • Dor abdominal súbita e intensa, com rigidez na barriga – pode indicar perfuração da parede do estômago ou duodeno.
  • Tontura, palidez, fraqueza e suor frio, sugerindo anemia ou sangramento ativo.

Essas manifestações sugerem hemorragia digestiva e exigem atendimento médico imediato, pois podem indicar risco de vida.

Para saber mais sobre os sintomas da úlcera péptica, leia: Sintomas da úlcera péptica (estômago e duodeno).

Úlcera péptica e risco de câncer

Uma dúvida comum entre pacientes com úlcera gástrica é se a lesão pode evoluir para um câncer. A resposta direta é: úlcera péptica não vira câncer. No entanto, existe uma importante ressalva.

Úlcera e câncer podem ter aparência semelhante

Alguns tumores malignos do estômago, especialmente os adenocarcinomas gástricos, podem se apresentar na endoscopia como uma lesão ulcerada — ou seja, um câncer pode parecer uma úlcera.

Por isso, toda úlcera gástrica identificada durante a endoscopia deve ser cuidadosamente avaliada e, na maioria das vezes, biopsiada, para confirmar que não se trata de uma neoplasia maligna disfarçada de úlcera.

Úlceras gástricas merecem mais atenção

Enquanto as úlceras duodenais raramente estão associadas ao câncer, as úlceras gástricas, principalmente as localizadas na pequena curvatura do estômago (região mais próxima do esôfago), têm maior chance de representar um tumor ou de coexistir com lesões pré-malignas.

Além disso, a infecção crônica pelo Helicobacter pylori, principal causa das úlceras gástricas, está fortemente associada ao risco aumentado de câncer gástrico a longo prazo, especialmente em casos de gastrite atrófica e metaplasia intestinal.

Quando o risco de câncer é maior?

  • Úlcera gástrica em pacientes acima de 50–60 anos.
  • Presença de perda de peso inexplicada.
  • Anemia sem causa definida.
  • Vômitos frequentes ou com sangue.
  • História familiar de câncer gástrico.
  • Úlceras refratárias ao tratamento.

Nessas situações, o médico pode solicitar múltiplas biópsias da lesão e realizar acompanhamento endoscópico mais rigoroso.

Diagnóstico da gastrite e da úlcera péptica

O principal exame utilizado para diagnosticar tanto a gastrite quanto a úlcera péptica é a endoscopia digestiva alta (EDA), também chamada de esofagogastroduodenoscopia.

Durante o procedimento, um tubo fino e flexível com uma câmera na ponta (endoscópio) é introduzido pela boca até o estômago e duodeno, permitindo visualizar diretamente a mucosa desses órgãos. O exame é rápido, geralmente realizado com sedação leve e com poucos riscos.

O que a endoscopia pode identificar?

  • Gastrite leve, moderada ou erosiva.
  • Úlceras gástricas ou duodenais.
  • Refluxo gastroesofágico.
  • Presença de lesões suspeitas (como câncer).
  • Sinais de sangramento ativo.
  • Atrofia da mucosa ou metaplasia intestinal (alterações pré-cancerosas).

Além da visualização, o médico pode realizar biópsias — pequenas amostras de tecido retiradas com pinças especiais — para avaliar alterações microscópicas e testar a presença do Helicobacter pylori.

Pesquisa do Helicobacter pylori

A presença da bactéria H. pylori é um achado importante na endoscopia. Sua detecção pode ser feita por diferentes métodos:

  • Teste da urease (realizado na própria amostra da biópsia).
  • Exame histológico (análise da mucosa ao microscópio).
  • Pesquisa de antígenos nas fezes.
  • Teste respiratório com ureia marcada (exame do ar expirado).

Embora muitos médicos solicitem a pesquisa de H. pylori apenas em pacientes com úlceras, as diretrizes mais recentes recomendam investigar e tratar a infecção mesmo em casos de dispepsia funcional persistente, especialmente em pacientes com menos de 60 anos e sem sinais de alarme.

Termos comuns nos laudos de endoscopia

Os laudos endoscópicos costumam conter termos técnicos que podem gerar dúvidas. Abaixo estão alguns exemplos comuns e seus significados:

  • Gastrite antral (ou de antro): inflamação na porção final do estômago, chamada de antro.
  • Gastrite enantematosa: presença de áreas avermelhadas e inflamadas na mucosa, indicativas de irritação.
  • Pangastrite: inflamação difusa, que acomete todo o estômago.
  • Gastrite erosiva: forma mais grave, com erosões superficiais visíveis. Embora ainda não seja uma úlcera, indica um estágio mais avançado de lesão.
  • Lesão ulcerada: refere-se a uma úlcera verdadeira — uma ferida profunda na parede gástrica ou duodenal.
Anatomia do estomago
Regiões do estômago

Quando a endoscopia é indicada?

