Peste negra: história, sintomas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro

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O que é a peste?

A peste, também chamada de peste negra ou peste bubônica, é uma grave infecção provocada pela bactéria Yersinia pestis, cuja principal via de transmissão é a picada de pulgas de roedores, principalmente de ratos.

A peste é uma doença pouco comum atualmente, mas que tem grande relevância histórica por ter sido responsável por dizimar cerca de 1/3 da população do continente europeu na idade média.

A peste é uma doença tão fatal, que só perde para malária como principal causa de morte de origem infecciosa em toda história.

Peste negra ou peste bubônica?

Há uma grande confusão em relação ao nome correto da doença peste. Muitas pessoas utilizam os termos peste, peste negra e peste bubônica como se fossem sinônimos, o que é um equívoco.

A doença provocada pela bactéria Yersinia pestis chama-se peste. Peste negra é nome dado à pandemia de peste que acometeu a Europa na idade média. As outras duas famosas pandemias ocorreram no século VI, conhecida como praga de Justiniano, e no século XIX, chamada de Terceira pandemia. Já o termo peste bubônica deve ser utilizado para descrever uma das três formas de apresentação clínica da peste. As outras duas formas são a peste septicêmica e a peste pneumônica.

Explicaremos essas três formas de apresentação e as pandemias históricas com mais detalhes ao longo do artigo.

Informações em vídeo

Antes de seguirmos em frente com as explicações, assista a esse curto vídeo do nosso canal do Youtube, que ilustra e resume as informações aqui contidas.

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Resumo histórico

A peste é uma doença que atormenta a humanidade há milênios. O DNA da bactéria Yersinia pestis já foi identificado em dentes de indivíduos que viveram há mais 5 mil anos nas regiões da Ásia e Europa.

Supõe-se que a peste tenha sido responsável por diversas epidemias no mundo antigo, incluindo algumas descritas no Antigo Testamento. Porém, é praticamente impossível confirmar se a Yersinia pestis foi realmente a origem dessas epidemias.

Praga de Justiniano

A primeira grande epidemia que foi reconhecidamente provocada pela peste ocorreu no século VI, no império Bizantino, ao redor dos anos 541 e 543. Essa epidemia, que na verdade foi uma pandemia que acometeu os continentes europeu, africano e asiático, foi batizada com o nome de praga de Justiniano, em referência ao imperador Justiniano I, que governava o império Bizantino à época.

A praga de Justiniano durou cerca de 200 anos e vitimou algo em torno de 25 milhões de pessoas.

Peste negra

A segunda grande pandemia de peste ocorreu na segunda metade da idade média, no século XIV, tendo sido chamada de peste negra.

A peste negra originou-se na China e chegou à Europa através dos portos da Itália, França e Espanha nos anos de 1347 e 1348. Em apenas 4 anos, a bactéria já havia se espalhado por toda Europa, da Inglaterra à Rússia, passando por Escandinávia, Grécia e Turquia.

Em algumas regiões, até 75% da população foi dizimada, gerando caos social e colapso econômico em vários países. O número de mortos era tão grande, que os poucos sobreviventes não davam conta de enterrar os que haviam falecido.

Em toda a Europa, estima-se que entre 25 e 75 milhões de pessoas tenham sido mortas pela doença, o que representa até 1/3 de toda a população daquela época.

A grande pandemia durou até 1351, mas vários novos surtos permaneceram surgindo nos anos 1361–63, 1369–71, 1374–75, 1390 e 1400.

Grande praga de Londres

A peste continuou a provocar surtos em vários países da Europa ao longo dos séculos que se sucederam. Um dos mais famosos ocorreu em Londres entre 1665 e 1666, vitimando cerca de 100 mil pessoas, o que na época representava 1/4 da população da cidade.

Terceira epidemia

A última grande pandemia de peste surgiu na China, no final do século XIX, época em que a bactéria Yersinia pestis foi finalmente identificada pelo bacteriologista Alexandre Yersin, suíço que se radicou na China.

A terceira pandemia espalhou-se até as Américas e vitimou cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente na China e na Índia.

