O que é genética?
Genética é o ramo da biologia que estuda os genes, a hereditariedade e a variação nos organismos. Ela investiga como as características são passadas de uma geração para outra e como as informações contidas no DNA influenciam o desenvolvimento e o funcionamento dos seres vivos. Em essência, a genética busca entender como os traços físicos, comportamentais e até doenças são transmitidos dos pais para os filhos.
Neste artigo explicaremos os principais termos e conceitos da genética, incluindo genes, DNA, RNA, cromossomos, alelos, genoma, mutação, etc.
O que são seres eucariontes e procariontes?
Os seres vivos são classificados de duas formas, consoante a organização das suas células.
Seres procariontes
Os seres procariontes (ou procariotos) são organismos cujas células não possuem núcleo delimitado por uma membrana. Toda a estrutura celular dos procariontes é mais simples e menos compartimentada. Características principais dos procariontes incluem:
- Ausência de núcleo verdadeiro: o material genético (DNA) está livre no citoplasma, em uma região chamada de nucleoide, e não está envolto por uma membrana nuclear.
- Organismos unicelulares: os procariontes são sempre organismos unicelulares, como as bactérias e arqueas. Isso significa que eles são constituídos por apenas uma célula.
- Organelas simples: não possuem organelas membranosas, como mitocôndrias ou complexo de Golgi. Algumas estruturas presentes nos procariontes são ribossomos (responsáveis pela síntese de proteínas) e a membrana plasmática.
- Reprodução assexuada: a reprodução geralmente ocorre por fissão binária, que é um processo simples de divisão celular que resulta em duas células geneticamente idênticas.
Os procariontes são organismos bastante antigos, considerados os primeiros seres vivos que habitaram a Terra, e estão presentes em praticamente todos os ambientes, incluindo condições extremas, como fontes termais ou locais de alta salinidade.
Seres eucariontes
Os seres eucariontes (ou eucariotos) possuem células mais complexas, nas quais o material genético está armazenado dentro de um núcleo verdadeiro, que é envolto por uma membrana nuclear. Os eucariontes possuem diversas organelas internas que realizam funções específicas na célula. Características principais dos eucariontes incluem:
- Núcleo verdadeiro: o material genético (DNA) está organizado e protegido dentro de um núcleo, separado do restante da célula por uma membrana nuclear. O material genético pode estar no formato de cromatina, quando a célula não está se dividindo, ou no formato de cromossomos, quando a célula se prepara para a divisão.
- Presença de organelas membranosas: as células eucariontes possuem várias organelas especializadas, como as mitocôndrias (responsáveis pela produção de energia), retículo endoplasmático, complexo de Golgi, lisossomos e, no caso das células vegetais, cloroplastos (responsáveis pela fotossíntese).
- Organismos unicelulares e multicelulares: os eucariontes podem ser tanto organismos unicelulares, como algumas algas e protozoários, quanto organismos multicelulares, como plantas, animais e fungos.
- Reprodução variada: a reprodução pode ocorrer tanto de forma assexuada (mitose) quanto sexuada (meiose), proporcionando maior variabilidade genética.
Os eucariontes formam a maior parte da diversidade de seres vivos que conhecemos, desde organismos microscópicos, como leveduras, até grandes seres multicelulares, como seres humanos, árvores e outros animais.
O que é o DNA?
O DNA, ADN ou ácido desoxirribonucleico, é uma molécula que carrega as instruções genéticas essenciais para o desenvolvimento, funcionamento e reprodução de todos os organismos vivos. Em seres mais complexos, como plantas, animais e humanos, o DNA está localizado no núcleo das células, que é como se fosse a “central de comando”.
Imagine o DNA como uma longa fita ou “corda” enrolada em espiral. Essa fita é formada por pequenas peças chamadas nucleotídeos, que são como “tijolos” que, juntos, constroem toda a estrutura do DNA.
Cada nucleotídeo contém três partes: um grupo de fosfato, um açúcar chamado desoxirribose, e uma base nitrogenada. Acompanhe a explicação com a ilustração abaixo.
O DNA é composto por quatro bases nitrogenadas que funcionam como as “letras” do código genético:
- Adenina (A).
