Demência vascular: o que é, sintomas, causas e tratamentos

Dr. Pedro Pinheiro

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Demência vascular

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O que é demência?

A demência é uma síndrome caracterizada pelo declínio contínuo das capacidades cognitivas, afetando memória, raciocínio, linguagem e competências sociais, prejudicando significativamente as atividades cotidianas do indivíduo.

A demência não é uma doença em si, mas um termo geral que engloba uma variedade de sintomas neurológicos associados a diversas doenças neurodegenerativas, tais como:

As cinco primeiras doenças da lista são responsáveis por mais de 90% dos casos diagnosticados de demência.

Globalmente, aproximadamente 50 milhões de pessoas são afetadas pela demência, representando uma das principais razões para incapacidade e dependência na população idosa. Na faixa etária acima dos 60 anos, cerca de 5% atendem aos critérios para diagnóstico da doença. A partir dos 85 anos, até 50% das pessoas apresentam algum grau de demência.

No entanto, a demência não deve ser vista como um componente normal do processo de envelhecimento. É totalmente possível alcançar os 90 anos, ou mais, sem exibir sinais da doença.

Explicamos a demência de forma mais geral no artigo: Demência: causas, sintomas e tratamento.

Neste artigo, focaremos na demência vascular, a segunda causa mais comum de demência, ficando atrás apenas da Doença de Alzheimer.

O que é a demência vascular?

A demência vascular é uma forma de demência que ocorre como resultado de danos aos vasos sanguíneos que fornecem sangue ao cérebro ou por redução do fluxo sanguíneo ao cérebro.

Em geral, é uma doença provocada por doença cerebrovascular, mais frequentemente por acidente vascular cerebral (AVC), conhecido popularmente como derrame cerebral.

A perda cognitiva ocorre quando há um ou múltiplos danos na vascularização cerebral que levam à redução ou bloqueio do fluxo sanguíneo, privando as células cerebrais de nutrientes e oxigênio necessários, o que pode resultar em dano ou morte celular.

A demência vascular é normalmente reconhecida em um de dois cenários clínicos:

  • Quando o paciente desenvolve demência logo após um acidente vascular cerebral diagnosticado clinicamente.
  • Paciente sem história clínica de AVC, mas que apresenta sinais de demência e exames de imagem do cérebro, como ressonância magnética ou tomografia computadorizada, apontando uma ou mais lesões vasculares cerebrais, as quais o médico neurologista considera suficientes para causar demência vascular.

Como surge a demência vascular?

Podemos classificar a demência vascular conforme o mecanismo da lesão cerebrovascular:

  • Demência por múltiplos infartos: também conhecida como demência multi-infarto, é um subtipo de demência vascular. Essa condição ocorre quando o paciente apresenta história de vários AVC, alguns deles pequenos e silenciosos, levando à morte de células cerebrais devido à falta de fluxo sanguíneo e de oxigênio. Os múltiplos infartos cerebrais têm efeito cumulativo, podem ocorrer em diferentes momentos e em áreas distintas do cérebro, afetando várias funções cognitivas.
  • Demência por infarto único em posição estratégica: é um subtipo de demência vascular que ocorre quando um único AVC acontece em uma área do cérebro crucial para funções como memória, linguagem ou cognição. Um único infarto em uma localização estratégica pode levar a sintomas significativos de demência devido ao impacto nas áreas cerebrais vitais para as funções mentais.
  • Demência por doença dos pequenos vasos: refere-se a uma condição na qual há uma diminuição difusa do fluxo sanguíneo através dos pequenos vasos (arteríolas) do cérebro, levando a danos cerebrais progressivos e subsequentes problemas de cognição. Ocorre mais comumente em pacientes com doenças que a longo prazo causam lesão nos pequenos vasos sanguíneos, tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial, colesterol alto e tabagismo.
  • Demência por hipoperfusão: é uma condição na qual há um comprometimento das funções cognitivas devido a uma redução prolongada do fluxo sanguíneo cerebral, como nos casos de insuficiência cardíaca grave, arritmias cardíacas, anemia grave, hipotensão arterial ou parada cardiorrespiratória com longo tempo de reanimação.
  • Demência hemorrágica: é um subtipo tipo de demência vascular que ocorre como resultado de hemorragias cerebrais, as quais podem ser causadas por várias condições, como acidente vascular cerebral hemorrágico, hematoma subdural, ou hemorragia subaracnoidea.

É importante ressaltar que é comum haver coexistência de mais de um desses mecanismos na patogênese da demência vascular, especialmente em pacientes com múltiplos fatores de risco para doença cardiovascular.

Também é importante dizer que, frequentemente, o paciente pode apresentar múltiplas formas de demência concomitantemente à demência vascular, como a coexistência entre a Doença de Alzheimer e a demência vascular.

