O que significa ter a carótida obstruída?
As artérias carótidas são os principais vasos sanguíneos no pescoço, sendo responsáveis pelo fornecimento de sangue para o cérebro, pescoço e face. Existem duas artérias carótidas, uma à direita e outra à esquerda.
A estenose de uma ou ambas as artérias carótidas ocorre quando o interior do vaso torna-se estreito ou obstruído, reduzindo de forma relevante o fluxo de sangue em direção ao cérebro. A obstrução da carótida, seja ela parcial ou completa, é um importante fator de risco para acidente vascular cerebral (AVC), chamado popularmente de derrame cerebral. Até 20% dos AVC tem origem na carótida.
O grau de obstrução da carótida é habitualmente classificado de acordo com percentual de obstrução do lúmen da artéria, ou seja, da parte interna da artéria por onde efetivamente passa o fluxo sanguíneo:
- Leve: obstrução de menos de 50% do lúmen.
- Moderado: obstrução de mais de 50% e menos de 70% do lúmen.
- Grave: obstrução de mais de 70% do lúmen.
Obstruções menores que 50% não são clinicamente relevantes.
Cerca de 2 a 5% das mulheres e 2 a 8% dos homens com mais de 60 anos apresentam obstrução da carótida em grau moderado ou grave. Quanto mais grave for a obstrução da carótida, maior é o risco de AVC.
O que são as artérias carótidas?
Antes de seguirmos em frente com as explicações sobre a estenose da carótida, é preciso que o leitor tenha uma noção mínima da anatomia das artérias que nutrem o cérebro e da importância das artérias carótidas. Tentarei resumir ao máximo, fornecendo apenas as informações que serão relevantes mais adiante.
O fluxo de sangue do cérebro é fornecido por dois sistemas de artérias:
- Sistema carotídeo: nutre a região anterior do cérebro.
- Sistema vértebro-basilar: nutre a região posterior do cérebro.
A artéria carótida comum esquerda nasce da artéria aorta, ascende pelo pescoço e bifurca-se em artéria carótida externa esquerda e artéria carótida interna esquerda. Já a artéria carótida comum direita nasce no tronco braquiocefálico, ascende pelo pescoço e bifurca-se em artéria carótida externa direita e artéria carótida interna direita.
As artérias carótidas externas são mais superficiais e respondem pela vascularização do pescoço, face e do couro cabeludo. Já as artérias carótidas internas mergulham para dentro do crânio e vão vascularizar o cérebro.
A maior parte das estenoses surge na área de bifurcação e na porção extracraniana da carótida interna (antes da artéria entrar no crânio).
Como surge
Assim como ocorre nas artérias coronárias do coração, a obstrução das artérias carótidas também é habitualmente provocada pela aterosclerose.
A aterosclerose é uma doença degenerativa dos vasos sanguíneos, que resulta na formação de placas na parede das artérias. Essas placas são compostas por células necróticas, colesterol e cálcio e, além de reduzirem o lúmen das artérias, também as torna mais endurecidas.
Três mecanismos podem justificar a ocorrência de AVC quando a uma das artérias carótidas apresenta aterosclerose avançada:
- Obstrução do fluxo sanguíneo por uma estenose grave: se as placas de colesterol foram grandes o suficiente, elas obstruem a passagem do sangue e causam uma isquemia no território cerebral nutrido pela carótica obstruída.
- Trombose da carótida: a região da artéria acometida por aterosclerose é mais propícia a formar trombos. Mesmo que a estenose não seja muito grave, a formação de um trombo por cima das placas causa um “entupimento” súbito da carótida e pode provocar isquemia cerebral.
- Embolia: O trombo formado por cima das placas de ateroma pode soltar pequenos pedaços, chamados de êmbolos, que viajam com o sangue em direção ao cérebro. Ao chegar nas artérias cerebrais, que apresentam menor calibre que a carótida, o êmbolo pode ficar impactado, provocando uma súbita obstrução do fluxo sanguíneo dessa artéria cerebral.
Dos três, a embolização é o mecanismo mais comum de formação de AVC nos pacientes com estenose da carótida.
Fatores de risco
Os fatores de risco para doença da artéria carótida são os mesmos da aterosclerose e das doenças cardiovasculares:
- Idade avançada.
