Pontos-chaves
O que é: a colestase intra-hepática da gravidez, também conhecida como colestase da gravidez, colestase gravídica ou colestase obstétrica, é uma complicação que pode surgir no terceiro trimestre de gestação e acomete cerca de 1% das grávidas. A colestase se caracteriza pelo aumento dos níveis de bilirrubina no sangue e é causada pela obstrução dos ductos biliares dentro do fígado.
Sintomas: o principal sintoma da colestase da gravidez é uma intensa coceira, principalmente nas palmas das mãos e solas dos pés, que costuma manifestar-se a partir da 30ª semana de gravidez. Icterícia, enjoos e perda do apetite também podem surgir.
Complicações: a colestase está associada a um maior risco de parto prematuro, insuficiência respiratória do recém-nascido e morte intra-uterina.
Tratamento: O tratamento é feito com ácido ursodesoxicólico e indução da gravidez a partir da 37ª semana de gestação.
O que é a colestase intra-hepática da gravidez?
Para que possamos entender a colestase intra-hepática da gravidez, precisamos antes saber o que é a colestase e qual é o papel do fígado e das vias biliares nessa doença.
Nossos glóbulos vermelhos têm uma vida média de 4 meses. Quando eles ficam velhos, são levados para o baço para serem destruídos. Um dos produtos liberados neste processo de destruição é a bilirrubina, um pigmento amarelo-esverdeado.
Todos os dias, milhões de glóbulos vermelhos são destruídos e toda a bilirrubina liberada é levada pela corrente sanguínea para o fígado, onde ela será metabolizada.
No fígado, a bilirrubina vinda do sangue, chamada de bilirrubina indireta, é transformada em bilirrubina direta, que é uma forma hidrossolúvel mais fácil de ser excretada.
Quando o fígado funciona normalmente, a bilirrubina direta é drenada pelos ductos intra-hepáticos em direção ao ducto biliar comum e, posteriormente, em direção aos intestinos, onde ela vai se misturar às fezes e ser eliminada do organismo.

Chamamos de colestase qualquer situação na qual há redução ou obstrução dessa drenagem da bilirrubina. Dizemos que a colestase é intra-hepática quando a obstrução encontra-se nos ductos dentro do fígado, ou extra-hepática quando o problema está localizado nas vias biliares, fora do fígado.
A obstrução à drenagem da bilirrubina faz com que esse pigmento acumule-se no sangue e subsequentemente na pele.
A colestase intra-hepática da gravidez é, conforme diz o nome, um quadro de colestase que tem origem no fígado e surge durante a gravidez.
Causas
O mecanismo pelo qual a colestase da gravidez se desenvolve ainda não foi completamente esclarecido. A doença provavelmente envolve uma combinação de fatores genéticos, hormonais e ambientais.
Especula-se que os hormônios da gravidez ajam diretamente sobre o transporte da bile nos ductos intra-hepáticos, provocando um atraso considerável do seu escoamento.
As razões pelas quais achamos que o estrogênio e a progesterona têm um papel primordial no surgimento da colestase intra-hepática da gravidez são as seguintes:
- A colestase surge quase que exclusivamente no 3ª trimestre de gestação, fase em que esses hormônios estão no seu pico.
- Gestações de gêmeos, que apresentam níveis de estrogênio e progesterona mais elevados, apresentam maior incidência de colestase do que as gestações não-gemelares.
- O quadro de colestase costuma melhorar rapidamente após o fim da gravidez, junto com a queda abrupta dos níveis hormonais.
- A colestase costuma surgir ainda no primeiro trimestre de gestação nas mulheres que, quando tentavam engravidar, submeteram-se a estimulação ovariana com hormônios.
- Fora da gravidez, a colestase é mais comum em mulheres que tomam anticoncepcionais à base de estrogênio e progesterona.
Mas somente os níveis elevados de hormônios não são suficientes para justificar o aparecimento da colestase, que acomete apenas 1 em cada 100 grávidas.
Uma predisposição genética parece também ser necessária e explica porque a doença tem forte componente familiar e étnico. Em algumas populações, a incidência da colestase é bem baixa, ao redor de 1 caso para cada 1000 gestações (0,1%). Em alguns países, porém, como no Chile, a taxa é de 2% e chega a ser de 27% se considerarmos apenas as mulheres de etnia araucana (ameríndios).
Por motivos ainda não esclarecidos, a colestase gravídica é mais comum no inverno, principalmente nos países de clima frio, como a Suécia, Finlândia e o próprio Chile.
Sintomas
Os principais sinais e sintomas da colestase obstétrica surgem a partir do 3º trimestre de gravidez e são provocados pelo aumento da concentração de bilirrubina no sangue e sua consequente deposição na pele.
