O que é o bicho-do-pé?
O bicho-do-pé, cujo nome científico é tungíase, é uma condição cutânea parasitária causada pela penetração da pulga Tunga penetrans — também conhecida como “pulga-do-porco”, “niguá”, “bicho-de-areia”, “bicho-do-cachorro”, “jatecuba”, “matacanha” ou “tunga”.
A tungíase é uma ectoparasitose, ou seja, uma infestação por parasitos que vivem na superfície externa do corpo do hospedeiro, como a pele.
Tal como o nome popular sugere, o bicho-do-pé afeta principalmente a pele dos pés, especialmente entre os dedos e sob as unhas, mas também pode surgir em outras áreas do corpo que tenham contato com solo contaminado.
A Tunga penetrans é uma pequena pulga, originária da América do Sul, que penetra na pele humana para se alimentar de sangue e desenvolver seus ovos. Uma vez instalada, forma-se uma lesão inflamada, dolorosa e com um ponto negro central característico — o abdômen posterior do parasita, que permanece em contato com o ambiente exterior.
O bicho-do-pé é mais comum em regiões de clima quente, solo arenoso e com condições sanitárias precárias, afetando principalmente comunidades vulneráveis da América Latina e da África.
Além de causar coceira intensa, dor e desconforto ao caminhar, a infecção pode gerar complicações como infecções bacterianas secundárias e, em casos graves, deformidades e risco de tétano.
Considerada uma das doenças negligenciadas por acometer majoritariamente pessoas pobres de países periféricos, a tungíase continua impactando milhares de pessoas, sobretudo crianças, em áreas rurais.
Como o Tunga penetrans entra no corpo?
A tungíase, ou bicho-do-pé, é a doença causada pela penetração da pulga Tunga penetrans na pele humana. O contato geralmente ocorre ao andar descalço em solos contaminados, especialmente em ambientes com piso de terra batida ou areia solta, comuns em áreas rurais ou regiões com saneamento precário.
As larvas da pulga vivem a poucos centímetros abaixo da superfície da areia ou solo, onde se alimentam de matéria orgânica. Elas são frequentemente encontradas dentro de residências com pisos de barro ou terra, além de jardins ou chiqueiros.
Quando as larvas transformam-se em adultos, atingindo cerca de 1 mm de comprimento, elas tornam-se capazes de invadir a superfície da pele de mamíferos diversos, incluindo ratos, cães, porcos e humanos. O pé é o local mais afetado, pois é a região da pele que habitualmente entra em contato com as áreas contaminadas.
Somente as fêmeas adultas são capazes de penetrar na pele. Para se alimentar, ela insere seu probóscide (estrutura semelhante a uma tromba) nos capilares dérmicos e suga sangue do paciente.
Diferentemente dos machos, que vivem livres no ambiente, as fêmeas enterram-se parcialmente na epiderme, mantendo apenas a extremidade do abdômen exposta. Esse orifício externo permite que respirem, excretem resíduos e liberem ovos no ambiente.
A fêmea também é capaz de se acasalar mesmo já estando fixada sob a pele. Conforme os ovos se desenvolvem, a fêmea incha rapidamente, podendo atingir o tamanho de uma ervilha. Após depositar centenas de ovos no ambiente, ela morre e é reabsorvida ou expelida pelo corpo.
É importante destacar que, diferentemente de outras pulgas, a Tunga penetrans não apenas pica a pele: ela realmente penetra e vive temporariamente no corpo do hospedeiro, o que provoca uma resposta inflamatória local intensa e aumenta o risco de infecção secundária caso não seja tratada adequadamente.
Quais são os sintomas do bicho-do-pé?
Os sintomas do bicho-do-pé geralmente surgem poucos dias após a penetração da pulga Tunga penetrans na pele. Embora o parasita tenha menos de 1 milímetro ao entrar no corpo, ele se desenvolve rapidamente, provocando uma resposta inflamatória significativa.
O sintoma mais precoce costuma ser coceira local (prurido), que pode se intensificar com o passar dos dias. Em seguida, surgem sinais visíveis e mais incômodos, como:
- Dor local (especialmente ao caminhar ou pressionar a área);
- Vermelhidão e inchaço ao redor da lesão;
- Lesão esbranquiçada com ponto preto central, que corresponde ao abdômen da pulga em contato com o ambiente;
- Sensação de corpo estranho ou latejamento no local afetado;
- Saída de secreção ou de pequenos ovos esféricos, visíveis em casos mais avançados.

As regiões mais afetadas costumam ser os pés, especialmente entre os dedos, nas bordas das unhas e na planta do pé. No entanto, lesões também podem surgir em outras áreas do corpo em contato com o solo, como mãos, joelhos, cotovelos e glúteos — principalmente em crianças que brincam descalças.
Em infestações múltiplas ou negligenciadas, o quadro clínico pode se agravar, resultando em:
- Infecções bacterianas secundárias, com formação de pus.
- Ulcerações e necrose local.
- Deformidades permanentes nos dedos ou nas unhas.
- Dificuldade para caminhar.
- Risco de tétano, sobretudo em pessoas não vacinadas (leia: Tétano: transmissão, sintomas e vacina).
