HIV: profilaxia pré e pós-exposição (PrEP e PEP)

Dr. Pedro Pinheiro

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Introdução

Quando o vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi descoberto na década de 1980, as únicas formas de prevenção da infecção eram a abstinência sexual ou o uso de preservativos à base de látex (camisinhas). Enquanto a abstinência era a única forma 100% eficaz, a camisinha ajudava a reduzir o risco, mas não era totalmente segura, princialmente porque a qualidade do produto naquela época ainda não era controlada de forma muito rigorosa e não havia campanhas de educação sobre como utilizar o preservativo.

Durante décadas esse quadro não mudou. As previsões de desenvolvimento de uma vacina eficaz até hoje não se concretizaram e os antirretrovirais, medicamentos usados no tratamento da AIDS, não eram eficazes o suficiente para evitar a transmissão do vírus para os parceiros ou parceiras dos pacientes soropositivos (se você desconhece as formas de transmissão do HIV, leia: COMO SE PEGA O VÍRUS HIV).

Felizmente, a história começou a mudar partir de 2010. Com a advento de esquemas de tratamento antirretroviral cada vez mais eficazes, duas situações novas começaram a se tornar realidade: o uso de medicamentos como forma de profilaxia contra a transmissão do HIV (profilaxia pré-exposição e pós-exposição), e o número crescente de pacientes soropositivos que, ao conseguirem alcançar níveis indetectáveis de vírus no sangue, já não eram mais capazes de transmiti-lo para outras pessoas.

Os atuais esquemas de tratamento e prevenção do HIV estão se tornando tão eficazes, que a UNAIDS, programa da Organização das Nações Unidas criado em 1996 para ajudar no combate à AIDS, definiu como meta o fim da epidemia mundial de AIDS até 2030.

Preservativos

A camisinha é um preservativo que serve como método contraceptivo e como barreira para transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o vírus HIV.

Presente no mercado desde a década de 1920, as camisinhas feitas de látex ganharam muita popularidade a partir da década de 1980, exatamente por conta da epidemia de AIDS. De lá para cá, a qualidade e a segurança do produto aumentou bastante, em grande parte motivada por um maior controle das agências de vigilância sanitária.

Atualmente, todo preservativo é testado eletronicamente para furos e defeitos antes de ser embalado. Após esse primeiro teste, algumas amostras de cada lote ainda são aleatoriamente selecionadas e testadas para avaliar a resistência, risco de vazamentos e a integridade da embalagem. Se alguma das amostras falhar no teste, o lote inteiro precisa ser descartado.

Todo esse controle de qualidade permite que a camisinha seja um método bastante eficaz na prevenção da transmissão do HIV. Quando utilizada corretamente, sua taxa de eficácia é muito próxima de 100%. Nos poucos casos de falha, o problema costuma ser do indivíduo, que não soube utilizar o preservativo de forma correta, favorecendo o rompimento ou a saída da camisinha do pênis durante o ato sexual.

Uma meta-análise publicada em 2001 (Condom effectiveness in reducing heterosexual HIV transmissionThe Cochrane database of systematic reviews) mostrou o quão eficaz é a caminha na prevenção do HIV.

O estudo avaliou casais sorodiscordantes (i.e. um parceiro(a) HIV positivo e o outro negativo) e os dividiu em dois grupos: um deles refere ter usado camisinha em todas as relações sexuais e o outro refere nunca ter usado camisinha durante as relações. Após cerca de 3 anos, entre os 587 casais que sempre usaram camisinha, houve apenas 11 casos de contaminação do(a) parceiro(a) (1,87%). Já entre os 276 casais que nunca usavam camisinha, o número de parceiros(as) contaminados(as) foi de 40 (14,5%). Isso significa que a camisinha reduziu o risco de transmissão em até 80%.

Temos um artigo específico sobre a camisinha, que pode ser acessado através do seguinte link: EFICÁCIA DA CAMISINHA MASCULINA.

Profilaxia pré-exposição – PrEP

A profilaxia pré-exposição (PrEP) é uma forma de tratamento preventivo que envolve a administração diária de um comprimido do medicamento antirretroviral Truvada® (entricitabina + tenofovir) para os indivíduos soronegativos que apresentam elevado risco de contaminação.

