Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC), também chamado de derrame cerebral, é uma das principais causas de mortalidade e incapacidade no mundo, sendo tradicionalmente associado ao envelhecimento populacional.
No entanto, nas últimas décadas, observamos um aumento progressivo na incidência de AVC entre adultos jovens, definidos na maioria dos estudos como indivíduos com menos de 50 anos de idade.
Estima-se que aproximadamente 10% a 15% de todos os casos de AVC ocorram nessa faixa etária. Essa mudança no perfil epidemiológico tem implicações relevantes para a saúde pública, uma vez que atinge indivíduos em idade economicamente ativa, frequentemente sem histórico prévio de comorbidades significativas.
Além do impacto social e funcional do evento cerebrovascular precoce, há desafios diagnósticos importantes. Em jovens, o AVC pode ser subestimado ou confundido com outras condições neurológicas, o que pode atrasar o início do tratamento apropriado e comprometer o prognóstico.
Ademais, os mecanismos fisiopatológicos e os fatores de risco nessa população são mais heterogêneos e incluem, além dos fatores tradicionais (como hipertensão arterial e diabetes mellitus), causas menos frequentes, como estados de hipercoagulabilidade, dissecções arteriais e uso de substâncias psicoativas.
O que é um AVC?
O AVC ocorre quando há interrupção súbita do fluxo sanguíneo cerebral, levando à morte de células nervosas por falta de oxigênio e nutrientes.
Os acidentes vasculares cerebrais são classificados em dois tipos principais:
- AVC isquêmico, responsável por cerca de 80% dos casos e caracterizado pela obstrução de uma artéria cerebral;
- AVC hemorrágico, decorrente do rompimento de um vaso sanguíneo.
Em adultos jovens, o AVC isquêmico é o tipo mais frequente e apresenta etiologias diversas, muitas vezes distintas daquelas observadas em idosos. A variedade de mecanismos subjacentes nessa população exige, habitualmente, uma investigação diagnóstica bem abrangente que nos idosos.

Explicamos as causas do AVC com mais detalhes no artigo: AVC (derrame cerebral): sintomas, causas e tratamento.
Epidemiologia do AVC em jovens
O AVC em adultos jovens representa aproximadamente 10% a 15% de todos os casos de acidente vascular cerebral registrados globalmente. Embora historicamente considerado um evento raro nessa faixa etária, diversos estudos epidemiológicos demonstram um aumento consistente na incidência nas últimas décadas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de AVC entre pessoas de 20 a 44 anos passou de 17 por 100.000 habitantes em 1993 para 28 por 100.000 em 2015. Tendência semelhante foi observada em países europeus como França e Países Baixos, onde o crescimento foi especialmente marcado entre indivíduos com mais de 35 anos.
A análise por sexo revela um padrão etário específico: mulheres apresentam maior incidência de AVC abaixo dos 35 anos, enquanto os homens predominam entre os 45 e 49 anos. Já em termos raciais e étnicos, estudos indicam taxas mais elevadas entre populações negras e hispânicas em comparação com brancos, além de maior mortalidade precoce e piores desfechos funcionais nesses grupos.
Esses dados refletem não apenas mudanças no estilo de vida e aumento dos fatores de risco tradicionais entre os jovens, mas também maior vigilância diagnóstica e acesso a métodos de imagem mais sensíveis ao longo do tempo.
Por que os casos de AVC em jovens estão aumentando?
O aumento da incidência de derrame em jovens é multifatorial e reflete mudanças significativas no perfil de saúde das populações nas últimas décadas. Um dos principais determinantes é a maior prevalência precoce de fatores de risco tradicionais, como hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus, obesidade e tabagismo — condições anteriormente mais restritas a faixas etárias mais avançadas.
Além disso, o uso crescente de drogas ilícitas (particularmente cocaína, metanfetamina e heroína), a alimentação inadequada, o sedentarismo e o uso de contraceptivos hormonais com estrogênio contribuem de forma significativa, especialmente entre mulheres jovens.
Também se observa maior identificação de causas menos comuns de AVC, como dissecções cervicais, trombofilias hereditárias, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo e forame oval patente. Isso decorre em parte da ampliação do acesso a exames complementares mais sofisticados e da crescente atenção da comunidade médica às etiologias não tradicionais em pacientes jovens.
