Tratamento caseiro da diarreia

Dr. Pedro Pinheiro

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Diarrea

Tempo de leitura estimado do artigo: 5 minutos

Introdução

Quadros de diarreia são extremamente comuns ao longo da vida de um indivíduo. A maioria de nós apresenta ao menos um episódio de diarreia por ano. Felizmente, na maior parte das vezes, os quadros diarreicos são autolimitados, curando-se espontaneamente após alguns dias sem causar nenhum tipo de complicação.

Todavia, apesar de terem curta duração e serem relativamente benignos na maioria dos pacientes, ter um quadro de diarreia durante 3 ou 4 dias pode causar grandes transtornos na vida pessoal e/ou profissional, principalmente se o paciente estiver evacuando várias vezes por dia com curto intervalo de tempo entre as dejeções. Além disso, mesmo quadros leves de diarreia podem levar à desidratação se não forem adequadamente tratados. Isso é especialmente verdadeiro entre crianças pequenas e idosos.

Neste artigo discutiremos quais são os tratamentos caseiros que você pode lançar mão para os quadros leves de diarreia. Utilizaremos o termo “tratamento caseiro” de forma um pouco mais abrangente, incluindo não só os tratamentos não medicamentosos, como também a utilização de medicamentos simples, facilmente adquiridos sem receita médica e costumam estar presentes na farmácia caseira da maioria das pessoas com aceitável condição socioeconômica. Portanto, será considerado tratamento caseiro qualquer medida que o paciente possa tomar em casa sem precisar de contato prévio com um médico.

Antes de seguirmos com as explicações sobre o tratamento caseiro da diarreia, é preciso destacar quais são os sinais de gravidade que apontam para a necessidade de uma avaliação médica e tratamento com remédios de verdade.

Apesar de a maioria das diarreias ser benigna e de curta duração, há casos mais graves que não devem ser tratadas exclusivamente com medidas caseiras.

Classificação das diarreias

As diarreias podem ser classificadas conforme o seu tempo de duração:

  • Aguda: 14 dias ou menos de duração.
  • Persistente: entre 15 e 30 dias de duração.
  • Crônica: mais de 30 dias de duração.

As diarreias também podem ser classificadas consoante as suas características clínicas:

  • Inflamatórias (disenteria): quadros de diarreia com presença de sangue e muco (ou pus) nas fezes. Febre e intensa dor abdominal costumam estar presentes.
  • Não inflamatória: quadros de diarreia aquosa ou pastosa sem sangue, muco ou febre.

A classificação da intensidade da diarreia pode variar dependendo da fonte pesquisada, mas uma classificação aceitável é a seguinte:

  • Intensa: mais de 10 dejeções por dia.
  • Moderada: entre 3 e 10 dejeções por dia.
  • Leve: menos de 3 dejeções por dia.

O tratamento caseiro só é aceitável nas diarreias leves ou moderadas, agudas e não inflamatórias.

Qualquer diarreia prolongada, intensa, contendo sangue ou acompanhada de febre alta, ou de outros sintomas deve ser avaliada por um médico. Insistir no tratamento caseiro nestas situações só atrasa o estabelecimento de um diagnóstico e a implementação de um tratamento efetivo, facilitando o surgimento de complicações.

Sinais e sintomas que indicam gravidade

Mesmo nas diarreias agudas e não inflamatórias, o tratamento caseiro também pode não ser a melhor opção, caso o paciente apresente algum sinal de gravidade. Qualquer paciente com uma das situações abaixo deve procurar avaliação médica em vez de ficar em casa se automedicando e esperando que o quadro melhore:

  • Diarreia intensa, com mais de 4-5 dias de duração, sem sinais de melhora.
  • Diarreia moderada ou intensa com sinais de desidratação (sede intensa, prostração, nítida redução da produção de urina, dor de cabeça, fraqueza, tonturas e boca muito seca).
  • Diarreia moderada ou intensa com hipotensão arterial.
  • Diarreia moderada ou intensa, associada a vômitos e incapacidade de ingerir líquidos.
  • Diarreia moderada ou intensa com mais de 3 dias de evolução em pacientes idosos ou debilitados por outras doenças.
  • Qualquer diarreia em crianças que recusam alimentação ou apresentam-se pouco ativas.
  • Qualquer diarreia em crianças com menos de 8 quilos ou 3 meses de idade.
  • Qualquer diarreia com fezes negras.
  • Qualquer diarreia associada a intensa, persistente e intratável dor abdominal ou retal.