Atualmente, a PrEP pode ser oferecida para os seguintes pacientes:

  • Homens e mulheres não infectados pelo HIV que tenham um parceiro sexual soropositivo com uma carga viral detectável (se em algum momento o parceiro contaminado conseguir manter a carga viral indetectável por 6 meses seguidos, a suspensão da profilaxia pré-exposição pode ser considerada).
  • Homens homossexuais ou mulheres transexuais que fazem sexo com homens se, nos últimos seis meses, tiveram comportamentos sexuais de alto risco, como sexo anal sem preservativo com parceiros sexuais múltiplos ou desconhecidos.
  • Homens homossexuais ou mulheres transexuais que fazem sexo com homens se, nos últimos seis meses, tiveram uma doença sexualmente transmissível confirmada.
  • Homens heterossexuais que fazem sexo sem preservativo com mulheres de regiões com epidemia generalizada de HIV (prevalência do HIV na população maior que 2 a 3%).
  • Homens heterossexuais que fazem sexo sem preservativo com mulheres que estão sob alto risco de infecção pelo HIV, como profissionais do sexo ou usuárias de drogas injetáveis.
  • Mulheres heterossexuais que praticam sexo sem preservativo com homens com alto risco de infecção pelo HIV, como usuários de drogas injetáveis, parceiros bissexuais masculinos ou parceiros de áreas onde há alta prevalência de HIV.
  • Profissionais do sexo.
  • Usuários de drogas injetáveis que, nos últimos seis meses, relatam o compartilhamento de agulhas.
  • Indivíduos que fazem uso frequente da PEP (profilaxia pós-exposição).

Todos os candidatos à PrEP devem fazer uma sorologia para HIV antes do início do tratamento e a cada 3 meses para confirmar a não contaminação (leia: TESTE DE HIV – Como Saber se Tenho HIV). Se alguma das sorologias vier positiva, a PrEP deve ser  suspensa e o paciente referenciado para iniciar o tratamento para o HIV.

A profilaxia pré-exposição, se tomada de forma correta, reduz o risco de transmissão do HIV em 90%, uma taxa maior que a do preservativo. Entre as pessoas que usam drogas injetáveis, a PrEP é um pouco menos eficaz, reduzindo o risco em pouco mais de 70%.

Mesmo fazendo uso da PrEP, os pacientes são aconselhados a usar a camisinha como forma de potencializar a prevenção. Se o objetivo for engravidar, a camisinha pode ser abandonado após 20 dias do início da profilaxia, que é o tempo mínimo necessário para que o tratamento faça efeito nas mulheres.

Pacientes com insuficiência renal crônica ou portadores de hepatite B crônica não são candidatos à PrEP, devido ao risco de agravamento das suas doenças.

Profilaxia pós-exposição – PEP

A profilaxia pós-exposição (PEP) é uma forma de prevenção do HIV semelhante à PrEP, com a diferença de ser iniciada após o paciente ter sido potencialmente exposto ao vírus, como nos casos de estupro, rompimento da camisinha durante relação com alguém sabidamente soropositivo, usuários de drogas que compartilharam agulhas ou profissionais de saúde que se acidentaram com agulhas ou material biológico potencialmente contaminado.

A PEP também é feita com a administração de medicamentos antirretrovirais, que devem ser iniciados o mais rápido possível, de preferência nas duas primeiras horas após a exposição ao vírus e no máximo em até 72 horas. O início precoce da profilaxia elimina o vírus HIV antes que ele consiga se multiplicar no organismo do paciente, impedindo a sua contaminação de forma permanente. A profilaxia pós-exposição dura 28 dias e o paciente deve ser acompanhado pela equipe de saúde por mais 90 dias.

Atualmente, há mais de um esquema de PEP disponível. As opções mais indicadas costumam ser:

  • Tenofovir/Lamivudina + Atazanavir/Ritonavir, 1 comprimido de cada, 1 vez por dia.
  • Tenofovir/Emtricitabina + Raltegravir, 1 comprimido de cada, 1 vez por dia.
  • Tenofovir/Emtricitabina + Dolutegravir, 1 comprimido de cada, 1 vez por dia.
  • Tenofovir/Emtricitabina + Darunavir/Ritonavir, 1 comprimido de cada, 1 vez por dia.