Por fim, é provável que fatores sociais, como desigualdades no acesso ao diagnóstico precoce e ao controle de doenças crônicas, também desempenhem um papel, particularmente em populações vulneráveis e de baixa renda.
Principais causas de AVC em jovens
Os fatores de risco para o acidente vascular cerebral em adultos jovens são variados e frequentemente coexistem. Alguns deles são os mesmos encontrados em pacientes mais velhos, mas outros são mais específicos dessa faixa etária e, por isso, podem passar despercebidos na prática clínica.
1. Fatores tradicionais
Fatores clássicos como hipertensão arterial, diabetes mellitus, colesterol elevado (dislipidemia), obesidade e tabagismo são amplamente reconhecidos como causas de AVC. Embora tradicionalmente associados ao envelhecimento, estudos demonstram que esses fatores estão cada vez mais presentes em adultos jovens com AVC.
Por exemplo, um estudo de base populacional nos Estados Unidos encontrou taxas de hipertensão em 42% e obesidade em 40% entre jovens com AVC isquêmico, com considerável sobreposição entre os fatores. O tabagismo, por sua vez, é ainda mais prevalente entre jovens com AVC do que entre os idosos acometidos, com risco relativo estimado de 2,9 vezes maior para quem fuma.
Essas condições não apenas aumentam o risco por si só, mas também podem atuar como amplificadores de risco quando associadas a outras causas, como enxaqueca ou distúrbios da coagulação.
2. Estilo de vida: drogas, álcool e sedentarismo
O comportamento e os hábitos de vida são determinantes fundamentais para o risco vascular em jovens. O uso de drogas ilícitas, particularmente cocaína e metanfetamina, está fortemente associado ao AVC tanto isquêmico quanto hemorrágico. Essas substâncias podem causar vasoespasmo intenso, inflamação da parede arterial, arritmias cardíacas e picos hipertensivos, levando à ruptura ou obstrução de vasos cerebrais.
O consumo excessivo de álcool, especialmente em episódios de alta ingestão, também contribui para o risco, além de estar associado a arritmias e traumatismos que podem desencadear dissecções arteriais cervicais.
A inatividade física e uma alimentação inadequada, rica em sódio, açúcares e alimentos ultraprocessados, favorecem a obesidade e distúrbios metabólicos, tornando o ambiente fisiológico mais propenso a eventos trombóticos.
3. Fatores específicos das mulheres
Entre as mulheres jovens, alguns fatores merecem atenção especial:
- Uso de anticoncepcionais orais combinados (com estrogênio): aumenta o risco de AVC, especialmente em presença de outros fatores como enxaqueca e tabagismo. O estrogênio promove um estado pró-trombótico ao elevar fatores de coagulação e reduzir mecanismos anticoagulantes naturais. Nas últimas décadas, a quantidade de estrogênio nas pílulas tem vindo a ser reduzida, com o objetivo de diminuir o risco de eventos trombóticos (leitura sugerida: 10 possíveis efeitos colaterais da pílula anticoncepcional).
- Enxaqueca com aura: além de ser mais comum em mulheres, a enxaqueca com aura está associada a um risco até duas vezes maior de AVC isquêmico. Quando associada ao uso de anticoncepcional e ao tabagismo, o risco pode ser até 9 vezes maior em comparação com mulheres que não apresentam nenhum desses fatores.
- Gravidez e puerpério: a gravidez e os dois primeiros meses após o parto são períodos de risco aumentado para eventos trombóticos, devido às alterações fisiológicas na coagulação sanguínea e ao potencial desenvolvimento de hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia. Estima-se que ocorram 30 AVC a cada 100.000 gestações, uma taxa muito maior que a de AVC em mulheres não grávidas da mesma idade.
4. Doenças genéticas associadas ao risco de AVC
Algumas doenças hereditárias alteram o equilíbrio do sistema de coagulação sanguínea, favorecendo a formação de coágulos mesmo na ausência de fatores de risco tradicionais.
Essas condições são mais comuns em determinadas populações e, muitas vezes, passam despercebidas até que ocorra um evento agudo, como o AVC.
