Cinetose (enjoo de movimento)

Dr. Pedro Pinheiro

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Cinetose

Tempo de leitura estimado do artigo: 4 minutos

O que é cinetose?

A cinetose, conhecida também como enjoo de movimento, é um quadro de náusea, com ou sem vômitos, que ocorre em algumas pessoas quando estão passivamente em movimento, seja dentro de um automóvel, avião, trem ou barco. O uso prolongado de óculos de realidade virtual é outra causa comum.

O enjoo habitualmente surge quando o cérebro recebe informações desencontradas da visão, do ouvido interno e dos nervos periféricos em relação à movimentação do corpo. Por exemplo, quando usamos óculos de realidade virtual, o corpo está parado, mas a visão fica enviando mensagens ao cérebro como se estivéssemos em movimento.

Por outro lado, quando estamos sendo passivamente transportados dentro de um barco ou carro, ocorre o oposto, principalmente se não estivermos olhando para fora ou para o horizonte. Ler dentro do carro em movimento ou viajar por estradas cheias de curvas pode ser muito difícil. Crianças que viajam em cadeiras baixas no banco de trás do carro, sem conseguir olhar para o lado de fora, são especialmente suscetíveis à cinetose.

Entender uma doença se torna muito mais fácil quando primeiro compreendemos o funcionamento normal dos órgãos e sistemas afetados. Gastarei algumas linhas explicando como o corpo se mantém em equilíbrio para que vocês possam entender a cinetose com mais facilidade.

Como o corpo sabe que está em movimento?

Um dos principais trabalhos do nosso cérebro é interpretar as mensagens do meio externo recebidas pelo corpo. Para saber como se encontra nosso corpo em relação ao espaço e se estamos ou não em movimento, o cérebro precisa receber e interpretar informações de três sistemas diferentes:

  • Visão.
  • Ouvido interno.
  • Propriocepção.

Vamos perder um pouquinho de tempo explicando esses três sistemas, pois o seu funcionamento é bastante interessante. Procurarei descrever esses mecanismos de um modo bem simples.

a. Visão

Todo mundo consegue entender por que a visão ajuda o cérebro interpretar se estamos em movimento, já que basta estar de olhos abertos para vermos se estamos nos movimentando ou não.

Mas a visão pode nos pregar peças. Quem é que, dentro de um carro parado no semáforo, nunca teve a sensação do carro estar andando para atrás apenas porque o carro do lado andou um pouquinho para frente? A visão do carro ao lado indo para frente pode fazer com que o cérebro interprete que somos nós que estamos andando para trás, levando o motorista a pisar no freio instintivamente. Este simples exemplo mostra com a visão pode dizer ao cérebro que estamos nos movimentando, quando, na verdade, estamos parados.

b. Propriocepção

Este é um sentido pouco conhecido pela população geral. A propriocepção é a capacidade do cérebro reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. É a propriocepção que nos permite, de olhos fechados, reconhecer que estamos com o braço levantado, de cabeça para baixo, inclinados para frente, com as pernas dobradas, etc.

É graças a propriocepção que conseguimos, mesmo de olhos vendados, facilmente tocar a ponta do nariz com a ponta dos nossos dedos. A gente não precisa da visão para saber sempre onde está cada parte do nosso corpo.

c. Ouvido interno

Dentro do ouvido interno temos um órgão chamado labirinto, que faz parte do aparelho vestibular, responsável pela manutenção do equilíbrio.

Labirinto - ouvido interno
Anatomia do ouvido interno

O labirinto é um conjunto de arcos semicirculares que possuem líquidos em seu interior. A movimentação destes líquidos é interpretado pelo cérebro ajudando a identificar movimentos e a nos manter em equilíbrio.

As informações passadas pelo labirinto ajudam o cérebro a interpretar movimentos angulares, acelerações lineares e forças gravitacionais.

A labirintite, que é a inflamação desta região do ouvido interno, é uma das mais comuns causas de tonturas e náuseas, exatamente por atacar o órgão responsável pelo nosso equilíbrio. Falamos especificamente de labirintite em um artigo distinto: Labirintite – Sintomas e Tratamento.

Apenas como curiosidade: você sabe por que ficamos tontos depois de rodarmos várias vezes? Porque apesar de já estarmos parados, os líquidos dentro do nosso ouvido interno ainda ficam em movimento rotacional por alguns segundos, fazendo com que o cérebro interprete que ainda estamos rodando. Se fecharmos os olhos, a tontura aumenta ainda mais, pois, de olhos abertos, a visão consegue atenuar a mensagem errada que o ouvido interno está mandando ao cérebro.

Causas

A cinetose, ou enjoo de movimento, ocorre quando o cérebro recebe informações desconexas destes três sistemas.

Quando andamos, estamos nos movimentando intencionalmente e o cérebro consegue conjugar as informações recebidas da visão, propriocepção e ouvido interno. 

As três trabalham em sinergismo, ou seja, dizendo a mesma coisa. Em um carro, navio ou avião, isto não ocorre. Estamos “parados”, mas, ao mesmo tempo, em movimento. Se pararmos para pensar, o ser humano é único animal que costuma se movimentar de modo passivo, sem precisar fazer esforço para se locomover. Isto pode causar confusão no cérebro.

Quando estamos em um carro, por exemplo, estamos efetivamente em movimento apesar do corpo estar parado em relação ao carro. Isto provoca uma enxurrada de sinais confusos para o cérebro, que ao mesmo tempo recebe informações dizendo que o corpo está parado e sem fazer esforço (com músculos e tendões relaxados) e informações dizendo que o corpo está em movimento, graças à aceleração e curvas.

