Azia e refluxo na gravidez: causas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro

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O que é a doença do refluxo gastroesofágico

Chamamos de refluxo ou doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) quando o conteúdo ácido do estômago retorna ao esôfago de forma indevida e frequente.

O esôfago é o órgão oco, em forma de tubo, que conecta a boca ao estômago. A mucosa que reveste o esôfago não tem a mesma proteção contra substâncias ácidas que a mucosa do estômago, motivo pelo qual a DRGE frequentemente provoca lesão no mesmo.

Neste artigo falaremos especificamente do refluxo gastroesofágico que ocorre na gravidez. Para saber mais sobre a DRGE e todas as suas principais causas, leia: Doença do refluxo gastroesofágico (DGRE).

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DRGE na gravidez

O refluxo é uma condição bastante frequente na gravidez, atingindo entre 45 a 80% das gestantes, sendo a azia a manifestação clínica mais comum.

A maior parte das grávidas começa a ter sintomas de refluxo já no fim do primeiro trimestre e eles vão piorando à medida que a gestação progride.

Por norma, o refluxo gastroesofágico nas grávidas não apresenta grandes complicações, pois sua duração é curta e não costuma haver tempo hábil para o desenvolvimento de esofagite erosiva pela ação do refluxo.

Os sintomas, principalmente a azia, desaparecem após o nascimento do bebê, mas a tendência é que retornem nas gravidezes subsequentes. 

Causas

A DRGE na gravidez está relacionada a fatores mecânicos e hormonais que em conjunto promovem a diminuição do tônus do esfíncter inferior do esôfago. O esfíncter é um anel muscular que atua como uma espécie de porta que só se abre quando necessário.

Refluxo gastroesofagico - DRGE
Refluxo gastroesofágico

O esfíncter inferior separa o esôfago do estômago. Ele abre-se para deixar a comida passar e fecha-se logo após para evitar que o conteúdo ácido do estômago e os alimentos ingeridos retornem e entrem em contato com o esôfago. 

Os hormônios produzidos durante a gestação são essenciais para manter o bem-estar do feto, porém provocam alguns efeitos indesejáveis em outros órgãos.

No caso do refluxo, os hormônios da gestação reduzem a capacidade de contração do músculo do esfíncter inferior do esôfago, que passa a funcionar de forma inadequada, sem fechar completamente. Este efeito se verifica já desde o início do primeiro trimestre.

À medida que o útero vai aumentando de tamanho, no segundo e especialmente no terceiro trimestre, ele passa a comprimir o estômago, contribuindo ainda mais para a ocorrência do refluxo gastroesofágico.

A grávida, portanto, apresenta uma incidência maior de refluxo porque ela tem mais dificuldade de reter o conteúdo ácido dentro do estômago e porque o próprio bebê ao crescer começa a “empurrar” o estômago para cima e a comprimi-lo, forçando o conteúdo ácido no seu interior de volta para o esôfago.

DRGE na grávida
Refluxo na gravidez

Fatores de risco

A gravidez por si só já é um grande fator de risco para o desenvolvimento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Há outros fatores que aumentam ainda mais esse risco, tais como:

  • Já ter refluxo antes mesmo da gravidez.
  • Hérnia de hiato.
  • Idade materna avançada (acima de 35 anos).
  • Gravidez gemelar.
  • Grávida com história de múltiplas gestações.

Sintomas

Os sintomas mais comuns do refluxo gastroesofágico durante a gravidez, em ordem decrescente de frequência, são:

  • Azia.
  • Regurgitação com gosto ácido na boca.
  • Dor em queimação no centro do peito.
  • Dor no estômago.
  • Sensação de bolo na garganta.
  • Dificuldade de engolir.
  • Dor de garganta.
  • Rouquidão.
  • Tosse seca.
  • Náuseas e/ou vômitos.

Os três primeiros sintomas listados acima são, de longe, os mais comuns e muitas vezes os únicos que a grávida apresenta.

Complicações

Como já foi mencionado, as complicações associadas à doença do refluxo gastroesofágico na gravidez são extremamente incomuns. No entanto, em casos raros, podem surgir esofagite (inflamação do esôfago), lesão erosiva do esôfago e a constrição do esôfago.