Entre as principais, podemos citar:
- Mutação do fator V Leiden: causa resistência à proteína C ativada, provocando um distúrbio da coagulação do sangue em que o organismo não consegue desativar adequadamente o fator V, uma proteína essencial do processo de coagulação. Como resultado, o sangue permanece em estado pró-coagulante por mais tempo do que o normal, aumentando o risco de formação de trombos (coágulos), principalmente em veias — mas também, em alguns casos, em artérias cerebrais, levando a eventos como o AVC isquêmico. A mutação do fator V de Leiden é a trombofilia genética mais comum em indivíduos de origem europeia.
- Mutação da protrombina G20210A: alteração genética que leva à produção aumentada de protrombina (fator II), uma proteína essencial na formação de coágulos. Esse excesso favorece um estado pró-trombótico, elevando o risco de trombose venosa e, em alguns casos, AVC isquêmico, especialmente em jovens com outros fatores associados. Embora rara na população geral, é identificada com mais frequência em jovens com AVC de causa indeterminada.
- Deficiências de proteína C, proteína S e antitrombina III: essas proteínas são anticoagulantes naturais. Sua deficiência, herdada geneticamente, reduz a capacidade do organismo de controlar a coagulação. Apesar de menos prevalentes, são altamente trombogênicas e devem ser investigadas em pacientes com histórico pessoal ou familiar de eventos trombóticos precoces.
Outras condições hematológicas que interferem na coagulação sanguínea e aumentam o risco de AVC:
- Policitemia vera.
- Trombocitemia essencial.
- Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT).
- Trombocitopenia induzida por heparina (HIT).
Essas alterações não costumam provocar sintomas até que ocorra um evento clínico, como uma trombose venosa profunda, embolia pulmonar ou AVC isquêmico. Em jovens com AVC sem causa identificada, especialmente com história familiar de trombose, a triagem para trombofilias é indicada.
5. Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF)
Entre os mecanismos autoimunes associados ao AVC em jovens, destaca-se a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF). Essa condição ocorre quando o sistema imunológico produz anticorpos que interferem nos mecanismos normais de anticoagulação e levam à formação de coágulos em artérias e veias.
A SAF pode ocorrer de forma isolada ou associada a outras doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico. Mulheres jovens são as mais frequentemente afetadas, e o risco de AVC pode ser significativamente elevado. Em alguns estudos, até 1 em cada 5 pacientes com menos de 50 anos que sofreram um AVC apresentavam evidência de SAF.
Além do risco neurológico, a SAF também está associada a complicações obstétricas, como perdas gestacionais recorrentes, pré-eclâmpsia e insuficiência placentária. O tratamento envolve anticoagulação, geralmente com varfarina ou heparinas de baixo peso molecular, e em alguns casos imunossupressores.
6. Estados de hipercoagulabilidade adquiridos ou hematológicos
Algumas doenças do sangue ou condições adquiridas podem levar a um estado de hipercoagulabilidade — ou seja, uma maior tendência à formação de coágulos. Uma das mais relevantes no contexto do AVC em jovens é a doença falciforme, condição genética prevalente entre pessoas negras.
Na doença falciforme, os glóbulos vermelhos assumem uma forma anormal (semelhante a uma foice), tornando-se rígidos e aderentes. Isso compromete o fluxo sanguíneo e favorece a oclusão de pequenos vasos, incluindo artérias cerebrais. Estima-se que até 25% dos indivíduos com doença falciforme tenham um AVC até os 45 anos, sendo o risco maior na infância e adolescência.
Outros estados adquiridos de hipercoagulabilidade incluem:
- Cânceres ativos, especialmente os hematológicos.
- Gravidez e puerpério, por alterações fisiológicas no sistema de coagulação.
- Síndromes metabólicas, como obesidade e resistência à insulina, que promovem inflamação e alterações na fibrinólise.
Além disso, níveis elevados de homocisteína no sangue (hiper-homocisteinemia), que podem ter origem genética ou nutricional (deficiência de folato, vitamina B6 e B12), também estão associados ao aumento do risco trombótico, inclusive em artérias cerebrais.
Essas condições, embora menos visíveis do que os fatores de risco tradicionais, são responsáveis por uma fração relevante dos casos de AVC em jovens e exigem avaliação laboratorial especializada.