O sintoma mais característico é a coceira nas palmas das mãos e nas plantas dos pés, que surge sem que haja qualquer lesão visível na pele e pode se espalhar pelo resto do corpo, como barriga, tronco e face. Apesar não haver lesões inicialmente, com o tempo, de tanto ser coçada, a pele pode começar a apresentar escoriações.
Essa comichão é mais comum à noite e a sua intensidade varia de moderada a grave, a ponto de atrapalhar o já atribulado sono da gestante.
É importante ressaltar que é muito comum as grávidas terem algum grau de coceira no final da gravidez, principalmente na barriga, sem que isso tenha qualquer significado clínico. Somente quando o prurido é muito intenso e persistente é que precisamos nos preocupar com a possibilidade de ser colestase gravídica.
Em cerca de 25% das gestantes, uma a quatro semanas após o início da coceira, podem surgir outros sinais e sintomas, tais como Icterícia (pele amarelada), perda do apetite, náuseas, dor abdominal – principalmente no quadrante superior direito do abdômen -, fezes muito claras, esteatorreia (gordura nas fezes), urina escurecida, cansaço e demora para coagular o sangue.
A maioria das grávidas com coceira na fase final da gravidez não tem colestase. Mas se o prurido for intenso e acometer palmas das mãos e solas dos pés, o obstetra deve ser informado.
Complicações
Maternas
Da parte da mãe, o principal problema costuma ser o maior risco de sangramento durante o parto, que decorre da esteatorreia e consequente má-absorção da vitamina K, um fator essencial para a coagulação normal do sangue. Essa complicação, felizmente, é pouco comum.
Fetais
A colestase gravídica é um problema muito mais grave para o feto do que para a mãe. Como a bilirrubina atravessa a barreira placentária, ela acumula-se facilmente no líquido amniótico e no organismo do bebê.
Entre as complicações fetais possíveis da colestase intra-hepática da gravidez as três mais importantes são:
- Parto prematuro.
- Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido (provocada pela presença de bilirrubina nos pulmões).
- Morte fetal intra-uterina.
Diagnóstico
A colestase hepática é diagnosticada quando a gestante apresenta as seguintes alterações:
- Coceira intensa e persistente, principalmente nas mãos e nos pés, iniciada no 3º trimestre de gravidez.
- Níveis sanguíneos elevados de bilirrubina.
- Níveis sanguíneos elevados de transaminases (TGO e TGP).
Tratamento
O tratamento da colestase da gravidez tem dois objetivos: aliviar os sintomas da mãe e reduzir o risco de complicações para o feto.
Para tais fins, um medicamento chamado ácido ursodesoxicólico é atualmente o mais utilizado.
A dose de 300 mg de ácido ursodesoxicólico, 2 ou 3 vezes por dia, é capaz de atingir os seguintes resultados:
- Redução da coceira em mais de 60% dos casos.
- Redução dos níveis sanguíneos de TGO e TGP.
- Redução dos níveis sanguíneos de bilirrubina.
- Redução de 67% no risco de síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido.
- Redução de 44% no risco de parto prematuro.
Para reduzir a exposição do feto à bilirrubina, atualmente recomenda-se a indução do parto quando a gravidez atinge 37 semanas. Alguns médicos esperam até 38 ou 39 semanas, se o tratamento com ácido ursodesoxicólico tiver sido muito eficaz, com resolução do prurido materno e grande queda nos valores de bilirrubina.
Por outro lado, a interrupção da gravidez com menos de 36 semanas deve ser considerada nos casos mais graves que não respondem ao tratamento.
Referências
- Intrahepatic cholestasis of pregnancy: maternal and fetal outcomes associated with elevated bile acid levels – American Journal of Obstetrics & Gynecology.
- Intrahepatic cholestasis of pregnancy explained – Society for Maternal-Fetal Medicine.
- Cholestasis Of Pregnancy – American Pregnancy Association.
- Intrahepatic Cholestasis of Pregnancy – Medscape.
- Intrahepatic cholestasis of pregnancy – UpToDate.
- Approach to liver disease occurring during pregnancy – UpToDate.
- Hepatic, Biliary, and Pancreatic Disorders. in: Williams Obstetrics – Twenty-Fifth Edition. McGraw-Hill Education, 2018.
- Hepatic disorders during pregnancy. In: Obstetrics: Normal and Problem Pregnancies. 7th ed. Philadelphia, Pa.: Saunders Elsevier; 2017
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
Atendi um recém-nascido de 1 mês e 24 dias nasceu com 36 semanas de gestação com peso 2674g Maãe teve níveis elevados de ácidos biliares na gestação em torno de 54
Bil ind da alta com 48h 8 mg/dl
Com 1 mês e 24 dias exame físico normal exceto ictérico: teste rápido bil ind:8 Tem 2 causas para icterícia prolongada: prematuro limítrofe e alimentação inadequada ( baixo ganho ponderal)
A causa materna ( aumento de ácidos biliares ) pode estar contribuindo para a icterícia prolongada neste caso?estando a criança com 1 mês e 24 dias . Foi decidido intensificar a nutrição com fórmula láctea e revê-lo em 5-7 dias.
