O que é tremor essencial?
O tremor essencial (TE) é um distúrbio neurológico que provoca tremores involuntários, incontroláveis e rítmicos. Esse tipo de tremor pode afetar várias partes do corpo, mas ele é mais comum nas mãos e nos braços, especialmente quando o paciente está executando tarefas simples com os membros, tais como segurar um copo, amarrar cadarços ou simplesmente manter os braços esticados para frente contra a gravidade.
Embora seja frequentemente confundido com a doença de Parkinson, o tremor essencial é um distúrbio neurológico completamente diferente. E muito mais comum. Existem 8 vezes mais pacientes com TE do que com doença de Parkinson.
Apesar de não ser tão grave quanto o Parkinson, o tremor essencial pode ser bastante intenso, a ponto de afetar de forma relevante a qualidade de vida do paciente. Muitos pacientes deixam de ser capazes de trabalhar, comer sozinhos e conduzir veículos. Antigamente chamada de tremor essencial benigno, a doença é atualmente chamada apenas de tremor essencial, devido exatamente à existência desses casos mais graves.
Quando há mais de um caso de tremor essencial na família, dizemos que o paciente tem tremor essencial familiar ou hereditário.
O TE acomete todas as idades, mas ele surge mais frequentemente a partir dos 40 anos. Nas formas familiares, o tremor pode surgir ainda na adolescência. Essa forma de tremor afeta até 5% dos indivíduos com mais de 40 anos e até 10% daqueles com mais de 60 anos, o que torna o tremor essencial o distúrbio do movimento mais comum de todos (existem mais de 20 tipos diferentes de tremor).
Causas
O mecanismo fisiopatológico por trás do tremor essencial ainda não está bem elucidado. Há fortes evidências, porém, de que o ET tem uma importante base genética, pelo menos nos casos familiares. Quando um dos pais tem tremor essencial, existe uma chance de 50% dos filhos herdarem a doença.
No entanto, o componente genético não explica tudo. Além de existirem pacientes com ET sem história familiar, há também casos de gêmeos idênticos nos quais apenas um dos irmãos apresenta tremor. É provável, portanto, que existam fatores ambientais envolvidos ainda não esclarecidos.
Sintomas
O tremor essencial é um tremor de ação e postural. Ou seja:
- Tremor de ação (tremor cinético): é desencadeado quando o paciente faz algum movimento ativo, como utilizar as mãos ou os braços para executar determinadas tarefas. Quando o paciente fica em repouso ou dorme, o tremor tende a desaparecer.
- Tremor postural: é desencadeado quando o paciente assume de forma voluntária uma posição na qual precisa fazer algum esforço para vencer a gravidade, como quando deixa os braços estendidos ou levantados.
Além dos membros superiores, outro local comum do tremor é a cabeça, que pode provocar leves movimentos horizontais (sinal de não) ou verticais (sinal de sim). O tremor da cabeça raramente ocorre de forma isolada, sem que as mãos e os braços também estejam tremendo. A laringe pode ser afetada, provocando alterações da voz. Tremor no tronco e nas pernas podem surgir, mas não são comuns.
O tremor essencial também costuma apresentar as seguintes características:
- O tremor costuma ser simétrico, mas pode ser levemente mais intenso em um dos braços.
- O quadro costuma se agravar com o passar dos anos.
- Inicialmente, o tremor é intermitente, podendo ser desencadeado ou agravado por estresse, ansiedade, cansaço ou mudanças bruscas de temperatura.
- O consumo de pequena quantidade de bebida alcoólica pode diminuir a intensidade do tremor no início da doença.
- Os tremores são ritmados, apresentando uma frequência de oscilações fixa.
- O tônus muscular e os reflexos estão normais.
- Não é habitual haver alterações na marcha.
- Não é habitual haver alterações do equilíbrio.
- Não é habitual o paciente apresentar bradicinesia (lentidão anormal dos movimentos).
Diferenças entre tremor essencial e doença de Parkinson
Apesar de ser bem mais comum, o TE é frequentemente confundido com os tremores parkinsonianos. Abaixo, listamos as principais diferenças entre as duas formas de tremor.
Amplitude e frequência
- Parkinson: o tremor costuma ter grande amplitude e baixa frequência. É habitualmente assimétrico (mais intenso em um dos lados).
