Leishmaniose: sintomas, transmissão e tratamento

A leishmaniose é uma doença infecciosa causada pelo protozoário Leishmania, transmitida pela picada do mosquito-palha. Pode afetar pele, mucosas ou órgãos internos, com manifestações que variam de úlceras cutâneas a comprometimento visceral grave.
Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

26 Comentários

Leishmaniose

Tempo de leitura estimado do artigo: 3 minutos

O que é leishmaniose?

A leishmaniose é um conjunto de doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania, parasitas encontrados em quase todos os continentes, exceto Austrália e Antártica. Até o momento, foram identificadas mais de 20 espécies de Leishmania, cada qual associada a diferentes manifestações clínicas da doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a leishmaniose como uma das seis doenças infecciosas mais importantes do mundo. Cerca de 2 milhões de novos casos são registrados anualmente. Apesar de sua relevância, a leishmaniose é considerada uma doença negligenciada, pois afeta principalmente populações de baixa renda, com acesso limitado a recursos médicos e baixo potencial de gerar lucro para a indústria farmacêutica.

No Brasil, a leishmaniose está presente em todos os estados e representa um desafio contínuo para o sistema de saúde pública.

Transmissão

A transmissão da leishmaniose ocorre pela picada de insetos chamados flebotomíneos, pertencentes ao gênero Lutzomyia, popularmente conhecidos como mosquito-palha, tatuquira, birigui, entre outros nomes regionais. Apesar de sua semelhança com os mosquitos comuns, pertencem a uma família distinta e são pequenos o suficiente para atravessar as malhas de mosquiteiros e telas.

A tabela abaixo resume as principais diferenças entre o mosquito comum e o Lutzomyia longipalpis, transmissor da leishmaniose.

CaracterísticasLutzomyiaMosquito Comum
Aparência físicaPequeno (2 a 3 mm).
Corpo com pelos.
Asas abertas em forma de “V”.
Voo silencioso.
Maior (5 a 10 mm).
Corpo liso e brilhante.
Asas paralelas ao corpo.
Voo com zumbido.
Comportamento de vooVoo curto, errático e saltitante.Voo mais estável e de maior alcance (até 2 km).
Hábitos alimentaresPrefere animais silvestres, humanos e cães.
Pica geralmente à noite.
Picadas quase imperceptíveis.
Prefere humanos e outros animais.
Picadas perceptíveis e irritantes.
HabitatÁreas rurais e florestais.
Locais úmidos, como troncos, folhas e buracos.
Ambientes urbanos.
Áreas com água parada para reprodução.
Capacidade de atravessar barreirasPequeno o suficiente para atravessar telas e mosquiteiros.Maior e tem dificuldade de atravessar mosquiteiros convencionais.
Lutzomyia longipalpis, transmissor da leishmaniose.
Lutzomyia longipalpis, transmissor da leishmaniose.

O Lutzomyia longipalpis só transmite o parasita após picar um animal infectado. A leishmaniose é uma zoonose, e as principais fontes de infecção são animais silvestres, mas cães domésticos também podem ser hospedeiros. Humanos são contaminados ao frequentar áreas endêmicas, seja como turistas ou residentes. Após a picada, o parasita pode causar diferentes manifestações clínicas, dependendo da espécie envolvida e da resposta do hospedeiro.

Não há transmissão direta de pessoa para pessoa. A leishmaniose é uma zoonose. O mosquito só transmite a leishmania se tiver picado um animal infectado.

Classificação

Quando o ser humano é picado pelo inseto que carrega a leishmania, ele pode desenvolver dois tipos de doença:

  • Leishmaniose tegumentar, que afeta pele e mucosas.
  • Leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, que afeta órgãos internos.

O que define se o paciente terá a forma cutânea ou a forma visceral é o tipo de leishmania que o contamina.

Leishmaniose tegumentar (cutânea e mucosa)

A forma tegumentar é mais prevalente no Brasil e em outros países como Afeganistão, Irã, Peru e Arábia Saudita. Após a picada do mosquito, o parasita se instala na pele, provocando lesões características.

Existem quatro subtipos de leishmaniose tegumentar:

Leishmaniose cutânea localizada

A Leishmaniose cutânea localizada caracteriza-se pelo surgimento de uma úlcera indolor, geralmente arredondada ou ovalada, com bordas elevadas, em áreas expostas do corpo. As lesões podem variar de poucos milímetros a vários centímetros e tendem a cicatrizar espontaneamente em semanas ou meses. Em alguns casos, podem ocorrer múltiplas lesões (até 20) simultâneas. Essa forma habitualmente responde bem ao tratamento.