- Tabagismo.
- Hipertensão arterial.
- Colesterol alto.
- Diabetes mellitus.
- Obesidade.
- Sedentarismo.
- Apneia do sono.
- História familiar de doenças cardiovasculares.
Sintomas
A maioria das pessoas com estenose carotídea não apresenta sintomas até que a artéria se torne severamente obstruída ou um trombo se forme. Portanto, a maioria dos pacientes permanece assintomática durante vários anos, até o momento em que subitamente sofre um AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT), chamado popularmente de mini-AVC.
O AIT é um quadro de isquemia cerebral transitória, que surge quando o fluxo sanguíneo para uma determinada área do cérebro é interrompido por algum tempo e logo depois é restabelecido. O AIT é chamado de mini-AVC porque ele apresenta os mesmos sintomas do AVC, mas com curta duração. Em geral, os sintomas duram entre alguns minutos até algumas horas (leia: Ataque Isquêmico Transitório (Mini-AVC) – Sintomas e Tratamento).
Na maioria dos casos, o ataque isquêmico transitório é a primeira manifestação clínica da estenose de carótida. Entre os pacientes que sofreram AVC pela obstrução da carótida, cerca de 50 a 70% já haviam apresentado um quadro AIT previamente.
Os quadros de estenose da carótida de moderada a grave intensidade (mais de 50% de obstrução) são aqueles que apresentam maior risco de se tornarem sintomáticos.
Nos pacientes que sofrem AVC, os sintomas costumam estar relacionados às áreas cerebrais nutridas pela carótida interna. As apresentações mais comuns são:
- Perda de visão parcial ou completa em um dos olhos, que pode ser temporária ou permanente.
- Perda de força em metade do corpo.
- Perda da sensibilidade em metade do corpo.
- Alterações da fala.
- Incapacidade de executar tarefas motoras mais precisas.
Sopro carotídeo
O sopro carotídeo é o único sinal que pode ser identificado no paciente com estenose da carótida ainda na fase assintomática. O sopro surge pelo turbilhonamento do sangue ao passar por uma área de estenose arterial e pode ser identificado através da auscultação da carótida com um estetoscópico.
O sopro ajuda, mas ele não é suficiente para estabelecer o diagnóstico se o paciente não tiver sintomas. Cerca de 15 a 20% dos pacientes com lesão moderada a grave da carótida podem não ter sopro e até 1/3 dos pacientes com sopro não apresentam estenose relevante na carótida.
Por outro lado, se o paciente tiver sopro e sintomas de AVC ou AIT, a chance dele ter uma estenose de carótida moderada a grave é de 75%.
Diagnóstico
Habitualmente, o diagnóstico da estenose da carótida é feito através de um exame de imagem. Os mais comuns são:
- Ultrassonografia com doppler.
- Angiografia por ressonância magnética (angio-RM).
- Angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC).
Das três opções acima, o ultrassom com doppler é o exame mais simples, barato e de mais fácil realização. A sua sensibilidade é de cerca de 70% (a cada 10 pacientes com estenose, o exame consegue identificar corretamente 7).
Pacientes assintomáticos
Na população assintomática e com mais de 65 anos, a prevalência da estenose carotídea grave (acima de 70%) é baixa, apenas 2 a 3% nos homens e 1% nas mulheres. Por isso, não costuma ser indicada a realização desses exames imagem em pacientes sem sinais e sintomas.
A American College of Cardiology, American Heart Association, American Stroke Association, American College of Radiology e a Society for Vascular Surgery sugerem que o rastreio seja feito nos pacientes assintomáticos somente se eles apresentarem uma das seguintes condições:
- Sopro na carótida.
- Doença arterial periférica.
- Doença coronariana.
- Aneurisma da artéria aorta.
- Mais de dois fatores de risco para aterosclerose.
Pacientes sintomáticos
A ultrassonografia com doppler das carótidas é recomendada dentro das primeiras 24 horas após um quadro de ataque isquêmico transitório, perda súbita da visão unilateral ou AVC no território carotídeo.
Sintomas menos específicos, tais como tonturas, vertigens ou sensação de desmaio não são típicos de AVC originado nas carótidas e não servem como indicação para realização do doppler.