- TE: O tremor costuma ter baixa amplitude, podendo ser quase imperceptível no início da doença, e elevada frequência. É habitualmente simétrico (diferenças mínimas entre os braços).
Tipo de tremor
- Parkinson: o tremor surge normalmente durante o repouso. Melhora com o movimento.
- TE: o tremor é de ação e postural. Melhora com repouso.
Regiões acometidas
- Parkinson: comum nos braços e pernas. Raramente afeta cabeça ou voz.
- TE: comum nos braços e na cabeça. Menos comum afetar as pernas.
Sintomas associados
- Parkinson: além dos tremores, o paciente também costuma ter bradicinesia, rigidez muscular, alterações na marcha e problemas de equilíbrio.
- TE: o tremor costuma ser o único sintoma relevante.
História familiar
- Parkinson: presente em apenas 10% dos casos.
- TE: Presente em 50% dos casos.
Idade
- Parkinson: comum após 50 a 60 anos. Raro em jovens.
- TE: Comum após os 40 anos, mas pode surgir até em crianças.
Consumo de álcool
- Parkinson: não há melhora.
- TE: pode melhorar após consumo de pequenas doses de álcool.
É importante ressaltar que alguns pacientes podem ter ambos diagnósticos, e alguns estudos sugerem que os pacientes com tremor essencial apresentam um risco maior de desenvolverem a doença de Parkinson.
Para mais informações sobre os sintomas da doença de Parkinson, leia: Doença de Parkinson – Sintomas, Causas e Tratamento.
Prognóstico a longo prazo
O curso habitual do tremor essencial é de progressão lenta e gradual, podendo, em uma minoria dos casos, permanecer estável ao longo dos anos. No entanto, um curso estável deve levantar a suspeita de um diagnóstico alternativo, como tremor fisiológico ou tremor induzido por medicamentos.
Apesar de o risco de morte não estar aumentado de forma relevante, a TE pode causar uma importante queda na qualidade de vida e nas capacidades motoras. Cerca de 85% dos pacientes relatam mudanças significativas nas funções profissionais e sociais, e 15% relatam estar seriamente incapacitados pela condição.
Os tremores, além de dificultarem a realização de tarefas simples, como comer, beber, escrever, dirigir e usar o computador, ainda podem provocar isolamento social, pois os pacientes sentem-se constrangidos pelos tremores incontroláveis. Muitos deixam de comparecer a festas ou eventos sociais, abandonam o emprego, deixam de usar transporte público e param de praticar atividades físicas. Esse isolamento social aumenta o risco de depressão e crises de ansiedade.
Diagnóstico
O diagnóstico do tremor essencial baseia-se nos dados clínicos. Não há um exame de imagem ou laboratorial que estabeleça o diagnóstico. Exames complementares podem ser solicitados para descartar outras causas de tremores, como doenças da tireoide, alcoolismo, doenças metabólicas, abuso de substâncias ou outras doenças neurológicas.
O diagnóstico pode ser feito por meio de três critérios primários e secundários. São eles:
Critérios primários:
- Tremor de ação bilateral das mãos e antebraços (com ausência de tremor em repouso).
- Ausência de outros sinais e sintomas neurológicos.
- Tremor de cabeça isolado, sem sinais de distonia.
Critérios secundários:
- Duração do tremor por mais de 3 anos.
- História familiar positiva.
- Resposta positiva ao baixo consumo de álcool.
Quanto mais critérios o paciente preencher, principalmente os primários, maior é a probabilidade dele ter tremor essencial.
Tratamento
Embora o tremor essencial ainda não tenha cura, diversas abordagens terapêuticas podem melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento visa a redução da intensidade dos tremores, permitindo que o indivíduo retome suas atividades cotidianas com mais segurança e independência.
Se os tremores forem leves e não interferirem na funcionalidade ou na vida social do paciente, o tratamento pode ser dispensado. No entanto, quando os tremores causam constrangimento, prejuízo nas atividades diárias ou comprometem a autonomia, a terapêutica deve ser considerada.
Como não há cura definitiva, o objetivo do tratamento é controlar os sintomas a ponto de permitir a realização de tarefas como escrever, comer, beber e utilizar dispositivos eletrônicos.
