Tabela chinesa da gravidez 2024: Mito ou realidade?

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Tabela chinesa gravidez

Tempo de leitura estimado do artigo: 5 minutos

Introdução

A tabela chinesa da gravidez, também conhecida como tabela chinesa do sexo do bebê, é uma técnica desenvolvida pela medicina tradicional chinesa, que supostamente poderia prever o sexo do bebê, baseando-se no calendário lunar chinês.

A tabela chinesa ganhou muita popularidade com a Internet, havendo centenas de sites que indicam essa técnica para as grávidas curiosas em saber o sexo do seu bebê. Há também quem indique a tabela para os casais que ainda não engravidaram, mas querem ter a possibilidade de escolher o sexo do futuro filho(a). Os apologistas da tabela chinesa dizem que a técnica tem mais de 90% de eficácia. Alguns sites vão além e afirmam que a eficiência da tabela é de 99%.

Mas o que a ciência tem a dizer sobre a tabela chinesa? Existem estudos científicos sobre esse método? Se a tabela chinesa da gravidez é apenas um folclore, um mito, por que ela se tornou tão popular na Internet?

Neste artigo falaremos especificamente sobre a tabela chinesa; se você procura informações sobre formas cientificamente comprovadas de saber o sexo do bebê durante a gravidez, leia o seguinte artigo: Como saber o sexo do bebê – É menino ou menina?

O que é a tabela chinesa da gravidez?

Segundo reza a lenda, a tabela chinesa da gravidez teria sido usada pelos imperadores como guia para que eles pudessem escolher o sexo dos seus futuros filhos, garantindo assim que eles tivessem descendentes homens, o que lhes assegurava a continuidade da linhagem real.

Abaixo fornecemos um exemplo da tabela chinesa, conforme publicado anualmente pelo Almanaque dos Fazendeiros Chineses. 

Para utilizar a tabela chinesa é necessário o uso de algumas ferramentas, que servem para equiparar o calendário chinês com o nosso calendário gregoriano ocidental. Essas ferramentas são facilmente encontradas pela Internet. Essa tabela não foi concebida para ser usada com o nosso tradicional calendário (mais adiante explico algumas diferenças entre os calendários).

Tabela chinesa para o sexo do bebê

A tabela acima é apenas uma das várias versões que podem ser encontradas online. Essa é a versão mais comum, mas durante a minha pesquisa, encontrei pelo menos outras 4 tabelas diferentes (algumas bem diferentes).

As variações nos calendários chineses podem ser devidas a vários motivos:

  1. Diferentes métodos de cálculo: o calendário chinês é um calendário lunisolar, que combina elementos de um calendário lunar com os de um calendário solar. Há vários métodos para calcular os meses e anos no calendário chinês e esses métodos podem variar um pouco, o que leva a diferenças nos calendários que pode se encontrar on-line.
  2. Variações regionais: o calendário chinês foi adaptado e modificado em diferentes regiões. Por exemplo, o calendário chinês tradicional usado na China continental pode ser diferente do usado em outras comunidades chinesas, como em Taiwan.
  3. Interpretação das regras tradicionais: o calendário chinês é baseado em regras astronômicas e tradicionais complexas. Diferentes interpretações dessas regras podem levar a pequenas variações na tabela.
  4. Diferenças de fuso horário: o início de um novo mês no calendário chinês é tradicionalmente baseado na hora da lua nova. As diferenças de fuso horário podem levar a discrepâncias na data da lua nova e, portanto, a diferentes datas de início dos meses nos calendários produzidos para diferentes regiões.
  5. Erros de conversão digital: ao converter o calendário chinês tradicional em formatos digitais para uso on-line, pode haver erros ou aproximações que resultam em discrepâncias.

Como esse calendário chinês não é científico nem confiável, não faz sentido publicar todas as versões possíveis. Qualquer versão terá a mesma taxa de sucesso de 50%.

Outra dado que é importante destacar é o fato da tabela chinesa para prever o sexo do bebê, como apresentada tradicionalmente, não ter uma data de validade específica. Ela é baseada no sistema que combina a idade lunar da mãe no momento da concepção e o mês lunar da concepção, e essa abordagem se mantém constante ao longo dos anos. Portanto, a estrutura da tabela pode ser utilizada indefinidamente para qualquer ano. A tabela é a mesma em 1920, 1968, 2000 ou 2025.

Como surgiu a tabela chinesa da gravidez?