Opções de tratamento caseiro

Antes de seguirmos com o artigo, assista a este vídeo de 3 minutos produzido pela equipe do MD.Saúde sobre como preparar o soro caseiro. Ajude-nos a divulgar esse vídeo e a disseminar informações que podem salvar vidas.

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Felizmente, a maioria das diarreias é de intensidade leve a moderada e não apresenta os sinais de gravidade descritos acima. Estas podem, a princípio, serem tratadas em casa, com as medidas simples que serão explicadas a seguir.

Hidratação

Em qualquer diarreia, o principal tratamento é a hidratação, já que a desidratação provocada pela perda de água nas fezes é a principal causa de complicações. Soluções que contenham água, sódio e glicose são melhores que aquelas com água pura, pois na diarreia perdemos não só água como também eletrólitos.

Historicamente o soro caseiro sempre foi a forma de hidratação preferida para as diarreias. Recentemente, porém, devido ao reconhecimento de que há frequentes erros na hora da preparação do soro, a Organização Mundial de Saúde passou a indicar o uso das soluções de reidratação oral previamente preparadas, que são pequenas saquetas que já vêm com as quantidades corretas de cloreto de sódio, glicose, potássio e citrato em pó para serem diluídos em um 1 litro de água. Essas soluções podem ser encontradas em farmácias e postos de saúde (costumam ser gratuitas).

Nos casos de diarreia moderada a intensa, a reposição deve ficar entre 150 e 300 mL por hora (entre 2,5 e 4,5 litros por dia enquanto o paciente estiver acordado) ou 10 mL por cada quilo de peso após cada evacuação (600 mL de soro após cada evacuação em um paciente de 60 kg). Nas crianças, o recomendado é 50 mL por quilo de peso a cada 4 horas (uma criança de 10 quilos deve consumir 500 mL de soro a cada período de 4 horas).

Explicamos o soro caseiro e a soluções de hidratação oral com mais detalhes no seguinte artigo: Soro caseiro: como fazer e para que serve?

Chás, refrigerantes, isotônicos (ex. Gatorade) e sucos de fruta não são as melhores opções, mas podem até ser usados nos casos de diarreia leve, com pouca ou nenhuma desidratação. Esses líquidos não são ideais porque contêm baixa quantidade de sódio e elevada quantidade de açúcar, o que em alguns casos pode até piorar a diarreia e causar distúrbios hidreletrolíticos no sangue, principalmente se o quadro de derreia for moderada ou intensa, e a reposição com esses líquidos for elevada.

A melhor forma de controlar a hidratação é através da urina. O objetivo é manter um bom débito urinário, com uma urina de coloração clara e sem odor forte (leia: Principais Causas de Urina com Cheiro Forte).

Manter-se hidratado durante um quadro de diarreia já é mais que meio caminho andado para ultrapassar a doença sem complicações. Em muitos casos, é a única medida necessária.

Os pacientes que apresentam vômitos e não conseguem se hidratar adequadamente podem utilizar medicamentos antieméticos, tais como a metoclopramida, cujos nomes comerciais mais famosos no Brasil e em Portugal são, respectivamente, Plasil e Primperan. Os antieméticos ajudam a reduzir os vômitos e permitem que o paciente volte a ingerir líquidos.

Nos pacientes com náuseas e vômitos, a melhor tática é consumir pequenos volumes de cada vez, mas com grande frequência, de forma a não distender o estômago, um dos fatores que estimula o reflexo do vômito.

Se o paciente com vômitos e diarreia não consegue se hidratar, o tratamento caseiro deve ser abortado e um médico precisa ser consultado.

Dieta

Um dos grandes mitos em relação ao tratamento caseiro da diarreia é orientação de manter jejum ou consumir o mínimo possível de alimentos, limitando-se a umas poucas bolachas de água e sal.