A doença vascular é uma causa ou um fator contribuinte em 25% a 50% dos casos de demência. No entanto, estudos clinico-patológicos indicam que a demência vascular pura é relativamente incomum, sendo responsável por apenas 10% de todos os casos de demência. A demência de etiologia múltipla com um componente vascular, na maioria das vezes em combinação com a Doença de Alzheimer, é a forma mais comum e representa cerca de 30 a 40% de todos os casos de demência.

Fatores de risco

Como o AVC é a principal causa de demência vascular, os seus fatores de risco também são relevantes para demência vascular. São eles:

Sintomas

Diferentes formas de demência podem apresentar sinais e sintomas distintos. Da mesma forma, dois pacientes com o mesmo tipo de demência também podem ter quadros clínicos bem diferentes.

Existem duas síndromes principais de demência vascular: a demência pós-AVC e a demência vascular sem AVC recente.

Antes de falarmos especicamente sobre os sintomas da demência vascular, vale a pena relembrar os sintomas gerais que podem ocorrer em qualquer forma de demência: São eles.

  • Alterações cognitivas
    • Perda de memória.
    • Dificuldade de se comunicar ou encontrar palavras.
    • Perda da orientação no espaço, fazendo com que o paciente se perca mesmo em locais conhecidos.
    • Perda da orientação no tempo, fazendo com que o paciente não saiba em que dia, mês ou ano se encontra.
    • Dificuldade de raciocínio ou para solucionar de problemas.
    • Dificuldade em lidar com tarefas complexas.
    • Dificuldade em planejar e organizar.
    • Confusão e desorientação.
  • Alterações psicológicas
    • Mudanças de personalidade.
    • Depressão.
    • Ansiedade.
    • Comportamento inapropriado.
    • Paranoia.
    • Agitação.
    • Alucinações.
  • Alterações motoras
    • Perda da coordenação motora.
    • Dificuldade para realizar tarefas habituais, como comer, vestir-se ou tomar banho sozinho.
    • Incontinência urinária ou fecal.

Sintomas da demência pós-AVC

Pacientes que desenvolvem demência após um AVC costumam ter um declínio cognitivo gradual e progressivo. A ligação entre o acidente vascular cerebral e o início do comprometimento cognitivo é, por norma, relativamente clara na maioria dos casos. Aproximadamente 10% dos pacientes desenvolvem demência de um a quatro anos após um episódio de AVC.

O perfil cognitivo da demência pós-AVC é geralmente marcado por um comprometimento proeminente das funções executivas, às vezes com relativa preservação da memória. Entre as funções executivas comprometidas podemos citar: julgamento inadequado, desorganização, comportamento socialmente inapropriado, dificuldade de fazer planos para um evento no final do dia e incapacidade de entender como seu comportamento ou suas escolhas afetam as pessoas ao seu redor.

O declínio cognitivo pode vir acompanhado por outros sinais de AVC, incluindo afasia (perda parcial ou total da capacidade de expressar ou compreender a linguagem falada ou escrita), apraxia (disfunção cerebral que faz com que o paciente seja incapaz de realizar certos movimentos por vontade própria e não consiga seguir certas sequências de movimento) e paresia (fraqueza muscular de uma ou mais regiões do corpo).

Entretanto, há uma grande variação interindividual nos sintomas, que estão diretamente ligados à localização e o tamanho do AVC. Por exemplo, um AVC na região do tálamo anterior pode causar comprometimento isolado da memória com preservação de outros domínios.

Já o paciente com demência multi-infarto costuma ter danos em várias regiões cerebrais, que mesmo sendo pequenos, apresentam efeito cumulativo de interromper a função cerebral, resultando em comprometimento cognitivo clinicamente significativo.

O comprometimento cognitivo pode melhorar como parte do processo de recuperação do AVC. Após a fase aguda do AVC, o declínio cognitivo pode estabilizar e não mais progredir, especialmente se não houver novos AVC.

Sintomas da demência vascular sem AVC recente

A demência vascular também pode se manifestar como um declínio cognitivo gradual sem um histórico de AVC sintomático, mas com evidência de imagem de doença cerebrovascular não reconhecida clinicamente. Ou seja, o paciente nunca teve um AVC clinicamente indetificado, mas quando faz exames de imagem do cérebro, conseguimos detectar uma ou mais lesões de AVC antigos.

Embora seja frequentemente chamada de “AVC silencioso”, essa forma de doença cerebrovascular costuma estar associada a um desempenho cognitivo inferior e a um risco elevado de demência.

O perfil cognitivo da doença arteriolosclerótica de pequenos vasos cerebrais é caracterizado pelo comprometimento proeminente da função executiva e da velocidade de processamento das informações. No entanto, o comprometimento não é exclusivo desses domínios, e podem ocorrer comprometimentos mais globais na memória e em outras funções cerebrais.

Em comparação com os pacientes com Alzheimer, os indivíduos com comprometimento cognitivo vascular tendem a ter, em média, melhor desempenho nas áreas de aprendizado e recordação verbal, porém com pior função executiva.