Nos casos mais graves — particularmente entre indivíduos com deficiência de acesso à saúde ou higiene precária — é possível observar dezenas ou até centenas de lesões simultâneas, o que compromete de forma significativa a qualidade de vida e provoca deformidade permanente na área afetada.
Como tirar o bicho-do-pé com segurança?
A remoção do bicho-do-pé — a pulga Tunga penetrans alojada na pele — deve ser feita com muito cuidado. Embora pareça uma prática simples, retirar a pulga de forma inadequada pode gerar complicações sérias, especialmente em áreas endêmicas, onde o acesso a cuidados médicos é limitado.
Riscos da extração caseira
Em muitas regiões afetadas pela tungíase, é comum que os próprios pacientes ou familiares tentem extrair o parasita como último recurso, diante da dor ou do desconforto intenso. Essa remoção costuma ser feita de forma improvisada, com instrumentos como:
- Alfinetes de segurança.
- Grampos de cabelo.
- Espinhos vegetais.
- Tesouras ou agulhas de costura.
- Palitos de madeira.
Esses procedimentos, frequentemente realizados sem qualquer tipo de esterilização, são dolorosos, causam trauma físico e emocional — especialmente em crianças — e podem resultar em:
- Inflamação local intensa;
- Ruptura do corpo da pulga durante a retirada;
- Infecção secundária da ferida por bactérias patogênicas;
- Compartilhamento de instrumentos contaminados entre mais de um paciente, o que representa risco real de transmissão de doenças como hepatite B, hepatite C e até HIV.
Remoção segura e eficaz
A extração do bicho-do-pé deve ser feita:
- Com instrumentos cirúrgicos esterilizados, como bisturi, pinça fina e agulha apropriada.
- Por um profissional de saúde treinado, preferencialmente enfermeiro ou médico.
- Em ambiente limpo e com técnica asséptica, para evitar infecções.
Após a retirada do parasita, a ferida deve ser:
- Limpada com antisséptico (povidona-iodo ou clorexidina);
- Coberta com curativo limpo e seco;
- Avaliada quanto ao estado vacinal antitetânico — se necessário, deve ser administrada uma dose de reforço.
Tratamento tópico alternativo
Além da extração manual, estudos mostram que o uso tópico de dimeticonas de baixa viscosidade, como a fórmula comercial NYDA®, é uma alternativa segura e eficaz. Essas substâncias agem obstruindo os orifícios respiratórios do parasita, levando-o à morte sem necessidade de intervenção cirúrgica. Esse método é especialmente útil em campanhas comunitárias de tratamento, por ser indolor, não invasivo e fácil de aplicar.
O que não fazer:
- Não tente tirar o bicho-do-pé por conta própria.
- Não utilize objetos não esterelizados na lesão.
- Não esprema com força excessiva — isso pode romper a pulga.
- Não ignore a lesão esperando que “desapareça sozinha”, pois o parasita pode causar complicações graves se não for tratado.
Vacina antitetânica
É altamente recomendável que a pessoa esteja com a vacinação contra o tétano em dia. A tungíase, por envolver ruptura da pele e potencial exposição a bactérias do solo, pode ser porta de entrada para o Clostridium tetani, especialmente em áreas rurais.
Como prevenir a tungíase?
A tungíase é uma parasitose evitável. A prevenção do bicho-do-pé depende de medidas simples, mas fundamentais, relacionadas à higiene pessoal, ao ambiente e ao uso de calçados adequados. Isso é especialmente importante em áreas de risco, como comunidades rurais, vilarejos com solo arenoso ou locais com saneamento básico insuficiente.
Use sempre calçados fechados
A medida preventiva mais eficaz contra o bicho-do-pé é não andar descalço, especialmente em ambientes com terra solta, areia, pisos de barro ou terrenos com presença de lixo e fezes de animais. O uso de sapatos cria uma barreira física que impede a penetração da pulga.
Melhore as condições do solo em residências
A Tunga penetrans costuma viver no solo seco e arenoso. Ambientes internos com piso de terra batida são locais ideais para o ciclo da pulga. Sempre que possível, recomenda-se:
- Cobrir o chão com cimento, lajotas ou outro material impermeável;
- Manter o ambiente limpo, livre de detritos orgânicos;
- Evitar acúmulo de lixo e resíduos domésticos ao redor das casas.
Controle de animais domésticos e sinantrópicos
Cães, porcos, gatos e até ratos podem servir de reservatórios da Tunga penetrans. A infestação nesses animais contribui para a manutenção do ciclo da pulga no ambiente. Por isso:
- Evite que animais domésticos entrem em casa sem supervisão ou estejam em contato direto com áreas onde humanos dormem ou andam;
- Verifique regularmente os pés e patas de cães e porcos para sinais de tungíase;
- Realize controle veterinário e use antiparasitários adequados.
Referências
- Tungiasis – World Health Organization (WHO).
- Tungiasis (sand flea disease): a parasitic disease with particular challenges for public health – European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases.
- Sand flea (Tunga spp.) infections in humans and domestic animals: state of the art – Medical and Veterinary Entomology.
- Investigations on the biology, epidemiology, pathology and control of Tunga penetrans in Brazil: I. Natural history of tungiasis in man – Parasitology Research.
- Tunga penetrans: a stowaway from around the world – Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology.
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.