Tratamento medicamentoso
Os medicamentos de primeira linha mais utilizados no tratamento do tremor essencial são:
- Propranolol: um betabloqueador não seletivo, eficaz principalmente em tremores cinéticos e posturais dos membros superiores;
- Primidona: um anticonvulsivante com ação sobre o sistema GABAérgico, com eficácia semelhante à do propranolol.
Ambos os fármacos podem ser utilizados isoladamente ou em associação. Quando bem tolerados, podem proporcionar uma redução de até 70% na intensidade dos tremores. A escolha entre eles deve levar em conta o perfil clínico do paciente, comorbidades e possíveis efeitos adversos.
Para pacientes que não obtêm resposta satisfatória com os medicamentos de primeira linha, ou que apresentam contraindicações ao seu uso, outras opções podem ser consideradas como segunda linha ou adjuvantes. Entre elas:
- Gabapentina.
- Topiramato.
- Clonazepam.
- Alprazolam.
- Pregabalina.
- Fenobarbital.
A eficácia desses agentes é variável e os estudos apresentam resultados inconsistentes, motivo pelo qual eles não são indicados como tratamento inicial. Seu uso deve ser individualizado e reservado para casos refratários.
A toxina botulínica tipo A (Botox) também pode ser empregada em casos selecionados, sobretudo em tremores localizados, como os da cabeça ou da voz, onde os tratamentos sistêmicos tendem a ter menor eficácia. Apesar do risco de efeitos colaterais como fraqueza muscular local, essa abordagem tem demonstrado bons resultados em subgrupos específicos de pacientes.
Além do tratamento farmacológico, medidas comportamentais também podem auxiliar no controle dos sintomas. Reduzir o consumo de cafeína, evitar álcool em excesso, manejar o estresse e garantir noites de sono adequadas são estratégias importantes que devem ser orientadas como parte do tratamento.
Tratamento cirúrgico – Estimulação cerebral profunda (Deep Brain Stimulation – DBS)
A estimulação cerebral profunda é uma opção terapêutica indicada para pacientes com tremor essencial grave e incapacitante, que não respondem adequadamente aos medicamentos ou que apresentam efeitos adversos limitantes.
Nesse procedimento, é implantado um eletrodo no cérebro, geralmente no núcleo ventral intermédio do tálamo (VIM), região envolvida no controle motor. O eletrodo é conectado a um dispositivo gerador de impulsos, posicionado sob a pele na região torácica, de maneira semelhante a um marcapasso cardíaco. O sistema emite impulsos elétricos que modulam a atividade cerebral anormal responsável pelos tremores.
O processo de programação do dispositivo requer acompanhamento médico especializado e pode demandar vários ajustes nas semanas ou meses iniciais até que se atinja o controle ideal dos sintomas. Após essa fase de adaptação, as visitas de acompanhamento são normalmente realizadas a cada 6 a 12 meses. A bateria do aparelho dura, em média, de 3 a 5 anos, embora versões recarregáveis apresentem maior longevidade.
Estudos demonstram que a estimulação cerebral profunda pode proporcionar uma redução de 60% a 90% na intensidade dos tremores, com melhora expressiva na qualidade de vida e na capacidade funcional do paciente.
Novos tratamentos
Uma tecnologia emergente e promissora é a ablação por ultrassom focal guiada por ressonância magnética (MRgFUS). Trata-se de um procedimento não invasivo que utiliza ondas de ultrassom de alta intensidade para lesionar de forma precisa áreas específicas do tálamo envolvidas na gênese do tremor.
Embora ainda não esteja amplamente disponível, essa técnica tem se mostrado eficaz e segura, sendo uma alternativa para pacientes que não desejam ou não podem se submeter à cirurgia convencional.
Referências
- Facts about Essential Tremor – International Essential Tremor Foundation (IETF).
- ET vs Parkinson’s disease – International Essential Tremor Foundation (IETF).
- Essential tremor: Clinical features and diagnosis – UpToDate.
- Essential tremor: Treatment and prognosis – UpToDate.
- Essential Tremor – Medscape.
- Differentiation and Diagnosis of Tremor – American Family Physician.
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.