Cefaleia Pós-Raquianestesia (pós-punção lombar)

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Cefaleia de baixa pressão

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Introdução

A cefaleia de baixa pressão é um quadro de intensa dor de cabeça que pode surgir após uma raquianestesia, anestesia peridural ou punção lombar. Esses quadros são chamados respectivamente de cefaleia pós-raquianestesia, cefaleia pós-punção dural ou cefaleia pós-punção lombar.

Como a raquianestesia e anestesia peridural são habitualmente utilizadas nos partos, tanto normal quanto cesariana, essa forma de dor de cabeça também é conhecida como cefaleia pós-parto.

Nestes procedimentos anestésicos e na punção lombar, uma agulha é colocada dentro do espaço preenchido por líquido que fica ao redor da medula espinhal, seja para injetar anestésicos ou para colher amostras do líquido cefalorraquiano para avaliação laboratorial. Esse pequeno furo provocado pela agulha cria uma passagem para o líquido cefalorraquiano vazar para fora do canal medular, reduzindo a pressão do fluido ao redor do cérebro e da própria medula espinhal. Dependendo da quantidade vazada, o paciente pode desenvolver uma hipotensão liquórica, que provoca sintomas, como dor de cabeça, fraqueza, tonturas e náuseas.

Felizmente, como ao longo dos anos o design das agulhas espinhais tem vindo a se aprimorar, e os anestesistas estão cada vez mais atentos a esse problema, as dores de cabeça espinhais estão se tornando cada vez menos frequentes, apesar de ainda acometerem ainda cerca de 10% dos pacientes.

O que é a cefaleia de baixa pressão?

O líquido cefalorraquidiano (LCR), também chamado de líquor, é um fluido transparente, com volume total de cerca de 150 ml, que ocupa o espaço subaracnoide e fica circulando em volta do cérebro e da medula espinhal, servindo como uma espécie de amortecimento contra traumas para essas duas estruturas.

Circulação do líquido cefalorraquidiano

O espaço subaracnoide é a região que fica entre as membranas aracnoide e pia-máter, que são duas camadas das meninges. A pressão do LCR dentro do espaço subaracnoide, conhecida como pressão liquórica, é 10 a 20 cmH2O quando o paciente está deitado e de 20 a 30 cmH2O quando o paciente está em pé. As cefaleias de baixa pressão ocorrem quando, por algum motivo, há extravasamento do LCR e queda dos valores da pressão liquórica.

A hipotensão liquórica provoca várias alterações na circulação cerebral, incluindo dilatação das veias intracranianas e das meninges, flacidez das estruturas intracranianas e estiramento dos nervos intracranianos sensoriais. Como resultado, o paciente desenvolve os sintomas da síndrome da hipotensão liquórica, que serão descritos mais à frente.

Tipos de cefaleia de baixa pressão

A cefaleia de baixa de pressão pode surgir sempre que o paciente desenvolve hipotensão liquórica. As três causas mais comuns são a punção lombar, a anestesia peridural e a raquianestesia.

Como surge a cefaleia espinhal

Cefaleia pós-raquianestesia

A anestesia raquidiana é realizada através da injeção de anestésicos dentro do espaço subaracnoide. Nessa modalidade anestésica, frequentemente utilizada em cirurgias ortopédicas nos membros inferiores e nos partos, o anestesista insere uma agulha bem fina nas costas do paciente, entre os espaços intervertebrais, até atingir o espaço subaracnoide. Em seguida, um anestésico é injetado dentro do líquor, produzindo dormência temporária e relaxamento muscular na metade inferior do corpo.

Ao se retirar a agulha, pode haver extravasamento de líquor através do pequeno orifício produzido pela punção. Quanto mais grossa for a agulha utilizada, maior é o risco de haver extravasamento de líquor.

Cefaleia pós-anestesia epidural (pós-punção dural)

A anestesia epidural (peridural) é feita de forma muito parecida com a anestesia raquidiana e também está indicada nos partos e nas cirurgias que envolvem a metade inferior do corpo. Porém, na anestesia epidural, a agulha é utilizada para inserir um fino cateter no espaço epidural. É através desse cateter que os anestésicos são administrados, inclusive no período pós-operatório.

Portanto, na anestesia epidural, o anestésico é administrado ao redor do canal espinhal, e não propriamente dentro, como é o caso da raquianestesia. Em situações normais, não há contato direto nem da agulha nem do cateter com o líquor.

A cefaleia pós-anestesia epidural pode surgir quando, no momento da punção do espaço epidural com a agulha, ocorre uma perfuração acidental da membrana da meninge que recobre o espaço subaracnoide. Esse pequeno furo ou rasgo acidental permite o extravasamento de líquor e consequente hipotensão liquórica.

Cefaleia pós-punção lombar

A punção lombar é um procedimento que consiste na coleta do líquido cefalorraquidiano através da inserção de uma agulha no espaço subaracnoide. O procedimento é semelhante àquele realizado na raquianestesia, porém, em vez de injetar um anestésico no local, o médico aspira uma pequena quantidade de líquor para que ele possa ser avaliado laboratorialmente à procura de sinais de doenças infecciosas, inflamatórias ou neoplásicas. A punção lombar é a principal forma de diagnóstico das meningites.