7. Anomalias cardíacas e causas estruturais
Causas de origem cardíaca são responsáveis por uma parcela significativa dos AVC em jovens, especialmente nos casos classificados como criptogênicos (sem causa definida após investigação inicial).
A causa mais comum de AVC por anomalia estrutural cardíaca é o forame oval patente (FOP).
O FOP é uma pequena abertura entre as câmaras superiores do coração (átrios) que todos os bebês têm durante a gestação. Em condições normais, essa abertura se fecha após o nascimento. No entanto, em cerca de 25% da população geral, ela permanece aberta por toda a vida — o que, por si só, não costuma causar sintomas.
O problema ocorre quando um coágulo sanguíneo, geralmente formado nas veias das pernas, atravessa essa abertura anormal no coração e entra diretamente na circulação arterial. Sem passar pelos pulmões, onde normalmente seria filtrado, esse coágulo pode chegar ao cérebro e provocar um AVC isquêmico. Esse tipo de evento é conhecido como embolia paradoxal.
Em pessoas que tiveram um AVC criptogênico — ou seja, sem causa identificável mesmo após investigação — o FOP é encontrado com mais frequência, presente em até 45% dos casos. Isso faz com que ele seja um dos mecanismos mais investigados nessa faixa etária.
O diagnóstico é feito por meio de exames específicos do coração, como o ecocardiograma com contraste (microbolhas).
Outras causas cardíacas de AVC em jovens incluem cardiopatias congênitas, miocardiopatias, valvopatias e, com crescente relevância, a endocardite infecciosa — uma infecção das válvulas cardíacas, mais comum em usuários de drogas injetáveis e que tem aumentado entre jovens nos últimos anos.
8. Fibrilação atrial
Outra condição cardíaca que pode levar ao AVC é a fibrilação atrial (FA), um tipo de arritmia em que os átrios do coração batem de forma desorganizada e rápida. Isso faz com que o sangue fique parado em certas regiões do coração, favorecendo a formação de coágulos. Se um desses coágulos se soltar, pode viajar até o cérebro e obstruir uma artéria, causando um AVC isquêmico.

Embora a FA seja mais comum em pessoas idosas, também pode ocorrer em jovens, especialmente na presença de cardiopatias, hipertensão, uso de substâncias ou histórico familiar. Seu diagnóstico é feito por eletrocardiograma, e o tratamento visa controlar o ritmo cardíaco e prevenir a formação de coágulos com anticoagulantes (leia: Fibrilação atrial: o que é, causas, tratamento, risco de AVC).
9. Doenças infecciosas e inflamatórias sistêmicas
Embora menos lembradas no contexto do AVC, infecções agudas e doenças inflamatórias crônicas podem desempenhar um papel direto ou indireto no desenvolvimento de acidente vascular cerebral em jovens. Esses mecanismos envolvem inflamação sistêmica, ativação da coagulação, dano ao endotélio vascular e, em alguns casos, vasculites francas.
Infecções agudas
Infecções comuns, como pneumonia e pielonefrite, já foram associadas ao aumento temporário do risco de AVC, especialmente nos dias e semanas após o início do quadro infeccioso. Acredita-se que a inflamação sistêmica causada por essas infecções ative o sistema de coagulação e contribua para a instabilidade da função endotelial, favorecendo a formação de coágulos.
HIV e outras infecções crônicas
A infecção pelo vírus HIV é uma causa reconhecida de AVC em jovens. Os mecanismos incluem inflamação crônica dos vasos, alterações lipídicas, maior frequência de coagulopatias e maior risco de endocardite e arritmias. A própria imunodeficiência, bem como o uso de certos antirretrovirais, também pode contribuir para esse risco.
A Covid-19 também tem sido associada a eventos trombóticos, inclusive AVC, mesmo em pessoas jovens. A resposta inflamatória exacerbada, combinada a lesões endoteliais e alterações no sistema de coagulação, pode levar à formação de trombos cerebrais, mesmo na ausência de fatores de risco tradicionais.
Outras infecções que aumentam o risco de AVC:
- Meningite bacteriana.
- Catapora.
- Sífilis.