- Guanina (G).
- Citosina (C).
- Timina (T).
Essas bases podem ser divididas em dois grupos, com base na sua estrutura molecular:
1. Purinas
- Inclui: Adenina (A) e Guanina (G)
- Estrutura: são moléculas maiores formadas por dois anéis de átomos conectados.
2. Pirimidinas
- Inclui: Citosina (C) e Timina (T)
- Estrutura: São moléculas menores com um único anel de átomos.
Essa distinção estrutural é crucial para o emparelhamento das bases nitrogenadas no DNA:
- Adenina (purina) sempre se emparelha com timina (pirimidina) através de duas ligações de hidrogênio (formando a ligação A-T).
- Guanina (purina) sempre se emparelha com citosina (pirimidina) através de três ligações de hidrogênio (formando a ligação C-G).
O que é a estrutura do DNA em dupla hélice?
O DNA tem uma forma bem característica chamada de dupla hélice. Imagine uma escada torcida, onde os degraus são formados pelos pares de bases (A-T e C-G), e as laterais da escada são feitas pelas cadeias de açúcar e fosfato. Essa estrutura é muito estável e permite que o DNA armazene uma grande quantidade de informações.
O que são os cromossomos?
Os cromossomos são estruturas organizadas formadas por DNA e proteínas, encontradas no núcleo das células dos organismos eucariontes. Eles têm a função de armazenar e organizar o material genético, garantindo que ele seja devidamente replicado e transmitido de uma célula para outra durante a divisão celular. Podemos pensar nos cromossomos como “pacotes organizados” de DNA, que facilitam o transporte e a distribuição desse material durante os processos de divisão, como a mitose e a meiose.
Os cromossomos são constituídos principalmente por uma longa molécula de DNA e por proteínas chamadas histonas, que ajudam a manter o DNA bem enrolado e compacto. A organização do DNA em cromossomos permite que a célula consiga administrar melhor um enorme volume de informações. Se o DNA não estivesse organizado dessa forma, ele seria muito difícil de manusear, principalmente durante a divisão celular.
Para entender isso, podemos imaginar o DNA como um fio muito longo e fino. Se ele não estivesse bem enrolado e organizado, seria como tentar guardar um fio de 2 metros dentro de uma caixa pequena sem criar nós. Os cromossomos enrolam esse fio (DNA) em pacotes bem organizados, facilitando o transporte.
Embora os cromossomos estejam presentes em nossas células o tempo todo, eles se tornam visíveis ao microscópio apenas durante a divisão celular. Isso acontece porque, durante grande parte do ciclo celular (a chamada interfase), o DNA está em uma forma menos condensada, chamada cromatina, que facilita o acesso às informações contidas nos genes. No entanto, quando a célula vai se dividir (na mitose ou meiose), a cromatina se compacta para formar estruturas bem definidas, que são os cromossomos. Essa compactação é crucial para garantir que o material genético seja distribuído de forma precisa entre as novas células.
Quantos cromossomos nós temos?
O número de cromossomos é característico de cada espécie. Por exemplo:
- Seres humanos possuem 46 cromossomos, organizados em 23 pares. Desses 23 pares, 22 são autossomos (responsáveis por características não relacionadas ao sexo) e 1 par são cromossomos sexuais (responsáveis pela determinação do sexo, sendo XX para mulheres e XY para homens).
- Outros organismos têm diferentes quantidades de cromossomos. O chimpanzé, espécie geneticamente mais próxima da nossa, tem 48 cromossomos, organizados em 24 pares. Já o cão doméstico tem 78 cromossomos (39 pares), o gato tem 38 cromossomos (19 pares), a vaca tem 60 cromossomos (30 pares), o milho tem 20 cromossomos (10 pares) e a Mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster) tem 8 cromossomos (4 pares).
- Em cada par de cromossomos, uma metade é herdada da mãe e a outra metade do pai.
O que são os genes?
Os genes são segmentos específicos de DNA que contêm as instruções para a produção de proteínas, as quais desempenham a maioria das funções nas células. Os genes determinam características hereditárias, como cor dos olhos, tipo de sangue e predisposição para certas doenças.