Quando olhamos para a frente e vemos a paisagem passar, o cérebro ainda consegue compreender melhor os movimentos do automóvel e o fato de estamos nos movimentando, por isso, a maioria das pessoas anda de carro sem sentir enjoos. Se, entretanto, você abaixar a cabeça e começar a ler, a visão junto com a propriocepção vão dizer ao cérebro que estamos parados, enquanto o labirinto, estimulado pelas curvas e acelerações do carro, estará mandando sinais de movimento, propiciando o surgimento de náuseas e tonturas.

Do mesmo modo, quando estamos em um simulador de parque de diversões, os sinais que o cérebro recebe muitas vezes são confusos, já que estamos efetivamente parados, apenas balançado para um lado e para o outro, enquanto nossa visão está recebendo inúmeras informações, como se estivéssemos nos movimentando em alta velocidade, acelerando e desacelerando, fazendo curvas, subindo e descendo.

A cinetose, portanto, surge sempre que o cérebro estiver tendo dificuldades em interpretar o real estado de movimento do nosso corpo.

Fatores de risco

Todas as pessoas são susceptíveis ao enjoo por movimento, o que varia é a intensidade do estímulo necessária para desencadear os sintomas. Isto é facilmente notado em viagens de navios, quando uma parte dos passageiros sente-se muito mal, outros referem ligeiro desconforto e a maioria nada sente.

Algumas características pessoais já foram identificadas como de maior risco para a cinetose. Os principais são:

O tipo de movimento também influencia na ocorrência dos enjoos. Ao contrário do que se pensa, movimentos de baixa frequência são aqueles que mais induzem cinetose. Viajar deitado parece reduzir a intensidade dos sintomas, enquanto estar em pé parece ser pior.

Em viagens de navio, cerca de 40% dos passageiros referem cinetose, com graus de intensidade que variam desde um ligeiro mal-estar até sintomas fortes, com vômitos incoercíveis. Em viagens de avião, a incidência é menor, mas ainda chega a 25% (leia: Problemas de saúde em viagens de avião).

Sintomas

Os sintomas mais comuns da cinetose incluem náuseas, vômitos, mal-estar, tonturas, vertigens, suores, sensação de calor e eructações (arrotos).

Os sintomas da cinetose tendem a melhorar com o tempo, após exposição repetida ao estímulo desencadeador. Em viagens de navio, por exemplo, os sintomas são piores nas primeiras 72 horas, melhorando com o tempo. Também é comum o paciente melhorar, mas voltar a ficar enjoado quando em terra firme novamente.

Prevenção da cinetose

Para aquelas pessoas que costumam enjoar em carros, aviões ou navios, o importante é tentar transmitir pela visão a mesma informação de movimento transmitida pelo ouvido interno. Por isso, fixar o olhar em pontos próximos ao horizonte e sempre melhor.

Por exemplo, quando em um navio, olhar para o horizonte transmite mais sensação de movimento do que ficar dentro do quarto, olhando para parede. O mesmo vale dentro de um carro, quando sentar no banco da frente e olhar em direção ao objeto terrestre mais longínquo é melhor do que olhar para dentro do carro.

Algumas dicas:

  • Não leia durante as viagens, principalmente em automóveis.
  • O motorista sempre sente menos enjoos que os passageiros, provavelmente porque o cérebro consegue prever com antecedência os movimentos do carro. Se você enjoa com facilidade, evite ser o “carona”.
  • Crianças devem sentar em cadeiras altas, que permitam que elas possam olhar para o exterior.
  • No avião, sente-se na janela e olhe a paisagem se movimentar (quando há alguma).
  • Também no avião, os assentos próximos às asas sofrem menos movimentos.
  • No navio, evite cabines sem janelas.
  • Não sente de costas para a direção em que o veículo se locomove.
  • Evite comer em movimento.
  • Evite odores fortes.
  • Evite locais quentes.
  • Não fume.
  • Evite bebidas alcoólicas.

Cinetose ao nadar

A cinetose pode surgir também em pessoas que praticam natação em mar aberto. A ondulação natural do mar, o contato da água fria com os ouvidos e a falta de uma linha reta de referência visual, como são os casos das raias ou das linhas no fundo da piscina, costumam ser as causas da cinetose enquanto se nada.

Apesar de mais raro, a cinetose também pode ocorrer quando nadamos em piscinas. Nesses casos, a causa costuma ser uma técnica errada na hora de nadar e respirar, que provocam seguidas rotações da cabeça durante a atividade.

Além de corrigir a técnica, o uso de tampões de cera no ouvido para evitar a entrada de água também costuma ajudar em alguns casos.

Tratamento

Alguns medicamentos ajudam a minimizar os efeitos destes sinais conflituosos que causam a cinetose. Estes remédios funcionam melhor se tomados preventivamente, ou seja, antes dos sintomas surgirem. Algumas opções incluem:

  • Anti-histamínicos, como Dimenidrinato (Dramin®).
  • Escopolamina (Buscopan®).
  • Prometazina + cafeína.

Algumas destas drogas podem ser administradas através de adesivos implantados atrás da orelha.

Entre os tratamentos não medicamentosos, algumas dicas costumam funcionar bem. A principal são comprimidos de gengibre. Algumas pulseiras que fazem pressão no punho também podem ajudar em alguns casos, mas a maioria dos paciente precisa mesmo é tomar remédios para evitar as náuseas.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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