Dependendo da fonte na qual se pesquisa, a história da tabela chinesa costuma apresentar algumas diferenças importantes. Há pelo menos três versões distintas para a origem da tabela:

1. A versão mais elaborada da história diz que tabela chinesa para prever o sexo do bebê seria um gráfico originado na Dinastia Qing (1644–1912) que teria desaparecido no ano de 1900 no Palácio de verão do imperador Guangxu depois que a Dinastia perdeu a guerra com a Aliança das Oito Nações no mesmo ano.

Ao fim do confronto, a tabela original teria sido enviada à Inglaterra, onde a monarquia britânica mantinha-a escondida como tesouro. Muitos anos depois, em 1972, em circunstâncias não esclarecidas, o papel apareceu na Áustria. Lá ele foi visto por um historiador chinês, que copiou o conteúdo e o publicou em um jornal de Taiwan. Desde então, o gráfico tem sido publicado anualmente pelo Almanaque dos fazendeiros chineses e está disponível nas salas de parto dos hospitais chineses.

2. Outra versão sobre a origem da tabela diz que o gráfico foi encontrado próximo de Pequim, em um túmulo de família real da Dinastia Qing. O gráfico teria cerca de 700 anos, sendo, portanto, anterior à Dinastia Qing.

3. Uma terceira versão conta que a tabela chinesa original foi encontrado em uma sala subterrânea de Cidade Proibida na Dinastia Qing. O gráfico teria sido concebido a partir da teoria do Yin Yang, dos 5 elementos (metal, água, madeira, fogo e terra) e do Pa Kua.

Apesar das diferentes histórias sobre a sua origem, todas as fontes concordam que a tabela se baseia na idade chinesa da mãe e no mês da concepção, sempre consoante o calendário lunar chinês, acarretando algumas diferenças relevantes quando comparados com o nosso calendário ocidental gregoriano, baseado somente no sol.

Segundo algumas fontes, na China, o bebê já nasce com 1 ano de idade e completa 2 anos no dia do ano novo chinês, que costuma ser entre janeiro e fevereiro, sem uma data fixa anual.

Portanto, para a tabela chinesa poder ser utilizada, é preciso antes descobrir qual é a idade da mãe segundo o calendário chinês. Em geral, exceto para as mulheres que nasceram em janeiro e fevereiro, a idade lunar chinesa é um ano acima da idade real.

Por exemplo, se você nasceu em 30.08.1990 e engravidou em 20.09.2016, a sua idade real será 26 anos, mas a sua idade chinesa será 27. Por outo lado, se você nasceu em 25.01.1990 e engravidou em 20.09.2016, sua idade real e sua idade chinesa serão de 26 anos.

Problemas da tabela

À luz do conhecimento científico atual, há inúmeros problemas teóricos com a tabela chinesa; e nenhuma das fontes explica qual é a relação ou a lógica por trás do uso da idade da mãe e do mês da concepção na definição do sexo do bebê.

Qual seria a explicação racional para acreditarmos, por exemplo, que todas as mulheres com 30 anos fecundadas no mês de junho vão ter sempre bebês do sexo masculino? E qual é a razão para que mulheres com 21 anos só tenham chance de ter filhos homens, caso a concepção ocorra no mês de janeiro?

Quando esse tipo de previsão, que foge ao bom senso e briga com a lei das probabilidades, é feita, esperamos que uma boa explicação seja fornecida, caso contrário, a utilização da tabela fica muito mais próxima da superstição do que da racionalidade.

Mas os problemas de fundamentos da tabela chinesa não se resumem a uma simples falta de explicações lógicas sobre o seu funcionamento. Há questões amplamente conhecidas que fazem com que a confiabilidade da tabela seja baixa. Citaremos algumas delas:

1. O primeiro problema é saber exatamente o dia da concepção. Sabemos que a concepção na maioria dos casos não ocorre no dia da relação sexual. O espermatozoide consegue sobreviver por até 5 ou 6 dias no trato reprodutor feminino. Portanto, uma mulher que teve relações no dia 29 de abril, pode ter ovulado (e ter sido fecundada) somente no dia 4 de maio. Isso implica dizer que todas as mulheres que tiveram relações na última semana de mês vão ter dificuldades de dizer quando foi realmente o mês da sua concepção (explicamos o período fértil com mais detalhes no artigo: Qual é o período mais fértil para engravidar?).

E as mulheres que tiveram múltiplas relações nos últimos meses? Como saber o dia correto da concepção?