Imediatamente após o início da PEP, o paciente precisa ser testado para HIV para termos certeza de que o mesmo já não era previamente soropositivo. Se o resultado vier positivo, a profilaxia é interrompida e o paciente deve ser encaminhado para iniciar o tratamento do HIV. Se o resultado inicial vier negativo, o paciente deve repetir o teste após 1 e 3 meses.

Um estudo publicado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) avaliou a eficácia da PEP em um grupo de 200 pacientes homossexuais. Destes, 68 aceitaram fazer a PEP em caso de relação de risco e 132 não tomaram nenhum medicamento. Após 2 anos, apenas um paciente no grupo que fez a PEP foi contaminado (1,5%), enquanto 10 pacientes do grupo que não tomou os antirretrovirais acabaram se tornando soropositivos (7,5%).

Esse resultado aponta para 80% de redução no risco de contaminação com o emprego da profilaxia pós-exposição.

Tratamento antirretroviral como forma de prevenção

O tratamento como prevenção é um conceito relativamente novo, que se baseia no fato dos pacientes soropositivos que atingem carga viral sanguínea indetectável através do tratamento com antirretrovirais apresentarem baixíssimo risco de transmissão do vírus.

Até há poucos anos, o tratamento com antirretrovirais só era iniciado nos pacientes soropositivos que apresentassem critérios específicos com relação a sua carga viral e a contagem dos linfócitos CD4. Atualmente, porém, o tratamento é oferecido a todos os soropositivos, independentemente do estado imunológico ou do tempo de infecção.

Quando um paciente soropositivo atinge um estado de supressão permanente do vírus, ou seja, carga viral indetectável por 6 meses seguidos, o risco de transmissão do HIV torna-se praticamente nulo. O risco é tão baixo, que 600 organizações em mais de 75 países assinaram uma declaração em conjunto classificando o risco de transmissão do HIV nesses casos como “insignificante”, ou seja, tão pequeno que não vale a pena considerar (https://www.preventionaccess.org/consensus).

Outras formas de prevenção

Prevenção combinada

Chamamos de prevenção combinada do HIV a estratégia de utilizar em simultâneo, ou de forma sequencial, mais de uma das formas de profilaxia descritas anteriormente. A associação da camisinha com a PrEP ou com o tratamento antirretroviral são as formas mais utilizadas.

A utilização de gel lubrificante à base de água, com o objetivo de diminui o atrito e os traumas durante a cópula, a utilização da PEP no recém-nascido para prevenção da transmissão vertical do vírus (transmissão do HIV da mãe para o filho na hora do parto) e o tratamento de outras infecções sexualmente transmissíveis também fazem parte da estratégia de prevenção combinada.

Abstinência sexual

A abstinência sexual é a forma mais eficaz de prevenção do HIV.  No entanto, além de ser uma estratégia pouco atrativa, ela também não é infalível, porque as pessoas que optam por esse método podem precisar da PEP em algum momento da vida, caso sejam vítimas de violência sexual ou se acidentem com agulhas.

Circuncisão

Estudos mostram que a circuncisão reduz o risco de contaminação pelo HIV. Isso aparentemente ocorre porque existe uma grande densidade de células-alvo do HIV no prepúcio masculino.

Estudos clínicos randomizados na África demonstraram que a circuncisão reduz o risco de transmissão do HIV de mulheres para homens de 50 a 60%. No entanto, o oposto não é verdadeiro. A taxa de transmissão de homens circuncidados para as mulheres não é menor.

Até o momento, nenhum estudo controlado randomizado foi feito na população homossexual. Como a maioria dos homens que têm relações com outros homens apresentam comportamento passivo e ativo, é muito difícil conduzir estudos que mostrem um benefício da circuncisão nesse cenário. É até possível que ele exista, mas ainda não foi demonstrado.

A circuncisão, portanto, é uma forma de redução do risco de transmissão do HIV apenas para os homens heterossexuais.

Temos um artigo específico sobre circuncisão, que pode ser acessado através do seguinte link: CIRCUNCISÃO – Riscos e Benefícios.