Os sinais de alarme, que apontam para alguma complicação são:

  • Vômitos com sangue ou vômito escurecido tipo borra de café.
  • Perda de peso significativa, não intencional.
  • Dificuldade de engolir ou sensação de que a comida fica impactada e não desce.
  • Fezes enegrecidas (sinal de sangue digerido).
  • Febre, náuseas, vômitos associadas à azia e regurgitação.
  • Dor intensa no peito que não melhora com uso de medicação apropriada.

Diagnóstico

Habitualmente a história clínica e os sintomas são tão característicos que o diagnóstico do refluxo gastroesofágico na gravidez costuma ser feito sem necessidade de recorrer a nenhum exame específico.

A maior parte dos médicos opta por realizar o teste terapêutico, que nada mais é do que prescrever a medicação contra o refluxo e avaliar a resposta à terapêutica. Se houver melhora dos sintomas, considera-se confirmado o diagnóstico. 

Entretanto, em situações específicas, especialmente se houver suspeita de alguma complicação associada ao refluxo – como esofagite, hemorragia digestiva ou estreitamento do esôfago – podem ser solicitados exames complementares. 

A endoscopia digestiva alta é o exame mais comumente solicitado. Porém, o ideal é esperar até o segundo trimestre para fazê-la, caso possível. Raramente, também é necessário efetuar um exame mais específico para o diagnóstico da DRGE, como a pHmetria esofágica.

Tratamento

A primeira linha de tratamento na DRGE da gravidez é não-medicamentosa, e consiste em mudanças nos hábitos de vida e na alimentação.

Existem medidas simples que podem ser tomadas para reduzir a incidência de azia durante a gestação, como:

  • Evitar deitar ou ir dormir nas três horas seguintes à última alimentação.
  • Reduzir a ingestão de líquidos junto com as refeições.
  • Evitar uso de roupas apertadas.
  • Deitar de lado para a esquerda.
  • Elevar a cabeceira da cama cerca de 15 a 20 cm (usando blocos de madeira nos pés da cama, por exemplo).
  • Comer pequenas quantidades em intervalos menores ao invés de grandes refeições.
  • Não fumar.

Evitar alimentos que pioram os sintomas do refluxo

Algumas pessoas referem agravamento com alimentos cítricos, picantes ou muito gordurosos, hortelã, chocolate, cafeína, bebidas alcoólicas ou gaseificadas.

Na prática, a recomendação é que a gestante faça uma dieta específica para o seu caso, reduzindo a ingestão de comidas que despoletam os seus sintomas. O que pode agravar a azia numa gestante pode não fazer diferença para outras e vice-versa.

A forma mais simples de reconhecer os fatores desencadeantes é manter um diário alimentar e ir assinalando os alimentos recentemente ingeridos quando tiver algum sintoma. 

Se após a instituição do tratamento não farmacológico a gestante continuar a ter sintomas persistentes de refluxo, deve ser iniciado o tratamento com antiácidos, que aliviam os sintomas rapidamente e podem ser utilizados de acordo com a necessidade da gestante. 

Mas atenção, alguns antiácidos são contraindicados na gravidez, como aqueles contendo bicarbonato de sódio (Alka-Seltzer, Eno, Magnésia Bisurada, Sonrisal, Estomazil, Stomaliv, Frusalt, Gaviscon) e trissilicato de magnésio (Kolantyl). Não tome nenhum medicamento sem antes falar com o seu obstetra.

Se os antiácidos não forem eficazes, uma alternativa é o uso de sucralfato, 1g 3x/dia. O sucralfato adere à superfície da mucosa e protege contra a ação do ácido.  

A etapa seguinte, caso não exista resposta ao antiácido nem ao sucralfato, é iniciar tratamento com o objetivo de reduzir a produção de ácido pelo estômago. Podem ser prescritos antagonistas dos receptores H2, como a ranitidina, ou inibidores da bomba de prótons, como omeprazol e pantoprazol.

Os inibidores da bomba de prótons são a terapêutica mais eficaz para alívio dos sintomas e cicatrização do esôfago. Os estudos mostram que todos os medicamentos desta classe são seguros para uso na gravidez, mas omeprazol, pantoprazol e lansoprazol são mais frequentemente prescritos e, por isso, existem mais informações a respeito do seu perfil de segurança na gestação.


Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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