O comprometimento cognitivo pode progredir de forma escalonada, com uma série de declínios graduais, sugerindo sequenciais acidentes vasculares cerebrais não reconhecidos, ou pode ser bem suave e progressivo, imitando o curso de uma doença neurodegenerativa.

A demência vascular provocada por doença arteriolosclerótica de pequenos vasos cerebrais costuma ser chamada de doença de Binswanger ou demência vascular isquêmica subcortical.

Sinais neuropsiquiátricos e motores

A demência vascular também pode vir acompanhada de sinais neuropsiquiátricos, como depressão, abulia, apatia e psicose com delírios ou alucinações. Os pacientes podem apresentar riso ou choro patológicos, um fenômeno conhecido como efeito pseudobulbar.

A lentidão da marcha é comum em pacientes com doença cerebral de pequenos vasos e pode levar a uma síndrome descrita como parkinsonismo da parte inferior do corpo. Também pode ser observado um aumento da frequência urinária.

Diagnóstico da demência vascular

Não existe um teste ou exame que sozinho seja capaz de fazer o diagnóstico da demência. Para diagnosticar um quadro de demência e identificar o tipo, o médico utiliza o exame físico e a história clínica do paciente, além das impressões dos familiares.

Existem testes cognitivos padronizados para avaliar o grau de dificuldade da pessoa frente a diferentes tipos de problemas.

No caso específico da demência vascular, o histórico anterior de AVC deve ser investigado, bem como o momento em que o mesmo ocorreu em relação ao início dos sintomas cognitivos.

O escore isquêmico de Hachinski usa informações do histórico médico, do curso cognitivo, dos sintomas psiquiátricos e do exame neurológico para prever a probabilidade de um quadro de demência ter origem vascular. Se presentes, cada uma das características listadas a seguir recebe dois pontos:

  • Início abrupto da perda cognitiva.
  • Curso flutuante, com períodos de melhoria e agravamentos.
  • Histórico de AVC confirmado clinicamente ou por exames de imagem.
  • Sintomas neurológicos típicos de AVC

Se presentes, cada uma das características listadas a seguir recebe um ponto:

  • Deterioração gradual das funções cognitvas.
  • Confusão noturna.
  • Preservação da personalidade.
  • Depressão.
  • Queixas somáticas (desconforto ou dor física que não têm uma causa médica clara identificável após avaliação adequada).
  • Incontinência emocional (episódios de riso ou choro repentinos, incontroláveis e inadequados, que podem ser desproporcionais ou não ter relação com o contexto emocional ou o humor).
  • Hipertensão arterial.
  • Aterosclerose documentada.

Uma pontuação de 7 ou mais indica que é provável uma contribuição vascular. Esse escore foi validado com base em dados de autópsia e discrimina com precisão a demência vascular pura ou mista da demência por doença de Alzheimer pura.

Tratamento

Até o momento, não existem medicamentos específicos para tratar os sintomas da demência vascular, mas há evidências de estudos clínicos de que os fármacos aprovados para tratar os sintomas da Doença de Alzheimer possam oferecer algum benefício em pessoas com demência vascular.

Uma recente revisão da Cochrane sobre estudos de demência vascular concluiu que o tratamento com donepezil oferece o melhor benefício para a melhora cognitiva na demência vascular pura, enquanto a galantamina parece ser o melhor para a demência mista. Benefícios da rivastigmina e da memantina não foram comprovados nessa forma de demência.

O tratamento da demência vascular também deve ter como objetivo evitar o agravamento do quadro, reduzindo o risco de novos eventos vasculares cerebrais. Isso inclui controle dos fatores de risco, tais como, hipertensão, colesterol elevado, tabagismo e diabetes mellitus.

Se os fatores de risco não forem agressivamente controlados, a tendência é de que o paciente evoulua com uma forma progressiva de demência, apresentando quedas agudas da cognição sempre que novos episódios de lesão cerebral forem surgindo.

Prevenção da demência vascular

A prevenção da demência vascular passa diretamente pelo controle dos fatores de risco, tanto na prevenção primária (para quem ainda não tem demência vascular) como para prevenção secundária (para quem já tem demência vascular, mas deseja impedir seu agravamento).

Algumas medidas importantes são:

  • Alimentar-se de forma saudável, evitando excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas e trans.
  • Ser fisicamente ativo. Não é preciso fazer nenhuma ativade intensa, andar por pelo menos 30 minutos, 3 vezes por semana, já melhora muito.
  • Manter um peso saudável e perder peso, se necessário.
  • Não fumar.
  • Eliminar ou ao menos reduzir bastante o consumo de álcool.
  • Controlar a pressão arterial.
  • Controlar os níveis de colesterol.
  • Controlar os níveis de açúcar no sangue (se você tiver diabetes).

Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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