Vacina contra o HIV

Quando o vírus HIV foi descoberto no início da década de 1980, a expectativa que existia era de que uma vacina pudesse ser desenvolvida dentro de 2 ou 3 anos. Isso, porém, nunca aconteceu. Até hoje, todas as vacinas testadas não se mostram eficazes.

Existem atualmente alguns estudos com bons resultados em macacos, que já estão sendo testados em humanos. Os primeiros resultados devem ser publicados ao redor de 2021 e 2022.


Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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Comentários e perguntas

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15 respostas para “HIV: profilaxia pré e pós-exposição (PrEP e PEP)”

  1. Henrique Charles Jesus dos Santos

    Boa tarde , dr qual a eficácia da Pep sexual com início de 16 horas após relacionamento de risco desde já agradeço

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      A Profilaxia Pós-Exposição (PEP) para o HIV é mais eficaz quando iniciada o mais rápido possível após uma exposição de risco. Idealmente, a PEP deve ser iniciada dentro de 2 a 24 horas após a exposição, mas ainda pode ser considerada se iniciada até 72 horas (3 dias) depois.

      Embora não haja dados precisos que quantifiquem a eficácia da PEP quando iniciada 16 horas após a exposição, iniciar a PEP dentro deste período ainda está dentro da janela de tempo recomendada. Portanto, pode-se esperar que a PEP seja bastante eficaz se iniciada 16 horas após a exposição ao HIV.

      1. Henrique Charles Jesus dos Santos

        Dr com quantos mêses devo realizar o teste rápido , pra ter certeza que a Pep funcionou , desde já agradeço

        1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
          Dr. Pedro Pinheiro

          Geralmente é feito um teste de 4º geração quando termina o tratamento, 1 mês depois e, por último, 3 meses depois. Se todos vierem negativos, encerra o caso.

  2. Lucas

    Olá,
    Fui exposto a uma transmissão intencional, contato direto de fluidos e feridas.
    Iniciei a PEP (tecnofóbico+lamivudina+Dolutegravir) 5 horas após a exposição e pretendo completar rigorosamente.
    Li que algumas vezes a PEP pode falhar pela contaminação por variáveis do vírus resistentes ao esquema da PEP. Qual a probabilidade de isto acontecer? Devo me prepcupar?
    Obrigado

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      A gente não sabe exatamente a taxa de sucesso, porque ela depende de vários fatores. Mas ela é bastante alta, principalmente para quem consegue iniciá-la-la com poucas horas, como é o seu caso.

  3. Paula Menezes

    Realizei dois exames anti HIV Elisa ( não sei a geração ) , após 8 meses de exposição .
    E um teste rápido em uma unidade de saúde com 11 meses de exposição.
    Todos negativos.
    Posso ficar em paz com esses resultados?

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      Sim.

  4. Ana

    Tomei a PEP por 30 dias. Fiz teste rápido no cta dando não reagente e com 56 dias após exposição fiz de quarta geração dando não reagente. Quais as chances de mudar testando com 90 dias após a exposição? Preciso me testar até 90 dias após a exposição ou do fim da pep?

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      É pouco provável mudar, mas para ter realmente certeza, o ideal é finalizar com teste aos 90 dias.

  5. Paollo

    Gostaria de saber se a pep e prep pode futuramente causa danos as partes ósseas e quais?

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      Por que especificamente às partes ósseas? Você leu essa informação em algum lugar?

      1. Paollo

        Sim eu li em artigo sobre saúde e namorei uma pessoa que toma este medicamento. reparei que,alguns tempo ela reclama do joelho,ate procurou especialistas. Ela faz atividades físicas todos os dias, tem alimentação saudável.

  6. Jo

    Atualmente, a PEP é capaz de evitar infecção quando tomada exatamente a 33 horas do contato de risco e de forma correta, sem falhas na toma? Com a PEP pode ocorrer sintomas agudos do HIV? E se houver sintomas agudos, é possível detectar a infecção nos testes rápidos ofertados nos CTAs?

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      1- Sim.
      2- Se ocorrerem os sintomas é porque a PEP falhou.
      3- Sim.