Úlceras da leishmaniose
Úlceras da leishmaniose

Leishmaniose cutânea disseminada

A leishmaniose cutânea disseminada é a forma mais rara, ocorrendo em cerca de 2% dos casos. É caracterizada por múltiplas lesões papulares e acneiformes (semelhantes à acne) espalhadas pelo corpo, que podem chegar a centenas, incluindo face e tronco. Inicialmente, surgem lesões semelhantes às da forma localizada; posteriormente, ocorre a disseminação do parasita pelo sangue, resultando em lesões distantes da área da picada em poucos dias. Com frequência, há sintomas sistêmicos como febre, dores musculares, mal-estar e emagrecimento.

No Brasil, esta forma é normalmente causada pelas espécies leishmania amazonensis e leishmania braziliensis.

Apesar da gravidade aparente, responde bem ao tratamento.

Leishmaniose cutânea difusa

A leishmaniose cutânea difusa é a forma crônica e grave, resultante da incapacidade do sistema imunológico de controlar a proliferação do parasita no corpo. Não há úlceras, as lesões são nodulares ou em placas, cobrindo grandes áreas do corpo e frequentemente causando deformidades.

Essa forma responde mal ao tratamento e apresenta altas concentrações de parasitos nas lesões.

No Brasil, essa forma de leishmaniose é causada pela espécie leishmania amazonensis.

Leishmaniose mucosa (ou muco-cutânea)

A leishmaniose mucosa surge em 3 a 5% dos casos e afeta principalmente as mucosas do nariz, boca e vias aéreas superiores. Costuma ser indolor. É caracterizada por resposta imunológica exacerbada e ineficaz, com destruição dos tecidos onde se localiza a infecção e má resposta ao tratamento.

Pode causar destruição tecidual significativa e geralmente ocorre após a cicatrização de uma lesão cutânea (espontânea ou após tratamento ineficaz), embora também possa surgir isoladamente. A resposta ao tratamento pode ser insatisfatória.

Leishmaniose visceral (calazar)

A leishmaniose visceral é a forma sistêmica da doença, causada no Brasil pela Leishmania chagasi. Com um período de incubação que varia de 2 a 6 meses, ela apresenta ampla diversidade clínica, podendo ser assintomática ou grave. As formas graves apresentam taxa de mortalidade 90% se não forem adequadamente tratadas.

O calazar caracteriza-se pelo acometimento de órgãos internos pela Leishmania e, diferentemente das formas tegumentares, que afetam apenas a pele e mucosas, compromete múltiplos sistemas e órgãos, podendo levar a manifestações graves e potencialmente fatais.

Nos casos iniciais, os sintomas incluem:

  • Febre prolongada.
  • Anemia.
  • Aumento do baço (esplenomegalia) e do fígado (hepatomegalia).

Na ausência de tratamento, a doença pode evoluir, causando:

  • Perda de peso significativa.
  • Alterações hematológicas, como redução de plaquetas e leucócitos.
  • Infecções bacterianas secundárias.
  • Hemorragias.
  • Comprometimento de órgãos como fígado e rins.

Os casos graves podem levar o paciente ao óbito se não diagnosticados e tratados precocemente.

Diagnóstico

O diagnóstico depende da forma clínica. Na leishmaniose tegumentar, o aspecto das lesões e o histórico epidemiológico são fundamentais, mas o diagnóstico definitivo é feito pela confirmação do parasita em biópsias ou esfregaços. Na leishmaniose visceral, o parasita pode ser identificado em amostras de medula óssea, fígado ou baço.

Outros métodos incluem:

  • Intradermoreação de Montenegro.
  • Testes sorológicos (RIFI, ELISA)

Intradermoreação de Montenegro

Teste realizado com injeção intradérmica de antígenos (proteínas) de leishmania. Caso o doente já tenha entrado em contato com o parasita (está infectado ou já esteve), ocorre uma reação inflamatória no local da injeção. Pode, portanto, ser positivo após tratamento bem-sucedido e negativo na forma cutânea difusa, uma vez que depende da resposta imunológica do indivíduo. Nos casos de calazar, o teste é negativo, tornando-se positivo somente após a cura clínica.

Diagnóstico imunológico:

Utiliza-se a imunofluorescência indireta (RIFI) e o ELISA. Estes testes detectam os anticorpos anti-leishmania circulantes no sangue de pessoas que já entraram em contato com o parasito. Por isso, não devem ser utilizados como critério isolado para diagnóstico na ausência de outros dados clínicos e laboratoriais.

Tratamento

Os antimoniais pentavalentes são o tratamento de primeira escolha, administrados por via intramuscular ou intravenosa por pelo menos 20 dias. Outras opções terapêuticas incluem anfotericina B, pentamidina e paromomicina, especialmente em casos graves ou refratários.

Os antimoniais podem causar efeitos colaterais graves, como arritmias cardíacas, sendo contraindicados em gestantes no início da gravidez e em pacientes com insuficiência hepática ou renal.

No Brasil, estão sendo desenvolvidas vacinas contra a leishmaniose, com estudos em fases avançadas, representando uma esperança para o controle da doença no futuro.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

Saiba mais

Artigos semelhantes

Ficou com alguma dúvida?

Comentários e perguntas

Deixe um comentário