Assim como acontece na raquianestesia, o pequeno furo produzido pela agulha na punção lombar pode provocar extravasamento de líquor para fora do espaço subaracnoide.

Fatores de risco

Algumas pessoas parecem ser mais susceptíveis ao desenvolvimento de cefaleia de baixa pressão. Os principais fatores de risco identificados nos estudos são:

  • Sexo feminino: o risco é 2 a 3 vezes maior nas mulheres.
  • Gravidez: os elevados níveis de estrogênio circulante na gravidez fazem com que as grávidas tenham uma pressão liquórica mais baixa que o habitual. Por outro lado, durante o trabalho de parto há um aumento da pressão do líquido cefalorraquidiano, o que facilita o seu extravasamento após a realização da anestesia. Esses dois fatores combinados fazem com que a mulher que acabou de parir tenha um risco mais elevado de desenvolver essa forma de dor de cabeça.
  • Histórico de dor de cabeça: pessoas que já têm um histórico de cefaleias primárias ou secundárias estão sob maior risco (leia: Dor de Cabeça – Tipos, Sintomas e Sinais de Gravidade).
  • Idade: as cefaleias de baixa pressão são mais comuns em pacientes com idades entre 18 e 50 anos.
  • Índice de massa corporal (IMC): pessoas mais magras, com IMC menor 25 kg/m², parecem estar sob maior risco (leia: Calcule o seu peso ideal e IMC).
  • Desidratação: pacientes que se encontram desidratados no momento do procedimento ou no pós-operatório também tem mais chances de desenvolver cefaleia espinhal.

Tipo de agulha

Quanto mais calibrosa for a agulha, maior será o furo deixado por ela na meninge e, consequentemente, mais tempo levará para o organismo conseguir fechá-lo. Além do tamanho, o tipo de agulha também tem influência no orifício produzido, como podemos ver na imagem abaixo. As agulhas do tipo ponta de lápis (Whitacre ou Sprotte) são atualmente as mais indicadas.

Agulhas de anestesia
Tipos de agulha de anestesia

O número de punções também é importante. Quanto mais tentativas frustradas de punção forem feitas, maior é risco de haver extravasamento relevante do líquor.

Sintomas

A cefaleia de baixa pressão é uma dor de cabeça que se inicia entre 6 e 72 horas após a punção lombar ou procedimento anestésico. O quadro costuma ser mais intenso quando a cefaleia inicia-se já nas primeiras 24 horas.

A dor de cabeça é tipicamente frontal, latejante e pode ser bastante intensa. A sua principal característica é tornar-se mais forte quando o paciente fica em pé e aliviar quando ele se deita. Deitar com a barriga para baixo costuma ser a forma mais eficaz de aliviar a dor.

Em alguns casos, a cefaleia é tão intensa, que o paciente só consegue tolerá-la se ficar o dia inteiro deitado, às vezes até com a cabeça pendendo para fora da cama, abaixo do nível do corpo.

Sintomas associados ocorrem em até 70% dos casos e podem incluir náuseas, rigidez de nuca, dor lombar, vertigem, alterações na visão (visão dupla, visão turva ou fotofobia), tontura ou distúrbios auditivos (zumbidos e perda auditiva). Alguns pacientes sentem fraqueza intensa e sensação de colapso iminente quando ficam em pé por algum tempo. Há casos em que uma simples ida ao banheiro para urinar pode ser bastante dolorosa, princialmente nos homens, que urinam em pé.

Sem tratamento, a maioria dos casos melhora dentro de uma semana (média de 4 a 5 dias), mas há pacientes que demoram até 15 dias para ficarem completamente sem dor.

Tratamento

O tratamento da cefaleia de baixa pressão depende da gravidade da dor e do seu impacto na qualidade de vida do paciente.

Os pacientes que toleram ficar em pé e conseguem realizar suas atividades da vida diária apresentam um quadro leve e podem ser tratados apenas com analgésicos simples por via oral, como o paracetamol ou a dipirona, hidratação e repouso na cama, conforme necessário.

Nos casos mais graves, quando o paciente não consegue sair da cama, o tratamento deve ser feito com hidratação vigorosa e cafeína. Se o paciente ainda estiver internado, soro fisiológico, cafeína e analgésicos por via intra-venosa costumam ser utilizados.

Os pacientes que desenvolvem cefaleia depois de terem tido alta hospitalar devem beber muitos líquidos, pelo menos 2,5 litros por dia, incluindo aqueles ricos em cafeína*, como café, refrigerantes ou energéticos. Analgésicos por via oral de 6/6 ou 8/8 horas e repouso na cama por pelo menos 24 a 48 horas também estão indicados.

* A eficácia da cafeína ainda não está totalmente comprovada, mas muitos pacientes referem melhora e a taxa de efeitos colaterais costuma ser baixa.

Tampão sanguíneo epidural

Se a dor de cabeça não apresentar algum grau de melhora após 24 a 48 horas, o tampão sanguíneo peridural pode ser utilizado. Esse procedimento consiste na injeção de cerca de 15 ml de sangue do próprio paciente no espaço epidural, de forma a estimular a formação de um coágulo em frente ao orifício por onde o líquor está extravasando.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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