- Tuberculose do sistema nervoso central.
Nota importante: apesar de especulações nas redes sociais, não há evidência científica de que vacinas — incluindo as vacinas contra a Covid-19 — causem AVC em jovens. Estudos de alta qualidade envolvendo milhões de pessoas mostraram que os eventos cerebrovasculares após a vacinação são extremamente raros e, quando ocorrem, geralmente não têm relação causal com o imunizante. Ao contrário, infecções virais graves, como a própria Covid-19, aumentam comprovadamente o risco de AVC devido à inflamação sistêmica e ao estado pró-trombótico induzido pelo vírus.
Doenças inflamatórias intestinais
Jovens com doença de Crohn ou retocolite ulcerativa — duas formas principais de doença inflamatória intestinal — também apresentam risco aumentado de trombose, incluindo AVC. Isso se deve ao estado inflamatório crônico, à hipercoagulabilidade associada e, possivelmente, aos efeitos colaterais de medicamentos imunossupressores utilizados no tratamento.
Vasculites e doenças autoimunes
As vasculites, inflamações que afetam diretamente as paredes dos vasos sanguíneos, são causas importantes de AVC em jovens, embora raras. Entre as principais:
- Arterite de Takayasu: acomete grandes vasos, como a aorta e seus ramos, geralmente em mulheres jovens.
- Vasculite primária do sistema nervoso central: inflamação que afeta exclusivamente os vasos cerebrais, podendo causar infartos múltiplos e de distribuição atípica.
- Lúpus eritematoso sistêmico (LES): além de causar vasculite, o lúpus está frequentemente associado à síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, que, por si só, é altamente trombogênica.
Essas condições muitas vezes cursam com sintomas prévios como febre, dor articular, perda de peso, lesões cutâneas ou alterações laboratoriais inflamatórias, e requerem abordagem multidisciplinar.
10. Dissecção arterial
A dissecção arterial é a causa identificável mais comum de AVC isquêmico em adultos jovens, responsável por até 27% dos casos em alguns estudos.
A dissecção arterial ocorre quando há um rasgo na camada interna da parede de uma artéria, geralmente a carótida ou a vertebral, permitindo que o sangue entre e forme um hematoma que estreita ou obstrui o fluxo sanguíneo cerebral.
A dissecção pode ocorrer espontaneamente ou ser precipitada por traumas cervicais leves, como movimentos bruscos do pescoço, manipulação quiroprática, acidentes automobilísticos ou esportes de contato. Os sintomas mais comuns incluem:
- Dor súbita no pescoço ou na cabeça (frequentemente intensa e unilateral);
- Sinais neurológicos focais;
- Síndrome de Horner (queda da pálpebra, miose, anidrose facial).
O prognóstico costuma ser favorável, especialmente com diagnóstico precoce. O tratamento inclui anticoagulação ou antiagregação plaquetária.
11. Doença de Moyamoya
A doença de Moyamoya é uma condição crônica e progressiva caracterizada pelo estreitamento das artérias do cérebro na base do crânio, com formação de finos vasos colaterais, que lembram “fumaça” em exames de imagem (daí o nome em japonês: moyamoya = “nuvem de fumaça”).
Ela é responsável por até 24% dos casos de AVC em certas populações jovens, principalmente no leste asiático, mas também pode ocorrer esporadicamente em outras etnias. Pode se apresentar como:
- AVC isquêmico;
- AVC hemorrágico;
- Ataque isquêmico transitório (AIT);
- Cefaleias e convulsões.
A doença de Moyamoya pode ser idiopática (sem causa definida) ou associada a síndromes genéticas (como neurofibromatose tipo 1 e síndrome de Down).
O tratamento envolve cirurgia de revascularização cerebral, com o objetivo de melhorar o suprimento sanguíneo ao cérebro e reduzir o risco de novos eventos.
Como identificar um AVC em jovens?
O reconhecimento precoce dos sinais de um AVC é fundamental para que o tratamento seja iniciado o mais rapidamente possível. No entanto, em adultos jovens, o diagnóstico pode ser retardado devido à menor suspeita clínica — tanto por parte dos profissionais de saúde quanto dos próprios pacientes e familiares — especialmente na ausência de fatores de risco clássicos.
