Introdução
O cigarro comum é um produto composto inicialmente por cerca de 600 substâncias diferentes. Digo inicialmente porque, ao ser aceso, o processo de combustão gera uma quantidade imensa de novas substâncias, fazendo com que um simples cigarro e sua fumaça contenham mais de 7000 substâncias químicas diferentes. Destas, 400 são sabidamente tóxicas e, pelo menos, 70 são reconhecidamente carcinogênicas, isto é, capazes de provocar câncer.
Dentre as centenas de substâncias nocivas do cigarro, podemos citar a acetona (usada como solvente de esmaltes, tintas e vernizes), amoníaco (utilizado em produtos de limpeza e fertilizantes), arsênio (presente em venenos de rato, inseticidas e herbicidas) e o monóxido de carbono (gás tóxico que sai dos escapamentos dos carros).
Apesar das informações acima já serem suficientes para afirmar que o cigarro é um produto extremamente tóxico e perigoso, por incrível que pareça, a realidade é ainda pior. Além de todas essas substâncias químicas tóxicas, o cigarro também contém substâncias altamente radioativas, como o polônio-210 e o chumbo-210.
Mas se você está surpreso por nunca ter ouvido falar que cigarros são produtos que emitem radiação ionizante, saiba que essa informação já é conhecida pela comunidade científica desde a década de 1960. Aliás, há pelo menos 50 anos que a indústria do tabaco tem conhecimento da presença de elementos radioativos em seus cigarro e nada faz para removê-los. Pelo contrário, todas as pesquisas sobre o assunto patrocinadas pela própria indústria foram escondidas do público nas últimas décadas.
Neste artigo explicaremos em detalhes que tipo de radiação o cigarro produz, qual é a sua quantidade e quais são os seus riscos para os fumantes e para as pessoas à sua volta.
Se você quiser saber mais sobre os danos que o cigarro pode provocar à sua saúde, leia também: Doenças do cigarro.
Informações em vídeo
Antes de seguirmos em frente, assista a esse curto vídeo que resume as informações contidas nesse artigo.
Onde podemos encontrar radiações ionizantes e não-ionizantes?
Antes de falarmos especificamente sobre a radiação dos cigarros, faz-se necessário esclarecer conceitos básicos sobre o termo radiação. Entender essa parte do texto é importante para que você, mais à frente, consiga ter a dimensão do quão grave é a radiação que um fumante é exposto ao longo de décadas de fumo.
A maioria das pessoas quando ouve falar de radiação pensa imediatamente em materiais radioativos produzidos por usinas nucleares ou bombas atômicas. Mas ser exposto à radiação é algo extremamente comum, muito mais do que você imagina. Radiação é qualquer propagação de energia de um ponto ao outro. Por exemplo, as ondas eletromagnéticas dos rádios, das emissoras de TV, dos telefones celulares, dos aparelhos de micro-ondas e a própria luz são formas de radiação. Essas radiações, porém, são inofensivas, pois fazem parte do grupo de radiações não-ionizantes.
Considera-se uma radiação ionizante aquela que tem energia suficiente para arrancar elétrons dos átomos, ou seja, que são capazes de ionizar átomos. No nosso organismo, a ionização de átomos pelas radiações ionizantes provoca lesões do DNA, dos cromossomos e das proteínas celulares. Quando a exposição é alta e aguda, ele costuma ser letal, como foram os casos do acidente radiológico em Goiânia com Césio-137 e do acidente nuclear de Chernobyl, ambos na década de 1980. Mas a exposição à radiação ionizante é perigosa mesmo em doses baixas, caso ela seja frequente, pois está associada a um maior risco de formação de cânceres.
O interessante nessa história é que a radiação ionizante não tem origem apenas em materiais radioativos produzidos pelo homem, há radiação ionizante de origem natural no ar que respiramos, na comida que comemos, nas paredes dos edifícios e no solo que pisamos.
Há também radiação de origem cósmica, que atinge nosso planeta, mas que felizmente é filtrada em boa parte pela nossa atmosfera e pelo campo magnético terrestre. A quantidade de radiação ionizante que recebemos em elevadas altitudes é maior do que a quantidade que recebemos quando estamos a nível do mar. Durante uma viagem de avião, por exemplo, recebemos mais radiação do que o habitual.
Logicamente, a quantidade total de radiação ionizante nessas fontes citadas acima é mínima, não sendo suficiente para causar danos à nossa saúde. Portanto, chamamos de radiação de fundo a quantidade de radiação ionizante que o nosso ambiente emite de forma natural, boa parte dela pela presença do elemento químico radônio no ar.
Veja na tabela abaixo a quantidade de radiação ionizante que algumas fontes naturais e artificias emitem. A unidade para medir a radiação utilizada abaixo é o milisievert (mSv):
- Radiação ionizante natural de fundo que uma pessoa é exposta ao longo de 1 ano inteiro ao nível do mar → 2 a 3 mSv (dependendo do local).
- Radiação ionizante presente em uma banana (devido à radiação produzida pelo potássio) → 0,0001 mSv.
- Radiação ionizante presente em 100 gramas de castanha do Pará (alimento mais radioativo conhecido, rico em potássio e rádio) → 0,01 mSv.
- Radiação ionizante de uma única radiografia de dente → 0,005 mSv.
- Radiação ionizante de uma única radiografia do braço → 0,01 mSv.
- Radiação ionizante de uma única radiografia de tórax → 0,02 mSv.