Peste nos dias atuais

Com o desenvolvimento dos antibióticos no século XX, a taxa de mortalidade da peste, que era de 60 a 90%, caiu para apenas 10% a 20%, o que quebrou o ciclo de transmissão da bactéria e tornou essa doença um problema de saúde pública de pequena relevância em todo o mundo.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 2010 e 2015 existiram apenas 3.248 casos de peste em todo mundo, com 584 mortes. Desde o ano 2000, 95% dos casos de peste se concentram no continente africano. Os três países com mais casos atualmente são Madagascar, Congo e Peru.

Peste no Brasil

A bactéria Yersinia pestis chegou ao Brasil durante a Terceira pandemia, no ano de 1899. Atualmente, a bactéria circula entre roedores silvestres na região Nordeste, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e na Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro.

Os últimos casos relevantes de peste no Brasil ocorreram nos estados do Ceará e Paraíba, na década de 1980, quando foram notificados 76 casos e três óbitos. Entre os anos 2000 e 2017, apenas 2 casos de peste foram diagnosticados no país, um na Bahia e outro no Ceará. Não há casos de mortes por peste no Brasil desde 1986.

Formas de transmissão

Na maioria dos casos, a bactéria Yersinia pestis é transmitida ao homem quando este é picado por uma pulga que previamente havia se alimentado do sangue de algum roedor infectado, tal como ratos, esquilos, cães-da-pradaria, tâmias ou coelhos.

A transmissão da Yersinia pestis através de pulgas costuma provocar peste nas formas bubônica ou septicêmica. Eventualmente, a forma pneumônica pode surgir como complicação destas duas formas.

É importante destacar que os animais domésticos, em especial os gatos, podem transportar as pulgas infectadas de roedores silvestres para dentro de casa, tornando-se um importante meio de transmissão da doença. Gatos doentes também podem transmitir a bactéria por meio de mordidas ou arranhaduras.

A peste também pode ser transmitida através da manipulação de sangue, secreções ou tecidos de animais contaminados, como, por exemplo, nos casos de caçadores que estejam a esfolar uma lebre sem as devidas precauções ou em acidentes em laboratórios que manuseiam produtos microbiológicos. Estas formas de transmissão da bactéria também costumam resultar em peste bubônica ou peste septicêmica.

Por fim, uma forma menos comum de transmissão é por gotículas das vias aéreas, transmitidas de pessoa para pessoa através de secreções respiratórias, semelhantemente à que ocorre nos pacientes com tuberculose, por exemplo. Para haver transmissão por via aérea, é preciso contato próximo, como o que ocorre entre familiares que moram na mesma casa.

A transmissão pela via respiratória provoca a peste pneumônica, que é a forma de peste mais comum de ser transmitida diretamente de humano para humano.

A peste pneumônica também pode ser transmitida de animais para os seres humanos. Os gatos são particularmente suscetíveis e podem se contaminar ao comer roedores portadores da bactéria. Os gatos doentes podem transmitir a peste através de gotículas de saliva para os seus donos ou veterinários.

Sintomas

Os sintomas da peste dependem da forma de apresentação da doença, conforme veremos a seguir.

Peste bubônica

A peste bubônica é a forma mais comum e famosa, correspondendo a mais de 90% dos casos.

Os sintomas da peste bubônica surgem cerca de 2 a 6 dias após a picada da pulga infectada, que pode ser discreta e não deixar nenhuma marca perceptível. O paciente costuma desenvolver um quadro súbito de febre alta, geralmente na casa dos 40ºC, calafrios, dor de cabeça, dor pelo corpo, fraqueza, prostração e perda do apetite.

A bactéria invade a circulação linfática e dirige-se para a rede de linfonodos mais próxima, provocando o surgimento de gânglios palpáveis nessa região. Em 48 a 72 horas, surge o sinal típico da peste bubônica, que é o bubão, uma tumoração dolorosa provocada pelo inchaço de um linfonodo. O bubão pode chegar a ter até 10 cm de diâmetro e se apresenta de forma ovalada, com distensão, vermelhidão e brilho da pele ao seu redor.

Bubão da peste na perna
Bubão da peste na perna

Como o local mais frequentemente picado pelas pulgas são as pernas, a localização mais comum dos bubões é na região da virilha. A axila e o pescoço vêm, respectivamente, em segundo e terceiro lugar.