Principais sinais e sintomas do AVC em jovens
Os sintomas do AVC em jovens são, na maioria das vezes, semelhantes aos observados em adultos mais velhos. Os mais comuns incluem:
- Fraqueza ou dormência em um lado do corpo (rosto, braço ou perna);
- Alterações na fala (fala enrolada, dificuldade para encontrar palavras ou compreender frases);
- Assimetria facial (um lado do rosto caído);
- Alteração da visão (visão dupla, perda súbita da visão de um olho);
- Tontura intensa, desequilíbrio ou dificuldade para andar;
- Dor de cabeça súbita e intensa, sem causa aparente, especialmente quando associada a náuseas, vômitos ou alterações do nível de consciência.
Em casos específicos, o AVC pode se manifestar de forma mais atípica em jovens, como:
- Convulsões, especialmente quando não há histórico prévio;
- Confusão mental aguda, alterações de comportamento ou distúrbios psiquiátricos;
- Síndromes neurológicas focais incomuns, como perda auditiva súbita ou formigamento isolado em regiões do corpo.
A importância do tempo no AVC
O AVC é uma emergência médica. Existe uma janela terapêutica de poucas horas para que intervenções como a trombólise (uso de medicamentos para dissolver o coágulo) ou a trombectomia mecânica (remoção do coágulo por cateterismo) sejam eficazes. Por isso, reconhecer os sinais e acionar o serviço de emergência imediatamente é fundamental para preservar o tecido cerebral e reduzir sequelas.
Tratamento do AVC em jovens
O acidente vascular cerebral, mesmo quando ocorre em pessoas jovens, é uma condição grave e potencialmente incapacitante. No entanto, a chance de recuperação costuma ser mais favorável em jovens do que em idosos, graças à maior reserva neurológica, menor carga de comorbidades e maior capacidade de reabilitação funcional. Ainda assim, muitos pacientes apresentam sequelas físicas, cognitivas ou emocionais, especialmente quando o diagnóstico ou o tratamento são retardados.
Tratamento agudo
O tratamento inicial do AVC tem como prioridade restabelecer o fluxo sanguíneo cerebral o mais rápido possível. Em casos de AVC isquêmico, as duas principais abordagens são:
- Trombólise com medicamentos (alteplase): indicada se o paciente chegar ao hospital dentro de um intervalo de até 4,5 horas após o início dos sintomas e não houver contraindicações.
- Trombectomia mecânica: consiste na remoção do coágulo por meio de um cateter introduzido pela artéria femoral. É indicada em casos de oclusões de grandes vasos e pode ser realizada em até 6 horas (ou até 24 horas, em casos selecionados com base em imagem cerebral).
Em casos de AVC hemorrágico, o tratamento é direcionado ao controle da pressão arterial, da coagulação e, em alguns casos, pode envolver cirurgia para aliviar a pressão no cérebro.
A internação geralmente ocorre em unidades de AVC (stroke units) ou em unidades de terapia intensiva, onde é feito o monitoramento neurológico, controle de complicações e início precoce da reabilitação.
Investigação da causa e prevenção de novos episódios
Nos jovens, é essencial realizar uma investigação etiológica ampla, que pode incluir:
- Exames de imagem cerebral e vascular (angiotomografia, ressonância magnética);
- Ecocardiograma com microbolhas, para detectar forame oval patente ou cardiopatias;
- Painel de trombofilias, testes autoimunes e marcadores inflamatórios;
- Monitoramento cardíaco prolongado, em busca de arritmias como fibrilação atrial.
A partir da causa identificada, é definido o tratamento de longo prazo, que pode incluir:
- Antiplaquetários (como aspirina);
- Anticoagulantes, em casos de fibrilação atrial, trombofilias ou FOP com embolia paradoxal;
- Controle rigoroso de fatores de risco, como hipertensão, diabetes e colesterol;
- Fechamento de FOP, em casos selecionados;
- Tratamento imunossupressor, quando o AVC estiver relacionado a doenças autoimunes.
Reabilitação e qualidade de vida
Após a fase aguda, o foco se volta para a reabilitação neurológica, que deve começar o mais cedo possível. Pode envolver:
- Fisioterapia motora;
- Fonoaudiologia, para reabilitação da fala e da deglutição;
- Terapia ocupacional;
- Acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, quando há impacto emocional ou cognitivo.