Embora os genes sejam muito importantes, eles representam apenas cerca de 3% do nosso DNA. Cada gene pode ser comparado a uma ilha, separada por grandes extensões de DNA não codificante, ou seja, DNA que não codifica proteínas.
E mesmo dentro dos genes, há regiões de DNA que contêm a informação que será convertida em proteínas (chamadas de éxon) e partes que não codificam proteínas (chamadas íntrons).
Os genes podem variar em tamanho e complexidade e, embora todos os seres humanos compartilhem a maioria dos mesmos genes, pequenas variações nas sequências genéticas são responsáveis pelas diferenças entre os indivíduos.
Cada par de cromossomos possui aproximadamente 1.000 genes, variando entre mais ou menos genes dependendo do cromossomo. O cromossomo 1 contém o maior número de genes, entre 2.000 e 3.000, enquanto o cromossomo 21 contém o menor número, com cerca de 200 a 300 genes. O número total de genes no genoma humano é estimado entre 20.000 e 25.000.
Além de influenciar as características hereditárias, os genes podem sofrer mutações, que são alterações na sua sequência. Essas mutações podem ser inofensivas, mas também podem levar a doenças genéticas ou predispor uma pessoa a certas condições de saúde (falamos das mutações mais à frente).
O que é o genoma humano?
O genoma humano é o conjunto completo de informações genéticas de um ser humano. Ele inclui todo o DNA contido em todas as células do corpo e é composto por aproximadamente 3 bilhões de pares de bases de nucleotídeos. Esses nucleotídeos formam os genes e outras sequências que desempenham papéis fundamentais na regulação e funcionamento do organismo.
Como já referido, o genoma humano contém cerca de 20.000 a 25.000 genes, que codificam as proteínas responsáveis por diversas funções biológicas. Além dos genes, o genoma também possui vastas regiões de DNA não codificante, que, embora inicialmente consideradas “DNA lixo”, têm funções importantes na regulação da atividade genética e na manutenção da estrutura e estabilidade do DNA.
Em 2003, o Projeto Genoma Humano, uma iniciativa internacional de pesquisa, conseguiu sequenciar praticamente todo o genoma humano, o que representou um marco histórico para a ciência. Essa conquista permitiu uma compreensão muito mais profunda das bases genéticas de diversas doenças e abriu portas para o desenvolvimento da medicina personalizada, em que os tratamentos podem ser adaptados com base na composição genética de cada indivíduo.
O que são os alelos?
Os alelos são diferentes versões de um mesmo gene. Todos os genes existem em pares, com um herdado da mãe e outro do pai, e cada versão de um gene é chamada de alelo. Por exemplo, para o gene que determina a cor dos olhos, uma pessoa pode herdar um alelo que codifica olhos azuis e outro que codifica olhos castanhos.
Esses alelos podem agir de maneiras diferentes. Se um alelo for dominante, ele prevalece sobre o outro alelo quando ambos estão presentes. Já um alelo recessivo só manifesta sua característica se a pessoa tiver duas cópias desse alelo (ou seja, nenhuma cópia do dominante).
Por exemplo: o gene principal associado à determinação da cor dos olhos é o OCA2, localizado no cromossomo 15. Ele é responsável pela produção de uma proteína que influencia a quantidade e a qualidade da melanina nos olhos.
No gene OCA2, os alelos que promovem a produção de mais melanina, resultando em olhos castanhos, são dominantes. Se uma pessoa herdar um alelo que favorece a alta produção de melanina (dominante) e outro que favorece a baixa produção (recessivo), o alelo dominante se sobressairá, resultando em olhos mais escuros. Para ter olhos azuis, a pessoa precisa herdar o alelo recessivo em ambas as cópias do gene OCA2.
Na verdade, a genética da cor dos olhos é um pouco mais complexa. Se você tem curiosidade de saber como funciona, leia: Qual será a cor dos olhos do meu bebê?
Os alelos são o que tornam cada pessoa única em termos genéticos, já que diferentes combinações de alelos contribuem para características diversas, como altura, cor dos cabelos e até predisposição a certas condições de saúde. Essa variabilidade é uma das razões pelas quais irmãos, mesmo com os mesmos pais, podem ser tão diferentes uns dos outros.