Não há nada de errado com as bolachas de água e sal, elas são até uma boa opção para o paciente que também apresenta vômitos e não consegue consumir alimentos adequadamente. Porém, se o paciente tiver apetite, ele não só pode, como deve tentar manter uma alimentação normal, evitando apenas gorduras, alimentos ricos em açúcar e derivados de leite (leite materno não tem problema!). A alimentação ajuda a recuperar as células da parede intestinal inflamada e reduz o tempo de doença.

Algumas boas opções de comida durante a diarreia são: batatas, macarrão (sem molhos gordurosos), arroz, trigo, aveia, bolachas com sal, torradas, bananas, sopas, legumes cozidos, frango ou peixe grelhado. Nas crianças que ainda mamam, o leite materno é uma ótima forma de hidratação. Nos adultos que querem beber leite, a versão sem lactose pode ser tentada.

Cafeína e álcool devem ser evitados, pois podem agravar a diarreia.

Na Internet é possível encontrar dezenas de receitas de sucos, chás e misturas que supostamente são bons para controlar a diarreia. Nenhuma dessas “dicas” possui embasamento científico. Não há nenhuma evidência clara de que algum alimento, ou conjunto de alimentos, possa ser usado especificamente para curar uma diarreia.

As diarreias curam-se sozinhas, a maioria delas dentro de 3 ou 4 dias. O que você precisa é se alimentar com uma dieta que, além de hidratar, não irrite o intestino e não contenha nutrientes que são difíceis de serem absorvidos durante o quadro, como o leite, por exemplo.

Probióticos

Os probióticos (não confundir com antibióticos) são medicamentos que contêm bactérias não patogênicas, que ajudam na recolonização da flora intestinal. Os probióticos que contêm Lactobacillus ou Saccharomyces boulardii apresentam evidências científicas de serem eficazes na redução do tempo de duração das diarreias, principalmente nas crianças.

O probióticos não são exatamente um “medicamento caseiro”, mas como eles podem ser comprados sem receita médica e praticamente não possuem efeitos colaterais relevantes, acabamos por incluí-los neste artigo.

O que não fazer no tratamento caseiro

Antidiarreicos

Muitos pacientes têm em sua farmácia caseira medicamentos que inibem a motilidade intestinal e são capazes de interromper os quadros de diarreia. O mais famoso deles é a loperamida, cujo nome comercial mais conhecido é Imosec.

Apesar de ser um antidiarreico bastante efetivo, o que a loperamida faz, na verdade, não é interromper a diarreia, mas sim impedir a peristalse do intestino. Isso significa que o paciente continua perdendo líquidos para o intestino, a única diferença é que as fezes líquidas não são eliminadas porque o intestino parou de se contrair. A diarreia fica “estacionada”, à espera da melhora clínica e da recuperação da capacidade dos intestinos de reabsorver água.

Esse efeito na motilidade intestinal traz três consequências potencialmente perigosas, caso o medicamento não seja utilizado de forma criteriosa:

1. Uma das funções da diarreia é eliminar microrganismos e toxinas presentes nos intestinos. Se você subitamente interrompe o funcionamento do intestino e interrompe as evacuações, essas toxinas e microrganismos vão permanecer e se acumular dentro dos seus intestinos, prolongando o tempo de doença e aumentando os riscos de complicações.

2. O paciente continua a perder líquidos para os intestinos, mas como não evacua, ele não nota essa perda. A falsa sensação de cura da diarreia leva o paciente a consumir menos líquidos, aumentando o risco de desidratação.

3. A interrupção da peristalse pode levar ao acúmulo de fezes nos intestinos e consequente dilatação do mesmo, provocando o que chamamos megacólon (efeito colateral raro).

Portanto, a loperamida não deve ser parte do tratamento caseiro das diarreias. O seu uso pode ser indicado, mas o correto é que o paciente só tome este medicamento após criteriosa avaliação médica. A automedicação com esse fármaco não é segura.

Antibióticos

Os antibióticos só estão indicados em um percentual pequenos dos casos de diarreia. Geralmente, os antibióticos não só são ineficazes, como ainda podem perpetuar o quadro ou provocar complicações.

Se você tiver antibióticos guardados em casa, não os utilize para tratar uma diarreia sem autorização médica.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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