Embora muitos jovens recuperem a independência funcional, um número expressivo enfrenta dificuldades para retomar plenamente sua vida pessoal, profissional e social. Estima-se que até um terço permaneça afastado do trabalho por anos após o evento.
Como reduzir o risco de AVC em jovens?
A prevenção do AVC em adultos jovens exige uma abordagem abrangente que vá além dos fatores de risco clássicos. Como muitos desses indivíduos não apresentam doenças crônicas diagnosticadas, a prevenção deve focar tanto em hábitos de vida saudáveis quanto na identificação precoce de condições silenciosas, como distúrbios genéticos de coagulação, arritmias ou doenças autoimunes.
1. Controle dos fatores de risco tradicionais
Fatores como hipertensão, diabetes, dislipidemia, obesidade e tabagismo estão cada vez mais presentes em jovens. Seu controle é essencial para prevenir o AVC e outras doenças cardiovasculares.
- Pressão arterial: deve ser aferida regularmente. Valores persistentemente acima de 130/80 mmHg merecem atenção e possível tratamento.
- Glicemia e colesterol: exames de rotina podem detectar alterações precoces, especialmente em pessoas com histórico familiar ou sobrepeso.
- Peso corporal: manter o índice de massa corporal (IMC) dentro dos limites adequados reduz o risco de múltiplas comorbidades.
- Tabagismo: parar de fumar é uma das medidas mais efetivas para reduzir o risco de AVC. O uso de cigarros eletrônicos também não é isento de risco.
2. Alimentação e atividade física
A adoção de padrões alimentares saudáveis, como a dieta mediterrânea ou a DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), associada à prática regular de atividade física aeróbica moderada, reduz de forma significativa o risco de eventos cardiovasculares.
- Recomenda-se pelo menos 150 minutos de exercício por semana, distribuídos em sessões de 30 a 60 minutos.
- A redução do consumo de sódio, gordura saturada e alimentos ultraprocessados é especialmente importante entre jovens com histórico familiar de doenças vasculares.
3. Redução do consumo de álcool e drogas ilícitas
O consumo abusivo de álcool, sobretudo em grandes quantidades em um curto período, e o uso de substâncias como cocaína, metanfetamina, heroína e até cannabis têm sido associados ao aumento do risco de AVC, incluindo eventos hemorrágicos. O uso de drogas deve ser abordado com estratégias de prevenção, apoio psicossocial e, quando necessário, tratamento especializado.
4. Saúde da mulher
Em mulheres jovens, é importante:
- Avaliar o risco trombótico antes de iniciar anticoncepcionais hormonais combinados, principalmente em casos de enxaqueca com aura ou histórico familiar de trombose;
- Monitorar a pressão arterial e outros marcadores de risco durante a gravidez e o puerpério;
- Identificar sinais de doenças autoimunes, como lúpus, em mulheres com histórico de abortos recorrentes, fenômenos vasculares ou alterações laboratoriais.
5. Rastreio de condições silenciosas
Pacientes com história familiar de AVC precoce, tromboses incomuns, enxaqueca com aura severa, doenças autoimunes ou cardiopatias congênitas devem ser avaliados com maior rigor. Investigações como:
- Exames de trombofilias (fator V Leiden, protrombina G20210A, proteína C/S, antitrombina III);
- Ecocardiograma com microbolhas, em caso de suspeita de forame oval patente;
- Monitoramento cardíaco prolongado, se houver suspeita de arritmia intermitente;
- Exames autoimunes, em pacientes com sintomas sistêmicos.
Essas medidas permitem a prevenção secundária eficaz em pessoas com maior risco, mesmo antes do primeiro evento clínico.
Referências
- Ischemic stroke in children and young adults: Epidemiology, etiology, and risk factors – UpToDate.
- Analysis of 1008 consecutive patients aged 15 to 49 with first-ever ischemic stroke: the Helsinki young stroke registry – Stroke.
- Risk Factors for Ischemic Stroke in Younger Adults: A Focused Update – Stroke.
- Stroke in Young Adults – Journal of clinical medicine.
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.