O bubão pode se tornar purulento, adquirindo um aspecto semelhante ao de um abscesso. Na maioria dos casos, o bubão não drena o material purulento espontaneamente, havendo necessidade de drenagem cirúrgica por um médico. O material purulento do bubão é altamente contagioso e pode contaminar quem o estiver manuseando.

Sem tratamento, a peste bubônica costuma progredir para o sistema nervoso central, provocando alterações na fala e na marcha, alucinações, movimentos involuntários e, posteriormente, coma. A meningite pela Yersinia pestis é uma complicação frequente dos pacientes não tratados.

Peste septicêmica

A peste septicêmica ocorre, habitualmente, como complicação da peste bubônica não tratada. A bactéria viaja pelo sangue em direção a vários órgãos e tecidos, provocando hemorragia interna e na pele, gangrena das extremidades, choque circulatório e falência de múltiplos órgãos.

A hemorragia cutânea costuma provocar machas negras ou roxas por toda a pele, o que inspirou o termo peste negra na idade média.

Peste septicêmica com gangrena das mãos

Em 10 a 20% dos casos, a peste septicêmica surge de forma primária, ou seja, sem que haja sintomas prévios da peste bubônica. Essa forma de peste é muito agressiva e de difícil diagnóstico, devido á falta do bubão característico e à sua rápida evolução para o óbito.

O paciente desenvolve quadro súbito de febre alta, chegando a 42-43ºC, prostração, hipotensão arterial, falta de ar, hemorragias cutâneas, diarreia e vômitos. Em apenas 48 horas, o quadro costuma evoluir para coma e, horas depois, o paciente costuma falecer.

Peste pneumônica

A peste pneumônica pode ser secundária, quando surge como complicação das formas bubônicas ou septicêmicas, ou primária, quando é adquirida através de gotículas de aerossol contaminado. A forma secundária é a mais comum.

O período de incubação da peste pneumônica primária é mais curto que a da forma bubônica e dura apenas de 2 a 3 dias. A princípio, os sintomas são inespecíficos, como febre alta, calafrio, prostração, confusão mental e vômitos. Os sintomas de pneumonia vêm a seguir, com falta de ar, dor no peito, respiração acelerada e tosse com expectoração, que pode ser purulenta ou sanguinolenta.

Se não tratada precocemente, a peste pneumônica progride de forma rápida para o óbito.

Diagnóstico

O diagnóstico da peste é feito através da identificação da bactéria em material colhido do bubão, do sangue ou do escarro.

Já existem testes rápidos, patrocinados pela OMS, que identificam o DNA da bactéria em apenas 15 minutos.

Tratamento

O tratamento da peste, em todas as suas formas, deve ser feito com antibióticos.

A estreptomicina ou a gentamicina são as opções mais utilizadas. A tetraciclina ou a doxiciclina são opções alternativas, caso a estreptomicina e a gentamicina não estejam disponíveis.

O tratamento deve ser mantido por 10 dias e a taxa de sucesso, quando iniciado precocemente, é de mais de 90%.

Os pacientes contaminados devem ficar em isolamento respiratório durante as primeiras 48 horas de tratamento antibiótico para prevenir a contaminação de outras pessoas.


Referências


Autor(es)

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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6 respostas para “Peste negra: história, sintomas e tratamento”

  1. Guilherme

    Exelente artigo.
    Me ajudou bastante em um trabalho da escola.
    OBRIGADO É NOIS.

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      Obrigado, Guilherme. Que bom que o texto ajudou.

  2. abilio

    Boa noite.
    Artigo bom e muito claro.
    Mas há um reparo.
    Não achavam melhor ocultar a face do doente com gangrena das mãos na foto deste artigo?
    Penso que seria mais aconselhado.
    Os melhores cumprimentos

    1. Avatar de Dr. Pedro Pinheiro
      Dr. Pedro Pinheiro

      Não ocultei porque essa foto saiu em vários jornais e revistas. O paciente e a família autorizaram a foto sem pedir que ocultassem a identidade. Mas para quem não conhece o caso, pode realmente parecer exposição do paciente. Vou alterar a foto. Obrigado.

  3. Matheus Ribeiro

    muito bom o conteúdo, me ajudou muito no meu trabalho da escola. OBRIGADO TAMO JUNTO

  4. Johnathan

    Excelente material. Me ajudou muito no trabalho da escola. Obrigado.