O que significa heterozigoto e homozigoto?
Homozigoto e heterozigoto são termos usados para descrever as combinações de alelos que um indivíduo possui para um determinado gene.
- Homozigoto: um indivíduo é considerado homozigoto para um gene quando possui dois alelos iguais, um em cada cromossomo do par. Isso significa que ele herdou o mesmo tipo de alelo tanto da mãe quanto do pai. Por exemplo, se uma pessoa possui dois alelos que codificam olhos azuis (ambos recessivos), ela é homozigota recessiva. Se tiver dois alelos que codificam olhos castanhos (ambos dominantes), ela é homozigota dominante.
- Heterozigoto: um indivíduo é considerado heterozigoto quando possui dois alelos diferentes para um gene específico, um de cada progenitor. Por exemplo, se uma pessoa tem um alelo que codifica olhos castanhos (dominante) e outro que codifica olhos azuis (recessivo), ela é heterozigota para o gene da cor dos olhos. Nesse caso, a característica que se manifesta será a do alelo dominante, que, neste exemplo, são os olhos castanhos.
Expressão gênica
O processo no qual os genes levam à produção de proteínas chama-se expressão gênica. Esse processo envolve duas etapas principais, que serão explicadas a seguir:
- Transcrição: a informação contida no DNA de um gene é transcrita em uma molécula de RNA mensageiro (mRNA).
- Tradução: o mRNA é traduzido em uma cadeia de aminoácidos que formará uma proteína funcional.
Continuaremos usando o gene OCA2 como exemplo. O gene OCA2 codifica uma proteína chamada proteína P, que desempenha um papel importante na produção e transporte da melanina, o pigmento que dá cor à pele, aos olhos e aos cabelos.
Nota: quem estimula a síntese da melanina é gene TYR, localizado no cromossomo 11. O gene OCA2 não produz a melanina diretamente, mas desempenha um papel importante no controle da quantidade de melanina que será produzida, resultando em diferentes cores dos olhos.
Como os genes se expressam?
A explicação abaixo pode ser um pouco complexa. Sugiro que utilize a ilustração junto com o texto para facilitar o entendimento.
1. Transcrição:
No núcleo da célula, o gene OCA2 é transcrito pela enzima RNA polimerase, que faz uma cópia da informação contida nesse gene em forma de RNA mensageiro (mRNA). O mRNA contém uma sequência de nucleotídeos que é complementar à sequência de DNA do gene OCA2, funcionando como uma ‘cópia’ que carrega a informação genética para fora do núcleo.
O mRNA não é uma cópia exata dos nucleotídeos do gene, mas uma cópia complementar, onde as bases nitrogenadas de DNA (Adenina, Timina, Citosina e Guanina) são transcritas para bases nitrogenadas de RNA (Adenina, Uracila, Citosina e Guanina).
2. Processamento do mRNA:
Antes de sair do núcleo, o mRNA passa por alguns ajustes, como a remoção de partes que não são necessárias (chamadas íntrons) e a união das partes que serão usadas (os éxons). É como editar um texto e deixar só o que importa.
Além disso, são adicionados “protetores” nas pontas do mRNA para garantir que ele não se degrade facilmente.
3. Tradução:
O mRNA sai do núcleo e vai para o citoplasma, onde é lido pelos ribossomos, que são como pequenas fábricas de proteínas.
O ribossomo lê o mRNA em partes de três letras (códons). Cada combinação de três letras indica qual aminoácido deve ser usado para montar a proteína final.
O RNA de transferência (tRNA) é uma molécula essencial no processo de tradução da expressão gênica. Sua principal função é transportar os aminoácidos corretos para os ribossomos durante a síntese de proteínas, conforme as instruções do RNA mensageiro (mRNA).
O tRNA tem uma estrutura em forma de trevo, com três “braços” principais, e, em uma extremidade específica, carrega um aminoácido. A outra extremidade possui uma sequência de três nucleotídeos chamada anticódon.