2. Sabemos que quem “define” o sexo do bebê é o espermatozoide masculino, que pode transportar o cromossoma sexual X ou Y.  Se o espermatozoide que fecundar o óvulo tiver o cromossoma Y, o feto será homem; se tiver o cromossoma X, o feto será mulher. Na definição do sexo do bebê, a genética da mulher tem pouca ou nenhuma influência, pois como o seu par de cromossomas são obrigatoriamente XX, elas só podem doar um cromossoma X para o seu filho(a).

Portanto, é estranho que a tabela chinesa só considere a idade da mãe e o mês da concepção. De que forma esses dados poderiam decidir que tipo de espermatozoide será o responsável pela fecundação?

Não é impossível que o organismo da mulher tenha alguma influência na escolha do espermatozoide, mas para isso ter alguma credibilidade, faz-se necessária alguma explicação plausível, de preferência baseada em dados científicos.

É interessante lembrar que a tabela foi supostamente concebida há vários séculos, numa época em que o conhecimento científico era muito pobre. Faz todo o sentido que os povos mais antigos imaginassem que, de alguma forma, era o organismo da mulher quem decidia o sexo do bebê.

3. Como explicar os casos de mulheres que têm gêmeos, cada um de um sexo diferente?

4. Se a tabela é realmente eficaz, como explicar que a linha sucessória dos imperadores chineses não seja composta exclusivamente por filhos homens ao longo da história?

O que dizem os estudos científicos?

Muitos websites que fazem apologia da tabela chinesa frequentemente descrevem o gráfico da seguinte forma: “apesar de não haver comprovação científica, a tabela apresenta impressionante taxa de acerto”.

Na verdade, há, sim, comprovação científica. O problema é que os estudos mostram exatamente o oposto, que a tabela não é confiável e apresenta uma baixa taxa de acerto. Portanto, o consenso científico existe e é de que a tabela não é confiável.

O estudo mais famoso e importante sobre a tabela chinesa foi feito na Suécia em 2010 (fontes no final do artigo).

Neste estudo, os pesquisadores levantaram os dados de cerca de 3,4 milhões de nascimentos ocorridos ente os anos de 1973 e 2006. Destes, os pesquisadores conseguiram obter dados confiáveis das mães em cerca de 2,8 milhões de casos.

A taxa de acerto da tabela chinesa nesse grupo de 2,8 milhões de mulheres foi de aproximadamente 50%, ou seja, exatamente a taxa de eficácia esperada para qualquer teste que não funcione, como, por exemplo, tentar adivinhar o sexo do bebê através do cara ou coroa. E a taxa foi sempre ao redor de 50%, não importando a idade da mãe ou o mês da concepção.

Esse estudo sueco é o maior, mas não é o único. Há diversos estudos publicados sobre o efeito do calendário lunar sobre a gravidez, não só sobre o sexo do bebê, mas também sobre a data do parto, risco de complicações, evolução do bebê e aumento da fertilidade. Neles todos não se conseguiu comprovar qualquer relação causal entre o calendário lunar e os resultados da gravidez.

Por que a tabela chinesa é tão popular na internet?

A tabela chinesa possui uma taxa de acerto de 50%. Isso significa que em 3 milhões de mulheres grávidas, ela acertará o sexo do bebê em 1,5 milhão. Portanto, mesmo com uma elevada taxa de erro, para 50% das pessoas que realizarem o teste, ele parecerá eficaz. Já a chance do teste acertar o sexo com 2 filhos é de 25%, ou seja, 750 mil mulheres num universo de 3 milhões de grávidas. Por isso, é tão comum encontrar relatos de mães que garantem que a tabela é realmente confiável.

Conclusão: a tabela chinesa é confiável?

Por tudo o que foi explicado até aqui, como era de se esperar, podemos concluir que a tabela chinesa para prever o sexo do bebê não possui nenhuma base teórica plausível e falhou ao ser testada de forma científica em um grupo imenso de mulheres.

E não é só no gênero do bebê que a tabela erra. Até o momento, todos os estudos que tentam encontrar alguma relação entre as fases da lua e os resultados da gravidez, seja data do parto, risco de complicações, saúde do bebê, etc., não conseguiram ter sucesso.

Se você está grávida e deseja saber qual é o sexo do seu bebê, as formas mais confiáveis são o exame de sexagem fetal, que a partir da 8.ª semana de gestação tem mais de 99% de taxa de acerto, ou através do ultrassom fetal, que a partir da 14.ª semana de gestação já consegue identificar a genitália do bebê.

Apenas como nota pessoal, o autor desse texto tem três filhas. A tabela chinesa errou o sexo em duas delas.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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