- Radiação ionizante emitida ao longo de um ano por uma casa construída por pedra, tijolo ou concreto → 0,07 mSv.
- Radiação ionizante que uma pessoa é exposta em uma viagem transatlântica de avião → 0,08 mSv.
- Dose anual média de radiação que um trabalhador de usina nuclear recebe → 0,18 mSv.
- Radiação ionizante de uma única tomografia computadorizada de crânio → 2 mSv.
- Radiação ionizante que uma pessoa atualmente recebe se ficar durante 1 hora na usina nuclear de Chernobyl → 6 mSv.
- Radiação ionizante de uma única tomografia computadorizada de abdômen → 8 mSv.
- Dose média de radiação ionizante recebida pela tripulação de voos transatlânticos ao longo de 1 ano → 9 mSv.
- Dose máxima anual de radiação ionizante permitida por lei para uma pessoa que trabalha com exposição à radiação → 20 mSv.
- Dose anual de radiação ionizante claramente associada ao surgimento de cânceres → 100 mSv.
- Dose de radiação ionizante recebida em curto intervalo de tempo capaz de provocar alterações imediatas nas células do sangue → 100 mSv.
- Dose de radiação ionizante recebida em curto intervalo de tempo capaz de provocar sintomas de intoxicação por radioatividade → 400 mSv.
- Dose de radiação ionizante recebida em curto intervalo de tempo que é potencialmente fatal → 4000 mSv.
- Dose média de radiação ionizante recebida pelos trabalhadores de Chernobyl que morreram no primeiro mês após o acidente → 6000 mSv.
- Dose de radiação ionizante recebida em curto intervalo de tempo que é fatal, mesmo com pronto atendimento médico → 8000 mSv.
Quantidade de radiação recebida por um fumante
Agora que já temos uma noção básica dos perigos da radiação ionizante e das doses de radiação de várias fontes naturais e artificiais, podemos focar nosso artigo na radioatividade do cigarro.
Os cigarros são radioativos porque contêm polônio-210 e chumbo-210. Esses elementos penetram nas lavouras de tabaco por causa do tipo de fertilizante habitualmente utilizado para o seu cultivo. Uma vez que a folha de tabaco absorva elementos radioativos, não há como retirá-los.
Estudos científicos publicados nos últimos 50 anos mostram que uma pessoa que fuma diariamente um maço e meio de cigarros ao longo de um ano recebe cerca de 4,6 mSv de radiação causada pela presença de polônio-210 e chumbo-210. Essa quantidade de radiação, que é cerca de 50 a 100% maior que a radiação natural de fundo, não parece, à primeira vista, algo muito grave. O problema, porém, é a forma como esses elementos radioativos se acumulam no pulmão. Nos fumantes, o alcatrão presente no cigarro tende a se depositar nas áreas de bifurcação dos brônquios, absorvendo consigo quantidades relevantes de polônio e chumbo radioativos.
Esse acúmulo de material radioativo nos brônquios expõe o pulmão do fumante a níveis elevados de radiação. uma pessoa que fuma cerca de 30 cigarros por dia (1 maço e meio) chega a receber ao longo do ano uma radiação de 80 a 160 mSv em determinados pontos do pulmão. Reparem na gravidade dessa dose de radiação. Se usarmos a estimativa mais baixa de radiação (80 mSv por ano), ainda assim o consumo diário de 1,5 maço de cigarros por ano equivale a:
- Radiação cumulativa equivalente a 4000 radiografias de tórax.
- 444 vezes mais radiação anual que um trabalhador de uma usina nuclear recebe.
- 40 vezes mais que a radiação natural de fundo.
- 4 vezes a dose anual máxima permitida para pessoas que trabalham com radiação.
Fumantes são radioativos?
Se nós dizemos que há acúmulo de material radioativo no pulmão de fumantes, é natural que você imediatamente questione se o seu amigo ou familiar fumante que está ao seu lado é uma potencial fonte de radiação. A resposta é sim e não.
A resposta é sim, se vocês morarem juntos e você for um fumante passivo. Cerca de 75% do polônio-210 presente na fumaça do cigarro não é absorvida pelo próprio fumante e acaba se espalhando pelo ar, podendo ser inalada por não-fumantes ao seu redor. A quantidade total de polônio-210 absorvida por fumantes passivos é desconhecida, mas ao longo de anos de exposição é provável que ela seja relevante.
Por outro lado, a resposta é não, caso o seu contato com o fumante se dê somente quando ele não está fumando. Apesar de haver material radioativo depositado nos pulmões do fumante, a radiação emitida pelo Po-210 é do tipo alfa, que tem baixa capacidade de penetrar os tecidos. Isso significa, portanto, que a ação radioativa do Po-210 fica restrita a pequenas regiões dos pulmões, apenas onde há depósito de material radioativo. Você pode até abraçar o seu amigo fumante, que nenhuma radiação extra irá lhe atingir.
Referências
- Radiation-related risks of imaging – UpToDate.
- Cigarette Smoking and Radiation – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Radiation in Tobacco – U.S. Environmental Protection Agency.
- Radiation Sources and Doses – U.S. Environmental Protection Agency.
- Waking a Sleeping Giant: The Tobacco Industry’s Response to the Polonium-210 Issue – American Journal of Public Health.
- Radioactive polonium in cigarette smoke – Cancer Research UK.
- Radioactivity of cigarettes and the importance of (210)Po and thorium isotopes for radiation dose assessment due to smoking – Journal of environmental radioactivity.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.