O mRNA, que foi transcrito do DNA, contém uma sequência de códons, que são grupos de três bases nitrogenadas, e cada códon codifica um aminoácido específico. O anticódon do tRNA é complementar ao códon do mRNA. Por exemplo, se o códon no mRNA for AUG, o anticódon correspondente no tRNA será UAC.
Quando o tRNA com o anticódon correspondente se liga ao códon do mRNA, ele traz junto um aminoácido específico, que se junta à cadeia crescente de aminoácidos que formará a proteína. Os ribossomos ajudam a formar a ligação entre os aminoácidos, criando uma cadeia polipeptídica que se dobrará para formar uma proteína funcional.
No caso do gene OCA2, a junção dos aminoácidos dará origem à proteína P. Dependendo dos alelos do indivíduo, seus genes irão estimular uma produção maior ou menor da proteína P, o que pode influenciar a quantidade de melanina produzida e, consequentemente, características como a cor dos olhos.
O que é uma mutação genética?
Uma mutação genética é uma alteração na sequência de nucleotídeos do DNA. Quando ocorre uma mutação em um gene, a síntese de proteínas pode ser afetada de diferentes formas, dependendo do tipo e da localização da mutação.
As mutações podem ocorrer de forma espontânea devido a erros que acontecem durante o processo de replicação do DNA, que é quando a célula faz uma cópia completa do seu material genético antes de se dividir. Durante esse processo, enzimas específicas ajudam a alinhar e ligar as bases nitrogenadas para formar a nova cadeia de DNA, mas, em raras ocasiões, uma base incorreta pode ser inserida, resultando em uma mutação.
A replicação do DNA acontece em diferentes contextos, incluindo:
- Fase de crescimento: durante o crescimento de um organismo multicelular, as células precisam se dividir para que o organismo possa aumentar de tamanho e desenvolver diferentes tecidos e órgãos.
- Reparo dos tecidos: o corpo humano constantemente repara e substitui células danificadas ou mortas, como aquelas na pele, no sangue e no revestimento do trato digestivo. Para que essa renovação celular ocorra, as células precisam se dividir, e a replicação do DNA é necessária para fornecer uma cópia do material genético para as novas células.
- Reprodução: em organismos que se reproduzem sexualmente, a replicação do DNA ocorre durante a formação das células reprodutivas (óvulos e espermatozoides) por meio da meiose. Nesse processo, o DNA é replicado antes da primeira divisão meiótica para garantir que cada célula reprodutiva contenha a quantidade correta de material genético.
Além dos erros no processo de replicação do DNA, as mutações também podem ser causadas por fatores externos ou ambientais, como radiação, exposição a produtos químicos ou infecções virais (explico melhor mais adiante quando falo de mutações adquiridas).
Mutações pontuais, que são alterações de uma única base nitrogenada (letra do código genético), podem ter diferentes impactos. Uma troca simples pode não ter efeito algum se a nova sequência ainda codificar o mesmo aminoácido (alguns códons diferentes codificam o mesmo aminoácido), sendo essa chamada de mutação silenciosa.
Outras mutações podem resultar em uma mudança na estrutura da proteína, e a nova proteína pode ser benéfica, neutra ou prejudicial ao indivíduo. Em alguns casos, mutações podem interromper completamente a síntese da proteína, fazendo com que o gene mutado perca sua funcionalidade.
Mutações hereditárias e adquiridas
As mutações podem ser classificadas em hereditárias e adquiridas.
Mutações hereditárias
Uma mutação hereditária é uma alteração no DNA que ocorre nas células germinativas (espermatozoides ou óvulos). Como essas células são responsáveis pela formação do zigoto (o estágio inicial do embrião após a fertilização), qualquer mutação nelas será transmitida para todas as células do organismo em desenvolvimento, tornando-se parte permanente do material genético da pessoa. Isso significa que essa mutação pode ser passada para as próximas gerações se o indivíduo afetado tiver filhos.
As mutações hereditárias podem ocorrer em qualquer um dos cromossomos, incluindo os autossômicos (os 22 pares de cromossomos não sexuais) e os cromossomos sexuais (X e Y). Dependendo do cromossomo e do gene afetado, essas mutações podem ter diferentes padrões de herança e implicações para a saúde e características dos indivíduos.