O irmão teve icterícia prolongada até 2 meses foi internado e com o aumento da fórmula láctea melhorou. Todos os exames feitos no hospital foram inconclusivos.
Dra Rachel Pustilnic- Médica pediatra.
Obrigada
Saúde e Sucesso
Com quase 2 meses, acho que a bilirrubina materna já não é mais a causa da icterícia.
Boa noite,
Gostaria só de deixar o meu testemunho para que o Doutor possa ter mais uma fonte de estudo e para futuros diagnósticos. Fui mãe em 2004 e em 2007. Na primeira gravidez tive prurido já bem no final e nunca me foi diagnosticado nada. Na segunda gravidez, as comichões começaram por volta dos 2 meses de gestação e era por todo o lado, até dentro dos olhos e ouvidos eu tinha comichão. Durante a noite era a altura pior, eu passava horas no chuveiro a passar a esponja com gel de banho pelo corpo para me coçar sem ferir a pele, era simplesmente desesperante. Os meus valores de TGO e TGP eram altos devido a doença hepática. Durante 6 meses, dormi uma média de duas horas por noite. No ultimo mês de gestação fui parar ao hospital pois não parava de vomitar devido ao cansaço estremo do organismo. Recomendaram a toma de umas quantas colheres de sopa de Atarax em xarope para me obrigar a dormir. O Parto foi induzido às 38 semanas e por ter tido, durante e após o parto, hemorragias aumentadas é que me fizeram a análise para determinar se eu teria Colestase gravídica o que deu positivo. Na altura a explicação para a comichão foi que o organismo não estava a expulsar o acido Biliático e a cura seria o parto. O excesso de remédio para a indução do parto provocou o descolamento de placenta e sérias dificuldades do bebe em começar a respirar. Se existia um remédio para melhorar sintomas e evitar problemas não percebo porque não mo deram. Por este artigo que acabo de ler percebi finalmente o que é colestase gravídica e que os médicos que me acompanharam sempre souberam o que eu tinha mas nunca deram o diagnostico correto nem o devido tratamento.
Daí em diante nunca pude fazer contraceptivo hormonal sem que me explicassem o porquê. Agora percebo.
Infelizmente a existência de maus profissionais e a falta de empatia na área da saúde assusta, tratam pessoas como meros corpos sem a percepção de que lidam com seres humanos. Somos todos tomados por meros ignorantes incapazes de compreender a explicação sobre o seu diagnostico.
Foi a primeira vez que encontrei à primeira um artigo tão claro e simples sobre o assunto.
Andamos a mascarar sintomas ao invés de tratar e, acima de tudo, prevenir doenças. Desculpem o desabafo mas foi importante para mim saber que ainda existem médicos capazes de ouvir os “seus” doentes.
Obrigada pelo artigo e pelo vosso trabalho
É possível ter colestase sem ter visícula biliar? Estou de 33 semanas, com uma coceira insuportável nas mãos e pés. Fui à emergência, mas a médica descartou quando disse não ter visícula. Não fiz exame específico.
Sim, é perfeitamente possível. A colestase não tem a ver com a vesícula, mas sim com as vias biliares.
Dr não tive colestase na primeira gravidez..porém nessa surgiu com 15 semanas..sou hipertensa faço uso de metildopa 250mg 3x ao dia e uso heparina subcutânea…usei também no início da gravidez progesterona….mas foi usado o mesmo esquema com meu primeiro filho….mas nessa gestação a colestase apareceu…isso quer dizer qui tenho algum problema hepatologico???
Com 15 semanas não é comum surgir colestase intra-hepática da gravidez. É possível, sim, que haja algum problema no fígado ou nas vias biliares.
Boa noite. Estou com 24 semanas e fui diagnosticada com colestase, foi receitado o uso do medicamento, tem algum problema começar com a medicação?
Se foi o obstetra que receitou, não tem problema tomar. Ele sabe o que é seguro ou não na gravidez.
Recebi diagnóstico de colestase de um médico e quando fui consultar outro médico, o mesmo descartou a possibilidade de colestase devido ao fato de eu ter apresentado alterações somente nas taxas de TGO e TGP e não ter apresentado alterações nas taxas de bilirrubina. Esse procedimento está correto?
Se as bilirrubinas estão normais, você pode ter outra causa para lesão do fígado que não a colestase gravídica. Tem que investigar.
Como é detectado esse problema com exame de sangue da p saber
Sim, através do exame de sangue é possível dosar as transaminases (TGO e TGP).
Estou muito preocupadas pois na minha terceira gravidez tive colestase e agora tenho 41 anos estou grávida vida de 9 semana será que vou passar de novo pelo mesmo poblema e horrível estou cm medo
Já ter tido colestase gravídica uma vez é um fator de risco para ter novamente.