A endoscopia digestiva alta é recomendada nas seguintes situações:

  • Presença de sintomas dispépticos persistentes (há mais de 4 semanas).
  • Falha no tratamento com antiácidos ou IBPs.
  • Sinais de alarme: emagrecimento, anemia, vômitos recorrentes, sangramento digestivo.
  • Idade acima de 45–50 anos com sintomas novos.
  • História familiar de câncer gástrico.
  • Reavaliação de úlcera gástrica após o tratamento.

Tratamento da gastrite e da úlcera péptica

O tratamento da gastrite e da úlcera péptica tem como objetivo principal reduzir a acidez gástrica, proteger a mucosa do estômago e do duodeno e, quando necessário, eliminar a bactéria Helicobacter pylori.

O plano terapêutico pode variar conforme o diagnóstico (gastrite, duodenite ou úlcera), a causa identificada (uso de medicamentos, infecção, álcool, etc.) e a gravidade do quadro.

1. Supressão da acidez gástrica

A base do tratamento é o uso de medicamentos que reduzem ou neutralizam o ácido produzido no estômago. As principais classes são:

Inibidores da bomba de prótons (IBPs)

São os medicamentos mais eficazes e amplamente utilizados no tratamento de gastrites e úlceras.

Exemplos: omeprazol, pantoprazol, esomeprazol, lansoprazol, rabeprazol.

  • Reduzem drasticamente a produção de ácido gástrico.
  • Promovem cicatrização mais rápida das lesões.
  • Devem ser tomados preferencialmente em jejum, pela manhã.
  • A duração mínima do tratamento é de 4 a 8 semanas, podendo ser prolongada em casos crônicos.

Nota: o uso prolongado de IBPs deve ser avaliado pelo médico, pois pode estar associado a efeitos adversos, como deficiência de vitamina B12, hipomagnesemia, osteoporose, lesão renal e maior risco de infecções intestinais.

Antiácidos e protetores de mucosa

Oferecem alívio sintomático mais rápido, mas não promovem a cicatrização completa das lesões.

Exemplos: hidróxido de alumínio, sucralfato, bicarbonato de sódio.

Antagonistas dos receptores H2 da histamina

Já foram muito usados (ex: ranitidina, famotidina), mas atualmente são menos prescritos devido à menor eficácia em comparação com os IBPs e a retirada da ranitidina do mercado em muitos países por questões de segurança.

2. Erradicação do Helicobacter pylori

Quando a infecção por H. pylori é confirmada, o tratamento erradicador é essencial — especialmente em casos de úlcera péptica ou gastrite crônica ativa.

A terapia padrão consiste em tríplice ou quádrupla combinação de medicamentos por 10 a 14 dias, incluindo:

  • Um IBP (ex: omeprazol).
  • Dois antibióticos (geralmente claritromicina + amoxicilina ou metronidazol).
  • Em alguns casos, subsalicilato de bismuto.

Devido ao aumento da resistência bacteriana, esquemas alternativos ou quádruplos têm sido cada vez mais utilizados com maior taxa de sucesso. A escolha do protocolo depende de fatores como histórico de uso de antibióticos, prevalência local de resistência e alergias.

Para saber mais: Helicobacter pylori – Causas, sintomas e tratamento.

3. Mudanças no estilo de vida

Além da medicação, é fundamental eliminar os fatores que agridem a mucosa gástrica, como:

  • Suspender o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) sempre que possível, ou usar com proteção gástrica sob orientação médica.
  • Parar de fumar: o tabagismo atrasa a cicatrização e aumenta o risco de recorrência.
  • Evitar bebidas alcoólicas, especialmente durante a fase ativa da inflamação ou ulceração.
  • Fazer refeições leves e frequentes, evitando grandes volumes de alimentos e jejum prolongado.
  • Reduzir alimentos irritantes, como café, frituras, chocolate, alimentos muito ácidos ou picantes, dependendo da tolerância individual.
  • Gerenciar o estresse, que pode piorar os sintomas, principalmente nos casos de dispepsia funcional.

4. Acompanhamento e reavaliação

  • Nos casos de úlcera gástrica, é comum a recomendação de uma nova endoscopia após o tratamento, para confirmar a cicatrização e excluir malignidade.
  • Pacientes com H. pylori devem realizar teste de controle de erradicação algumas semanas após o término da terapia, utilizando teste respiratório ou exame de fezes.
  • Gastrites autoimunes devem ser acompanhadas com dosagem de vitamina B12, hemograma e, em alguns casos, endoscopias periódicas.

Referências


Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.


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