O que é a urocultura?
A urocultura, também chamada de urinocultura ou cultura de urina, é o exame de urina que identifica a presença de bactérias. Como os rins e a bexiga são locais estéreis, ou seja, sem micróbios presentes, a identificação de uma bactéria na urina costuma ser um forte indicador de uma infecção urinária. É importante salientar, porém, que nem sempre a presença de bactérias indica uma infecção ativa. Algumas delas podem colonizar a uretra e a bexiga sem necessariamente causar doença.
A urocultura é feita através da colocação da urina em um meio propício à reprodução de bactérias, chamado meio de cultura. Caso a urina contenha germes, em 48 horas será possível identificar a formação de colônias de bactérias, podendo, deste modo, identificarmos qual tipo de bactéria está presente e quais antibióticos são eficazes em combatê-las (antibiograma).
No resultado da urocultura normalmente estão presentes o tipo de bactéria, o número de colônias formadas pela mesma e a lista de antibióticos sensíveis e resistentes. Falarei dos resultados com detalhes mais à frente.
Urocultura no diagnóstico das infecções urinárias
O melhor e o mais indicado exame para o diagnóstico de uma infecção urinária, seja ela uma infecção de bexiga, chamada de cistite, ou uma infecção dos rins, chamada de pielonefrite, é a urocultura.
Um erro muito comum, inclusive para alguns médicos, é fechar o diagnóstico de infecção urinária baseado apenas nos resultados do EAS (exame comum de urina). Muitas vezes o paciente é desnecessariamente submetido a tratamentos com antibióticos apenas por ter leucócitos na urina ou apresentar discreta hematúria.
É importante salientar que o EAS (urina tipo I) é um exame de urina que ajuda muito no diagnóstico dos males urinários, porém, ele é muito inespecífico e sozinho não deve fechar nenhum diagnóstico. Por exemplo, uma infecção urinária costuma dar leucócitos e sangue na urina, porém, outras doenças também o fazem, como cálculos renais, algumas DST (doenças sexualmente transmissíveis) e nefrites, para ficarmos apenas em três exemplos.
A urocultura é o exame de urina que identifica a bactéria causadora da infecção urinária. De modo mais simples, podemos dizer que o EAS nos mostra as consequências de uma possível infecção urinária, enquanto a urocultura é capaz apenas de identificar o germe que está causando a infecção.
Para saber mais sobre o EAS, leia: Exame de urina | EAS
Meu médico diagnosticou cistite sem pedir exame algum. Ele está errado?
Na verdade, não. Como a cistite é muito comum em mulheres e o resultado da urocultura pode levar até 3 dias para ficar disponível, se a paciente tiver um quadro clínico muito sugestivo de infecção urinária, o médico está autorizado a tentar um curso de antibióticos sem solicitar exames de urina.
Vantagens de se solicitar a urocultura
A urocultura é importante em alguns casos:
- Quando, após a avaliação clínica, o médico ainda não está seguro de se tratar de uma infecção urinária.
- Quando o primeiro curso de antibióticos não consegue eliminar a infecção.
- Quando há suspeita de pielonefrite.
- Nas mulheres grávidas.
- Nos casos de infecções urinárias de repetição.
- Nos casos de febre sem origem definida.
- Antes de procedimentos urológicos.
Muitas vezes o médico tem certeza do diagnóstico de infecção urinária, mas pede a urocultura para ver o antibiograma e decidir qual o melhor antibiótico para o caso. Isto é muito comum naquelas mulheres com cistites de repetição que fizeram vários cursos de antibióticos ao longo da vida e já apresentam bactérias resistentes a algumas drogas.
Como colher
O primeiro ponto é fazer com que o paciente entenda que a coleta da urina deve ser estéril. É imprescindível impedir a contaminação da amostra de urina por bactérias que vivam no ambiente e em nossa pele. Para tal, alguns passos devem ser seguidos:
- Limpar bem a região genital, principalmente ao redor do meato uretral (saída da uretra). O ideal é usar gazes (compressas) estéreis para limpar e depois secar a região.
- O recipiente usado para colher a urina deve ser estéril.