Padrões de herança de mutações hereditárias:
- Autossômicas dominantes: uma mutação em apenas uma cópia de um gene autossômico é suficiente para que a mutação seja expressa e a característica ou doença se manifeste. Cada descendente de um portador tem 50% de chance de herdar a mutação.
- Autossômicas recessivas: para que a mutação se manifeste, é necessário que a pessoa herde duas cópias mutadas do gene (uma de cada pai). Se um indivíduo tiver apenas uma cópia mutada, ele será um portador assintomático do gene.
Existem várias mutações hereditárias que podem ser passadas de pais para filhos e causar doenças genéticas. Aqui estão alguns exemplos:
Fibrose cística:
- Causa: mutação no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator) localizado no cromossomo 7.
- Efeito: afeta a produção de uma proteína que regula o transporte de íons através das membranas celulares, resultando em um muco espesso que pode causar problemas respiratórios e digestivos.
- Padrão de herança: autossômico recessivo, para que uma pessoa desenvolva a doença, ela precisa herdar duas cópias mutadas do gene (uma de cada progenitor).
Anemia falciforme:
- Causa: mutação no gene HBB, localizado no cromossomo 11, que codifica a beta-globina, uma subunidade da hemoglobina. Essa mutação substitui uma base de adenina (A) por timina (T), resultando na troca de um aminoácido na proteína.
- Efeito: faz com que as células vermelhas do sangue assumam uma forma de foice, levando a problemas como dor, anemia e risco aumentado de infecções (leia: Anemia falciforme: traço, sinais e tratamento).
- Padrão de dominância: autossômico recessivo, para que uma pessoa desenvolva a doença, ela precisa herdar duas cópias mutadas do gene (uma de cada progenitor).
Doença de Huntington:
- Causa: expansão de repetições do trinucleotídeo CAG no gene HTT localizado no cromossomo 4.
- Efeito: causa degeneração progressiva dos neurônios, resultando em sintomas como movimentos descontrolados, declínio cognitivo e alterações comportamentais. É uma doença autossômica dominante, o que significa que uma cópia alterada do gene é suficiente para causar a doença.
- Padrão de herança: autossômico dominante, apenas uma cópia alterada do gene (herdado do pai ou da mãe) é suficiente para causar a doença.
Distrofia muscular de Duchenne:
- Causa: mutação no gene DMD, que codifica a proteína distrofina, localizada no cromossomo X.
- Efeito: afeta a integridade das fibras musculares, resultando em fraqueza muscular progressiva.
- Padrão de herança: recessivo ligado ao X. Meninas (que são XX) precisam ter 2 cópias defeituosas do gene DMD para ter a doença. Já os meninos (que são XY) só precisam de uma cópia, pois eles têm apenas um cromossomo X e um alelo apenas do gene DMD.
Hemofilia:
- Causa: mutação no gene F8 (fator VIII) ou F9 (fator IX), localizados no cromossomo X
- Efeito: dificuldade de coagulação sanguínea, levando a sangramentos prolongados. Afeta predominantemente homens.
- Padrão de herança: recessivo ligado ao X. Meninas (que são XX) precisam ter 2 cópias defeituosas do gene DMD para ter a doença. Já os meninos (que são XY) só precisam de uma cópia, pois eles têm apenas um cromossomo X e um alelo apenas do gene F8 ou F9.
Mutações adquiridas
Mutações adquiridas são alterações no DNA que ocorrem em células somáticas (não reprodutivas) durante a vida de um indivíduo. Essas mutações não são herdadas dos pais e, portanto, não são passadas para as gerações futuras.
Elas surgem por vários motivos, incluindo erros na replicação do DNA, exposição a fatores ambientais e agentes mutagênicos. Como afetam apenas células específicas, as mutações adquiridas podem levar a doenças como o câncer, dependendo do tipo de célula e do gene afetado.
Como ocorrem as mutações adquiridas:
- Erros na replicação do DNA:
- Durante a divisão celular, o DNA precisa ser copiado para que cada célula filha receba uma cópia do material genético. Embora a replicação do DNA seja um processo altamente preciso, podem ocorrer erros espontâneos que não são corrigidos pelos mecanismos de reparo do DNA, resultando em mutações.