Tratamento
Existem basicamente três tipos de tratamento para os pacientes com estenose carotídea: endarterectomia, angioplastia com stent e tratamento farmacológico.
A modalidade de tratamento mais adequada para cada caso depende da idade, do grau de estenose e dos sintomas do paciente. Vamos descrever em linhas gerais cada um dos três tratamentos.
Endarterectomia
A endarterectomia de carótida é o procedimento cirúrgico mais realizado para os casos sintomáticos e com estenose moderada a grave.
Na endarterectomia, o cirurgião faz uma incisão na artéria carótida e remove manualmente as placas que estão entupindo a artéria. A cirurgia dura, em média, 1 a 2 horas e pode ser feita sob anestesia geral ou local.
A endarterectomia é o procedimento mais seguro e com melhores resultados. Ela costuma ser indicada nos pacientes que apresentam as seguintes características:
- Estenose carotídea com sintomas.
- Estenose com mais de 70% de obstrução nas mulheres ou mais de 50% nos homens.
- Expectativa de vida maior que cinco anos.
Angioplastia com stent da carótida
A angioplastia da carótida é procedimento semelhante à angioplastia das coronárias, que já foi explicada no artigo: Cateterismo cardíaco – Angioplastia com Stent.
O tratamento é feito através da introdução de um cateter em uma artéria da coxa até que sua ponta alcance o ponto de estenose da carótida.
Ao chegar no local da obstrução, um balão na ponta do cateter é inflado até uma pressão de 20 atmosferas, tornando-o incrivelmente duro, capaz de literalmente esmagar a placa de ateroma, abrindo novamente o lúmen da artéria e permitindo que o fluxo de sangue retorne ao normal.
Após a normalização do fluxo, um stent, que é uma prótese metálica cilíndrica, é implantado no local onde havia a estenose para diminuir a chance da carótida ficar novamente obstruída com o passar do tempo.
A angioplastia com stent costuma ser indicada nos seguintes casos:
- Lesão carotídea que não é adequada para correção cirúrgica.
- Estenose carotídea induzida por radiação.
- Doença cardíaca ou pulmonar clinicamente significativa que aumente muito o risco cirúrgico.
Apesar de apresentar resultados semelhantes aos da endarterectomia, a taxa de complicações da angioplastia é mais elevada.
Tratamento farmacológico
O tratamento consiste na prescrição de estatinas para o controle do colesterol e fármacos que inibem a agregação plaquetária, como a aspirina. Nos pacientes hipertensos e/ou diabéticos são essenciais os controles da pressão arterial e da glicemia. Parar de fumar, praticar atividades físicas e manter um peso saudável também fazem parte do tratamento.
O tratamento farmacológico, assim como as mudanças de hábito de vida, estão indicadas para todos os pacientes com estenose da carótida, mesmo naqueles submetidos a endarterectomia ou angioplastia.
O tratamento medicamentoso costuma ser indicado como único tratamento nos seguintes casos:
- Estenose menor que 70% nas mulheres e menor que 50% nos homens.
- Pacientes assintomáticos.
- Pacientes com alto risco de complicações durante cirurgia ou angioplastia (idade maior que 80 anos, insuficiência cardíaca grave, doença coronariana grave, doença pulmonar grave ou infarto agudo do miocárdio nas últimas 4 semanas).
Referências
- ASA/ACCF/AHA/AANN/AANS/ACR/ASNR/CNS/SAIP/SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVS guideline on the management of patients with extracranial carotid and vertebral artery disease.
- Guidelines for the prevention of stroke in patients with stroke and transient ischemic attack – American Heart Association/American Stroke Association.
- Carotid Artery Disease: Causes, Symptoms, Tests, and Treatment – WebMD.
- Atherosclerotic Disease of the Carotid Artery – Medscape.
- Management of atherosclerotic carotid artery disease – Clinical practice guidelines of the Society for Vascular Surgery.
- Diagnosis and management of carotid atherosclerosis – BMJ.
- Pathophysiology of symptoms from carotid atherosclerosis – UpToDate.
- Management of asymptomatic carotid atherosclerotic disease – UpToDate.
- Management of symptomatic carotid atherosclerotic disease – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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