- Na hora de urinar, deve se evitar o contato da urina com a pele ao redor, como grandes lábios ou o prepúcio do pênis.
- O primeiro jato de urina é sempre desprezado, pois este serve apenas para limpar as impurezas que ficam na uretra.
- A urocultura deve ser levada imediatamente para o laboratório após a sua coleta. Só é preciso refrigerá-la se o tempo entre a coleta e a entrega for muito longo.
A melhor urina para a urocultura é a primeira da manhã, pois durante a noite é quando a urina permanece por mais tempo na bexiga, favorecendo a multiplicação das bactérias. Entretanto, esta coleta de manhã nem sempre é possível, pois o paciente costuma colhê-la logo após sair do consultório médico.
Cabe ressaltar que o paciente não deve começar a tomar antibióticos antes da coleta da urina. Existe sempre a possibilidade do antibiótico não ser forte o suficiente para acabar com a infecção urinária, mas ser eficaz para impedir o crescimento das bactérias no meio de cultura, levando a um resultado falso-negativo da urocultura.
Resultados da urocultura
Uma urocultura é considerada negativa quando, após 48 a 72 horas de incubação da urina em meio de cultura, não se observa crescimento de colônias de bactérias.
Uma urocultura é considerada positiva quando, após este mesmo tempo, é possível identificar mais que 100.000 colônias de bactérias, chamadas de unidades formadoras de colônias (UFC). Quando a urocultura é positiva, o resultado ainda apresenta o nome da bactéria que foi identificada, junto com os antibióticos que se mostraram eficazes em impedir seu crescimento, o chamado antibiograma.
O grande problema da urocultura está quando há crescimento de colônias de bactérias, mas estas estão em quantidade menor que as 100.000 UFC. Estes valores podem ser resultados de contaminação da amostra. Atualmente só se valorizam uroculturas entre 10.000 e 100.000 UFC quando também há piúria no EAS (leucócitos na urina) e sintomas clínicos sugestivos de infecção urinária.
Valores abaixo de 10.000 UFC são considerados contaminações por bactérias da região perineal.
Há, entretanto, algumas observações a serem feitas:
- Se o paciente estiver tomando antibióticos, estes podem inibir o crescimento das bactérias, e mesmo um resultado com menos de 100.000 UFC deve ser sempre valorizado.
- Em homens, o risco de contaminação é menor, portanto, valores maiores que 10.000 UFC já devem ser valorizados.
- Quando crescem bactérias da família Pseudomonas, Klebsiella, Enterobacter, Serratia ou Moraxella, o resultado deve ser levado em conta mesmo com contagens menores que 100.000 UFC.
Bacteriúria assintomática
Dizemos que o paciente tem bacteriúria assintomática quando ele apresenta de mais de 100.000 unidades formadoras de colônia (UFC) de bactérias por mililitro de urina, sem apresentar sintomas de infecção urinária.
A presença de bactérias na urina não é sinônimo de infecção urinária. A bacteriúria assintomática, na maioria dos casos, não precisa de tratamento e não evoluiu para um quadro de infecção urinária.
Explicamos o quadro com mais detalhes no artigo: Bacteriúria assintomática: devo tratar ou não?
Conclusão
Como pôde ser visto, a urocultura deve, como qualquer análise, ser interpretadas por profissionais qualificados. É sempre bom lembrar que quem deve ser tratado é o paciente e não o resultado do exame.
Via de regra, se o paciente não tem queixas de infecção urinária, não há motivos para se pedir uma urocultura. O tratamento desnecessário de contaminações ou colonizações do trato urinário sem sinais de infecção, não traz nenhum benefício e ainda pode induzir a criação de bactérias resistentes.
Referências
- What’s a Urine Culture? – WebMD.
- Positive urine cultures: A major cause of inappropriate antimicrobial use in hospitals? – Can J Infect Dis Med Microbiol.
- Urine Culture – Medscape.
- Sampling and evaluation of voided urine in the diagnosis of urinary tract infection in adults – UpToDate.
- Voided Midstream Urine Culture and Acute Cystitis in Premenopausal Women – NEJM.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.