- Exposição a fatores ambientais:
- Radiação: exposição à radiação ultravioleta (UV) do sol ou à radiação ionizante (como raios-x) pode danificar diretamente o DNA, causando quebras nas fitas de DNA ou alterações nas bases nitrogenadas. Uma consequência possível é o câncer de pele devido a mutações provocadas pela radiação UV.
- Produtos químicos: substâncias presentes em produtos como tabaco, poluentes, pesticidas e alguns alimentos processados podem interagir com o DNA e causar mutações.
- Agentes infecciosos: certos vírus, como o papilomavírus humano (HPV), podem inserir seu material genético no DNA da célula hospedeira, provocando mutações que podem levar a doenças como o câncer do colo do útero.
- Estresse oxidativo:
- O acúmulo de radicais livres no corpo pode danificar as bases nitrogenadas do DNA, levando a mutações. Os radicais livres são produzidos naturalmente pelo metabolismo celular, mas sua quantidade pode aumentar devido a fatores como inflamação crônica, dieta pobre e exposição a poluentes.
Herança genética
A herança genética pode ser classificada conforme a localização dos genes nos cromossomos, sendo dividida em autossômica e ligada ao sexo.
Herança autossômica
Herança autossômica refere-se a genes localizados em qualquer um dos 22 pares de cromossomos não sexuais (autossomos). As características ou doenças que seguem esse tipo de herança podem afetar igualmente homens e mulheres, uma vez que ambos os sexos têm duas cópias de cada autossomo.
A herança autossômica pode ser dominante, onde apenas uma cópia alterada do gene é suficiente para manifestar a característica (como na doença de Huntington), ou recessiva, onde duas cópias mutadas são necessárias para que a característica se manifeste (como na anemia falciforme).
A herança autossômica também inclui características normais e não patológicas, tais como: cor da pele, cor dos olhos, cor e textura dos cabelos, presença de sardas, densidade dos pelos da sobrancelha, etc.
Herança ligada ao sexo
Herança ligada ao sexo, por outro lado, refere-se a genes localizados nos cromossomos sexuais, que em humanos são o cromossomo X e o cromossomo Y.
Como os cromossomos sexuais diferem entre homens (XY) e mulheres (XX), a expressão de características ligadas ao sexo pode variar entre os sexos:
- Ligada ao X: quando um gene está localizado no cromossomo X, as características ou doenças são ditas ligadas ao X. As mulheres, que possuem dois cromossomos X, podem ser portadoras de uma mutação sem manifestar a doença se apenas um dos cromossomos estiver alterado. Os homens, que têm apenas um cromossomo X, manifestarão a característica ou doença se herdarem um gene mutado, mesmo que esteja presente em apenas um cromossomo. Exemplos são hemofilia, daltonismo e doença de Fabry.
- Ligada ao Y: quando um gene está localizado no cromossomo Y, a característica é herdada apenas por homens, já que apenas eles possuem o cromossomo Y. Essa herança é menos comum e normalmente está relacionada a características específicas da diferenciação sexual masculina. Devido à quantidade limitada de genes presentes no cromossomo Y, as doenças ligadas ao Y são raras em comparação com as ligadas ao X ou autossômicas.
Em resumo, a herança autossômica se refere a genes localizados nos cromossomos não sexuais e afeta homens e mulheres de maneira semelhante, enquanto a herança ligada ao sexo envolve genes nos cromossomos sexuais e pode ter padrões de expressão diferentes entre homens e mulheres, dependendo do cromossomo em que o gene está localizado.
Referências
- Alberts B, Johnson A, Lewis J, et al. Molecular Biology of the Cell. 4th edition. New York: Garland Science; 2002.
- Hartwell, L., Hood, L., Goldberg, M. L., Reynolds, A. E., Silver, L. M., & Veres, R. C. (2018). Genetics: From Genes to Genomes (6ª ed.). McGraw-Hill Education.
- Snustad, D. P., & Simmons, M. J. (2015). Principles of Genetics (7ª ed.). Wiley.
- The genetic basis of disease – Essays in biochemistry.
- Basic genetics concepts: DNA regulation and gene expression – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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